‘Aluno deve decidir sobre seu processo educativo’
Fontán, em visita ao Brasil, diz que sistema educativo impõe metas aos alunos quando é preciso que cada um construa as suas
por Vagner de Alencar 26 de novembro de 2012
A instituição que foi fundada pelos psicólogos colombianos Emilia e Buenaventura Fontán, no fim da década de 80, em um modelo experimental, faz parte hoje do Super Mentor Schools, seleto grupo de escolas mais inovadoras do mundo criado pela Microsoft. Ao estimular que seus alunos fossem autodidatas, o Colégio Fontán foi na contramão do modelo tradicional e apostou na autonomia dos estudantes. A aposta deu certo e chegou a ser reconhecida pelo Ministério da Educação do país como “primeira instituição de inovação educativa da Colômbia”. No Fontán, os alunos têm total liberdade para montar o seu currículo e decidir se estão aptos ou não para passar de nível escolar (leia matéria com detalhes sobre a metodologia desenvolvida no Fontán).
Julio Fontán, diretor da instituição e filho do casal que fundou o colégio, esteve no Brasil a convite do Instituto Natura, falando sobre o trabalho na Colômbia e conhecendo casos inovadores do país. Em entrevista ao Porvir, ele conta como surgiu o modelo de ensino e defende o uso da tecnologia como ferramenta de empoderamento para o aprendizado dos estudantes. Segundo Fontán, infelizmente, muitas escolas ainda não estão preparadas para adotar um modelo como o colombiano por conta do “medo e comodismo dos professores”, o que impede que as crianças se tornem mais autônomas. “Muitas vezes, os alunos não têm senso de realidade e são excluídos da tomada de decisão sobre seu processo educativo; simplesmente fazem coisas prontas”, diz. Confira abaixo a conversa com o especialista.
Como surgiu a ideia do modelo Fontán?
O projeto começou em 1957, na Colômbia, com os meus pais, que eram psicólogos catalães. Na época, eles abriram um consultório de psicologia do aprendizado. As crianças iam para lá e meus pais as ajudavam a resolver seus problemas de aprendizagem. Chegou um momento em que os estudantes não queriam mais voltar à escola e preferiam ficar no consultório. Lá, eles trabalhavam os conteúdos autonomamente e, como forma de validação dos estudos escreviam, uma espécie de relatório, mostrando o que haviam aprendido. Já nos anos 1970, os alunos passaram realmente a estudar no consultório e abandonaram a escola.
Como o modelo passou a ser reconhecido pelo Ministério de Educação?
Nos anos 80, o Ministério de Educação visitou o consultório para conhecer o que estávamos fazendo já que apenas 26% dos alunos do país eram aprovados nos testes nacionais de avaliação de desempenho, enquanto os estudantes do consultório alcançavam 98% de aprovação. O MEC passou a acompanhar nossas metodologias e os especialistas ficaram encantados com o sistema. Em 1987, o ministério reconheceu o modelo como “primeira instituição de inovação educativa da Colômbia”. A metodologia chegou inclusive a inspirar algumas diretrizes do ministério.
O que é preciso para que essas escolas, de fato, se tornem inovadoras?
Inovar nunca pode ser o resultado, mas aquilo que está disposto a realizar. Quem está do outro lado são crianças e qualquer processo imposto pode interferir diretamente na qualidade de vida delas. Inovar em educação é uma coisa séria. Normalmente as escolas adotam certos sistemas de ensino que simplesmente dão as respostas às crianças ou então criam modelos a partir de uma teoria X; que Piaget disse isso ou aquilo e, por isso, deve ser assim ou assado. É como na medicina, que não se pode brincar com a saúde dos pacientes. Na educação é a mesma coisa: não podemos brincar com o futuro das crianças. A inovação tem que partir da pesquisa e da prática, não de ideias fabulosas ditas por alguém, como costuma acontecer.
Como as crianças desenvolvem o autodidatismo?
As crianças estão sempre aprendendo, assim como nós, desde que nos levantamos até a hora que dormimos, desde que nascemos até o momento que morremos. Aprender quer dizer que a gente vai se armando, e cada vez mais vamos fazendo mapas mentais maiores. O problema é que todo mundo esquece o que passa no cérebro da criança. Acreditam que se não ensinarmos as crianças, elas não aprendem. Mas, na verdade, elas estão sempre aprendendo. Um exemplo que costumo dizer é imaginar o caso de um aluno que chega ao colégio e faz um teste para identificarmos o que ele conhece sobre história. Talvez ele conheça alguns presidentes, como surgiu o país, algo de Napoleão… Mas quando fazemos um diagnóstico do “pensamento de avaliação em história” nos damos conta de que ele não domina a temporalidade, ou seja, para ele, o que aconteceu há 50 anos é o mesmo que há 500. Ele não consegue distinguir o que foi antes ou depois. Não consegue perceber a causalidade da história, o que vai gerando o que. Isso mostra que o simulacro de aprender história numa aula acaba não fazendo sentido. E o mesmo acontece com quase todas as outras áreas. É a diferença em se pensar o ensino a partir de como uma criança aprende no lugar de começar do que se quer transmitir. É o que normalmente se passa em todos os países. Dizem que a educação é um direito e colocam na lei. No entanto, para isso, precisam de um currículo em que isso possa ser cumprido. A preocupação precisa ser com as crianças, não com o governo e com o currículo. É preciso se preocupar para que cada criança tenha qualidade de vida. Para que a educação seja trabalhada realmente para gerar oportunidades para todos, é preciso desenvolver as potencialidades e diferenças de cada estudante.
O que as escolas precisam para implantar um modelo como o Fontán?
Primeiro, é preciso que os professores percam o medo. Os educadores estão cômodos: vão dar aulas, terminam e voltam para casa. As crianças vão mal porque o problema é sempre delas. Elas precisam se adaptar ao currículo e, se não conseguem, têm problemas, precisam ser levadas ao psicólogo, a professores particulares. A realidade é que todos os alunos são diferentes. O problema não é deles. Um estudante com síndrome de down, por exemplo, se tiver o que precisa dentro de sua realidade, será uma criança feliz e produtiva na escola. Ele não tem um problema, mas uma diferença. O problema somos nós quem criamos, nós que não damos o que ela precisa.
Como deve ser então um modelo de ensino ideal para potencializar as habilidades de cada estudante?
Uma das tragédias da educação é que o desenvolvimento intelectual funciona muito mal. Os educadores querem simplesmente ensinar um conteúdo e fazer com que os alunos, impostamente, o aprendam. Não importa quem seja a criança, o que gosta ela quer ser, o que está passando. O sistema educativo já impõe as metas, quando é preciso que cada criança construa a sua. O ideal é fazer com que professor e aluno possam planejar, construindo minuto a minuto, o que tem que fazer. Muitas vezes, os alunos não têm senso de realidade e são excluídos da tomada de decisão sobre seu processo educativo; simplesmente fazem coisas prontas. Isso acaba não gerando um sentido de responsabilidade. A posição que o sistema impõe às crianças é sumariamente aversiva. Não permite que eles desenvolvam o que têm de desenvolver para poder encarar o mundo.
Como você avalia o papel da tecnologia no processo de aprendizado dos estudantes?
A questão mais importante não é como a tecnologia transforma a pedagogia, mas como a pedagogia usa tecnologia como ferramenta. Temos à nossa disposição muitas informações oriundas da internet e precisamos usá-las para não perdê-las. No caso do nosso modelo, que usa uma metodologia chamada Serf (Sistema Educativo Relacional Fontán), centrada na realidade de cada estudante e em que cada um deles tem um projeto educativo pessoal, a tecnologia é indispensável para que eles possam montar e trabalhar seus currículos.