A ancestralidade como ponto de partida para a educação do futuro - PORVIR
Crédito: Gabi Carrera/Globo

Inovações em Educação

A ancestralidade como ponto de partida para a educação do futuro

Primeira mesa do Festival LED - Luz na Educação debateu a importância do resgate dos conhecimentos e das culturas negras e indígenas para apoiar a educação brasileira

por Ruam Oliveira ilustração relógio 16 de junho de 2023

“Uma das coisas que o racismo faz é desvalorizar a potência”, disse o ator e escritor Lázaro Ramos no painel “Trajetórias ancestrais: como o passado pode guiar futuros plurais?”, que abriu o Festival LED – Luz na Educação, nesta quinta-feira (16). Ele se refere à potência dos conhecimentos e culturas dos povos negros e indígenas, que frequentemente são ignorados e deixados de lado.

A importância do resgate histórico e cultural foi ressaltada também pela escritora Ana Maria Gonçalves, autora do premiado livro “Um defeito de cor”, e pelo professor e escritor indígena Daniel Munduruku, que participaram do debate juntamente com Lázaro, mediado pelo apresentador Luciano Huck.

Lázaro compartilhou suas origens: nasceu e cresceu em uma família inteligente e criativa, mas demorou para compreender que poderia se orgulhar da potência do povo negro, do qual faz parte. Ele enfatizou que essa força está impulsionando um movimento sem retorno: “É a recuperação do espaço por parte de uma população que decidiu: ‘Vamos tomar esse espaço. Vamos invadir, não importa como’. E isso está ocorrendo nas universidades, na política partidária e no entretenimento. E esse entretenimento é de qualidade, beneficiando a todos.”

A conversa inicial contou com a presença da autora Ana Maria Gonçalves, do ator Lázaro Ramos e do professor e escritor Daniel Munduruku, com a mediação do apresentador da TV Globo, Luciano Huck.
Crédito: Gabi Carrera/Globo Painel com a autora Ana Maria Gonçalves, do ator Lázaro Ramos e do professor e escritor Daniel Munduruku, com a mediação do apresentador da TV Globo, Luciano Huck

Lázaro, autor dos livros infantojuvenis “Sinto o que sinto”, “Os cadernos de rima do João” e “Os cadernos de rima da Maria”, em referência aos seus filhos, relacionou o debate com a educação, ressaltando que a escola e os educadores desempenham um papel relevante na compreensão da ancestralidade e na promoção da educação antirracista. “Desejo que tenhamos a coragem de cultivar diariamente o amor pelo conhecimento, pela escola, pelos professores, porque é nesse ambiente escolar que criamos memórias que durarão para sempre.”

A valorização da ancestralidade

Daniel Munduruku, pertencente ao povo indígena Munduruku, é mestre e doutor em educação pela USP (Universidade de São Paulo) e pós-doutor em linguística pela UFSCar (Universidade Federal de São Carlos). Em sua fala, destacou a importância de valorizar os conhecimentos dos povos indígenas, ressaltando que ainda há muito a aprender com os povos originários. “Nossa grande mestra é a natureza, e o povo indígena é muito criativo, capaz de olhar para sua existência sem destruí-la, ao contrário do que ocorre com os ocidentais.”

Autor de 56 livros, muitos deles voltados para a literatura infantojuvenil, ele abordou a necessidade de construir, a partir da sala de aula, a ideia de uma nação brasileira completamente inclusiva. “Não podemos negar quem somos, mas o discurso dominante deseja isso. Quando olhamos para trás, vemos pretos e indígenas, e as pessoas não querem reconhecer esses povos.”

Ele comentou também que o currículo brasileiro ainda é muito eurocêntrico, havendo uma glamourização da Europa e dos antepassados europeus. “Fomos ensinados a valorizar o estrangeiro, o outro, mas não valorizamos a nós mesmos”, analisa o educador, que atualmente atua na novela “Terra e Paixão”.

“A ancestralidade é como uma teia de aranha. É o fio que se inicia em determinado momento e vai tecendo caminhos. A ancestralidade é pertencimento”, afirmou Munduruku. É por meio dessa teia que podemos começar a pensar no pertencimento, legitimando saberes e culturas indígenas e negras, valorizando o Brasil como um país diverso. “O Brasil precisa construir sua teia. Ainda não conseguimos criar uma pedagogia brasileira”, comentou.

Ana Maria Gonçalves também retomou o conceito de ancestralidade como um ponto importante de debate nas escolas e como uma ferramenta necessária para a existência da nação. “Quando pensamos em ancestralidade, estamos olhando para o futuro. Ela é o acúmulo de experiências e vivências, além de ser uma ponte.” Ana também explicou que o conceito traz consigo a percepção de que o futuro responde ao passado e se origina dele.

A escritora enfatizou ainda que os debates sobre resgate ancestral e cultural são recentes: a palavra “racismo”, por exemplo, só entrou nos dicionários brasileiros em 1982. E fez um alerta: “A representatividade pode ser uma grande armadilha. Acabamos vendo sempre os mesmos rostos, mas somos diversos. Não vemos um branco representando todos os brancos, então não podemos representar todos os negros. Meu papel é abrir espaços para que mais pessoas possam falar por si mesmas. Minha ancestralidade aponta para o futuro”, acredita Ana Maria.


* O evento, realizado no Rio de Janeiro (RJ) pela Globo e Fundação Roberto Marinho em parceria com a plataforma Educação 360 – Conferência Internacional de Educação, da Editora Globo, é um festival de dois dias inteiros e tem previsão de receber mais de cinco mil pessoas nos dois locais (Museu do Amanhã e Museu de Arte do Rio). As mesas podem ser acompanhadas ao vivo neste link. O repórter viajou a convite do Festival.


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educação antirracista, educação indígena, material didático

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