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Existe espaço para a criatividade no isolamento social?

Ser criativo depende de incentivos para que a habilidade seja desenvolvida desde cedo, afirmam especialistas. A vivência do ócio e tédio durante quarentena podem ajudar no processo

Parceria com LIV

por Maria Victória Oliveira ilustração relógio 15 de maio de 2020

Mesmo com adultos trabalhando de casa e crianças e jovens estudando por meio de videoaulas e transmissões online, têm se multiplicado nas redes sociais memes falando que o mundo, em função do isolamento social, vive um “eterno domingo”. Entre opções de filmes para assistir na TV ou alguma tarefa doméstica, que tal se em vez de apenas matar o tédio fosse possível que essa janela de ócio permita a manifestação de uma das principais características do ser humano: a criatividade.

Isso porque, segundo muitos especialistas, a criatividade e o ócio estão diretamente ligados. Mas antes de mais nada, o que é ser criativo? Engana-se quem pensa que se trata de uma exclusividade de poucos sortudos no mundo. Maíra Santos Maia, psicóloga e assessora pedagógica do LIV (Laboratório Inteligência de Vida), explica que, mais do que criar e inovar, a criatividade é a habilidade de costurar diferentes conhecimentos e linkar informações aparentemente desconectadas, que surgem aos milhões a cada milésimo de segundo no acelerado mundo atual.

A especialista afirma que é por meio da criatividade que são encontradas formas diferentes e rápidas para atender as demandas. Ao se deparar com uma invenção de sucesso ou uma grande ideia, é comum pensar ‘Por que não imaginei isso antes?’. É possível que a pessoa responsável por determinada solução tenha sido estimulada desde cedo a desenvolver essa habilidade. “Ser criativo não é uma sentença que recebemos ao nascer. Com o passar do tempo, vamos aprimorando, se aproximando, criando intimidade com essa habilidade. Por isso, quanto mais cedo estimulamos nossa criatividade, mais tempo temos para construir uma relação sólida com ela”, afirma Maíra.

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Como estimular a criatividade? 

Não há uma única resposta ou caminho para estimular a criatividade entre crianças. Para Maíra, se a criatividade se trata da habilidade de usar nossas ferramentas para levantar possibilidades às questões existentes, uma boa estratégia é aumentar o número de ferramentas. “Possibilite espaços para essa criança conhecer, experimentar e dialogar com contextos, histórias, pessoas, lugares e posições diferentes. Valorize e apresente diversas fontes e saberes.”

Esse foi o caso de Murilo Gun, palestrante, professor de criatividade e fundador da Keep Learning School. O empreendedor conta que, quando sua filha tinha dois anos, comprou um quebra-cabeças para a menina, que desenvolveu uma paixão pelo passatempo. Hoje, aos quatro, não demonstra muito interesse pelas aulas a distância que sua escola está propondo, o que despertou a atenção do pai. “Comecei a pensar em transformar o tempo em casa em experiências de aprendizagem e, com isso, fiquei pensando em como poderia melhorar a atividade com os quebra-cabeças.”

Murilo aproveitou a convivência diária e pequenas dicas de sua filha para criar novas experiências. Quando a menina demonstrou interesse pelo corpo humano, ganhou um quebra-cabeça sobre o tema. “Ela tinha um quebra-cabeças muito simples sobre o mapa do Brasil. Comprei outro um pouco mais complicado e estamos aprendendo sobre geografia. Um dia desses, olhei o céu e inventei um diálogo entre a lua e Vênus. No final da história, ela pediu para eu contar de novo. Então eu consegui despertar a curiosidade dela.”

O papel dos adultos de permitir 

Murilo explica que sua vivência com sua filha seguiu um caminho de observação e se fazer presente para notar seus interesses e curiosidades e alimentá-los, sugerindo atividades e novas propostas. O empreendedor também reforça a importância de os pais serem mais permissivos, no sentido de colocar na balança se vale estimular a criatividade dos filhos ou seguir padrões de comportamento.

“Se a criança gosta de pintar, deixe que ela cole os desenhos na parede com fita crepe e faça seu mural. E se quiser pintar a parede mesmo, será que não dá mesmo para liberar um cantinho? Como tudo na vida, vamos analisar o custo benefício de permitir que a criança que quer se manifestar fisicamente possa pintar e o custo de passar uma tinta branca num cantinho de parede”, exemplifica.

É por considerar a interferência dos comportamentos dos pais e responsáveis nas crianças que o empreendedor reforça que, muitas vezes, são os próprios adultos que impõem um bloqueio criativo aos filhos. “Para criar filhos criativos, você precisa limpar sua mente, silenciar e resgatar o natural. A melhor forma de ter crianças criativas é ser criativo. Se seu filho não gosta de mexer de massinha, faça o experimento de você, adulto, começar a brincar de massinha do lado dele. E aí misture massinha com lego e entenda que não há problema se a peça ficar suja.”

Para alguém que teve a criatividade bloqueada durante toda a vida, é muito difícil o movimento de vencer antigos padrões, explica o empreendedor. Por isso, é importante investir no autoconhecimento.

Maíra também afirma a importância e necessidade de deixar as crianças criar. “Nós, adultos, muitas vezes, seja por falta de tempo ou até mesmo pela ânsia de fazer melhor, minamos as chances das crianças experimentarem livremente. Deixá-las pensar em alternativas, inventar o seu próprio jeito de fazer e resolver os desafios é também uma maneira de estimular a criatividade.”

Criatividade no isolamento social 

Para Murilo, a criatividade é a imaginação aplicada para resolver um problema. Por isso, nada mais justo que começar ou continuar investindo no desenvolvimento dessa habilidade mesmo em meio ao contexto de isolamento social, que apresenta diversos desafios para crianças, jovens e adultos.

Maíra reforça que trata-se de olhar pelo viés do encantamento que a criatividade pode trazer, e não pela monotonia de ficar em casa. “O ócio é um lugar de encontro com o desconhecido e um reencontro com o conhecido. Trazê-lo para nossa rotina em casa é permitir descobrir novos detalhes e recursos. Pode parecer engraçado questionar se você conhece todos os cantos e objetos de sua casa, mas é comum nos surpreendemos com o que descobrimos e guardamos em casa e em nós mesmos.”

Outro ponto relevante é entender que existem benefícios em vivenciar momentos de tédio, que também podem estimular a criatividade. “Quando nenhuma atividade interessa, quando nenhuma comida agrada, quando o que se tem não é o que se quer, somos provocados a inventar e a desejar o novo. E, no meio das nossas tentativas de vencer nosso próprio tédio, nos permitimos descobrir e usar novas ferramentas. Por isso, não tente sempre findar o tédio das crianças, permita que elas mesmas encontrem prazer na procura”, defende Maíra. Para a especialista, mais do que um desafio, ser criativo nesse momento é uma oportunidade de transformação, além de saber usar o que se tem e adaptar o que se sabe, possibilitando novos caminhos.

Como começar? 

Para quem não tem ideia de como começar a promover aprendizagens e brincadeiras criativas no contexto da quarentena, a RBAC (Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa) criou o Aprendizagem Criativa em Casa, um portal sobre a importância de promover, para diferentes idades, vivências que usam a aprendizagem criativa, uma abordagem pedagógica que visa uma educação mais criativa, mão na massa, relevante e lúdica.

No site, é possível explorar dicas de atividades para crianças a partir de três, cinco ou oito anos. Fazer um teatro de sombras, criar placas sobre sentimentos, criar um museu com momentos marcantes da vida criança, criar uma cápsula do tempo com mensagens para seu eu do futuro e usar objetos comuns como instrumentos musicais são apenas algumas das possibilidades.

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coronavírus, educação infantil, ensino fundamental, ensino médio, socioemocionais

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