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A educação precisa de uma vez por todas abraçar o antirracismo

Somente por meio de uma educação antirracista atos como o ocorrido em Ceilândia (DF) receberão o nome que lhes é devido: crime de racismo. As escolas não podem mais ser omissas.

por Ruam Oliveira ilustração relógio 15 de março de 2023

Em janeiro deste ano, a lei 10.639 completou vinte anos de existência. Fruto de uma luta e demanda de diversos movimentos sociais, sobretudo os movimentos negros, ela veio para inserir a história e a cultura africana e afro-brasileira nos currículos escolares. Esse foi um importante passo para prosseguir em direção a uma educação, de fato, antirracista. 

Mas, estruturado em racismo, o Brasil segue, mesmo em 2023, reverberando de maneira intrínseca as piores e mais terríveis facetas de violência racial. Esta semana, no exercício de sua profissão, uma professora recebeu de um aluno um “presente”: um pacote de esponja de aço. E mais: a cena foi gravada no Dia Internacional da Mulher, 8 de março. O fato ocorreu em uma escola em Ceilândia (DF).

Em meio aos risos, audíveis na gravação feita pelos próprios estudantes do 3º ano do ensino médio, a professora muito embaraçada aceita o “presente” e agradece. O aluno, que de fato não entende a vilania ali representada, não percebe inclusive que o agradecimento a ele dedicado não foi sincero, mas um reflexo. 

O que pensou este estudante ao ter a ideia de entregar à sua professora, uma mulher preta de cabelos crespos, uma esponja de aço? Dizer que esse tipo de atitude é lamentável soará raso e impreciso. Está além do lamentável que alguém sofra este tipo de humilhação, inclusive enquanto tenta praticar um ato de extrema dignidade que é ensinar. 

Casos como esse somente reforçam a urgência de uma educação que seja em absoluto antirracista. A branquitude, sobretudo, precisa entender isso. E observar que não se trata de uma demanda da militância negra e chata. Que não se trata de mero ‘mimimi’ e vitimismo. Uma professora foi gratuitamente ofendida enquanto trabalhava, em um ato claro de racismo. 

Em resposta, a diretoria da escola pediu ao aluno que escrevesse um pedido de desculpas para ser lido na classe. Disse também ter conversado com os pais do estudante a respeito de sua postura racista. Mas a escritura de uma carta pedindo desculpas não é suficiente. É preciso educar. Mais do que a célebre frase da filósofa e ativista estadunidense Angela Davis “Não basta não ser racista, é preciso ser antirracista”, urge a necessidade de que ações efetivas sejam tomadas. 

O simples fato de não discutir racismo em sala de aula pode gerar ações como essa apresentada pelo estudante. O não entendimento de que houve um crime não está somente no estudante que o cometeu, como também em quem filmou e divulgou. Há um certo senso de impunidade nessa postura. 

A Secretaria de Educação do Distrito Federal, em nota à TV Globo, afirmou que o Centro de Ensino Médio 9 de Ceilândia tem autonomia para conduzir o caso. 

Em nenhuma outra circunstância um estudante faria ato semelhante com uma professora branca. Sendo assim, como deve ser chamado o que foi feito em sala de aula? Desde 1989, com a lei 7.716, injúria racial está estabelecida como crime. Enquanto as pessoas não entenderem como tal, cenas como as vistas esta semana continuarão a se repetir. 

E é neste ponto que a educação antirracista entra. É um dever de todas e de todos – professores, alunos, coordenação, gestão e comunidade escolar – abraçar e mergulhar no tema. Investir tempo para estudar, para aprender e para planejar e aceitar aulas que tornem as pessoas menos inclinadas a humilhar, ofender, desmerecer ou diminuir os outros em razão da cor da pele ou etnia. 

Neste mesmo Distrito Federal, por exemplo, a professora Gina Vieira desenvolveu o projeto Mulheres Inspiradoras, que trata diretamente com essa questão, apresentando aos estudantes uma importante reflexão sobre gênero e raça. O projeto dela ganhou corpo e atualmente é uma política pública presente em 41 escolas do DF. Ou seja, não é preciso ir muito longe para encontrar bons exemplos de como introduzir a educação antirracista.

Neste mês de março está prevista uma jornada de 21 dias de ativismo contra o racismo. É tempo oportuno para encará-lo de frente e pensar em estratégias que coíbam  agressões – sejam elas explícitas como o ocorrido com a professora, sejam microviolências. 

Além de um pedido de desculpas formal, é necessário que estudantes, coordenadores, gestores e toda a comunidade escolar compreenda que não é mais possível avançar como sociedade enquanto crimes continuarem acontecendo em sala de aula. A educação não poderá jamais se esquivar dessa responsabilidade. 


A educação antirracista é um dos temas prioritários no Porvir este ano e estará presente na cobertura do portal ao longo de todo o ano.

O Porvir também criou uma comunidade de professores no WhatsApp para troca de práticas e informações sobre o tema.


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