Alunos de ensino médio na Bahia viram repórteres e fotógrafos de seus territórios
Desenvolvido pelo Instituto Anísio Teixeira, projeto Agência de Notícias na Escola alcança 46 municípios e incentiva o protagonismo juvenil
por Ruam Oliveira 24 de maio de 2024
Jovens estudantes do ensino médio, com câmeras e celulares nas mãos, observam com curiosidade o que está acontecendo ao seu redor. De 46 municípios diferentes da Bahia, cerca de 100 alunos vieram à capital do estado representar as agências de notícias de suas escolas.
Repórteres, editores de vídeo, fotógrafos. Esses são os títulos que carregam os alunos que participaram do Segundo Encontro de Agências de Notícias nas Escolas, promovido pelo IAT (Instituto Anísio Teixeira). A ação fortalece as atividades que cada grupo de comunicação realiza em diferentes territórios.
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“Participo há pouco tempo, mas [a iniciativa] me tomou de uma forma maravilhosa. Assim que deram a notícia, eu me dispus a participar, contribuindo com o roteiro ou editando vídeos”, conta Kaylane Rocha, do Colégio Estadual de Tempo Integral Carlos Roberto Arleo Barbosa, em Ilhéus (BA). Estudante do terceiro ano do ensino médio, já adianta que vai sentir saudades de participar de um projeto como esse.
Entre as habilidades que reconhece ter desenvolvido, a capacidade de pesquisar está entre as principais. “Nós tínhamos uma determinada concepção de mundo, mas trabalhando na agência, onde temos que pesquisar para entender as coisas, a gente vê que o mundo não é da mesma forma”, conta. “E ainda temos muito o que descobrir”, acrescenta.
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A investigação está no cerne do trabalho das agências, que geralmente realizam coberturas de eventos, e se dedicam a contar histórias de seus territórios. “A gente tem que sair da nossa zona de conforto”, reforça Kaylane, que se considera uma estudante multitarefa: além de apresentar os vídeos, também os grava, edita e auxilia na postagem das redes sociais.
Celma França Andrade, professora que acompanha Kaylane na jornada formativa e é responsável pela agência de notícias do colégio, conta que uma das principais missões ao se envolver com esse projeto é fazer os estudantes reconhecerem o próprio protagonismo. Ao integrar agências de notícias, os alunos devem elaborar pautas, criar roteiros e cuidar de todas as etapas de produção de uma cobertura jornalística. Isso tudo com a supervisão dos professores.
“Durante o processo de construção da aprendizagem, eles também devem entender que precisam ter autonomia. Começa com uma produção simples, mas a partir daí eles devem ver que são responsáveis por todo o movimento”, explica Celma.
O acesso a outros conhecimentos também é uma proposta que se vale da educação midiática, ela argumenta. A professora afirma que conhecer a diversidade de ideias e de histórias, por exemplo, é um elemento benéfico para a formação da turma e vê essa possibilidade com estes projetos.
No caso da agência de notícias que acompanha, Celma pontua que a gestão tenta interferir o mínimo possível em tudo o que os estudantes produzem. Mantendo o papel de supervisão, eles querem que os estudantes desenvolvam também a criatividade e a habilidade de tomar decisões, entre outras competências inerentes ao fazer jornalístico e também previstas pela BNCC (Base Nacional Comum Curricular).
O programa
O IAT lançou um edital em 2023 convidando escolas interessadas em criar suas agências de notícias. Dessa convocatória, 50 colégios em 46 municípios e 26 territórios receberam aporte para a compra de equipamentos como câmeras, microfones e celulares, para a fundação das agências.
O plano agora é expandir o número de agências para 81, com a adição de mais 31 colégios que também receberão aporte financeiro para dar início às atividades.
Além da verba, o IAT também prevê sessões formativas tanto com alunos, quanto com professores, para que obtenham conhecimentos sobre aspectos técnicos da cobertura jornalística e, assim, possam dar seguimento aos trabalhos.
“As agências possibilitam que a escola amplie seus espaços de participação. Organicamente, vai ganhando ambiência de mais diálogo e de uma relação mais estreita entre alunos e equipe gestora e também entre os próprios estudantes”, comenta Carla Aragão, diretora de Inovação e Tecnologia no IAT.
Mais do que um movimento de demanda de professores para os alunos, Carla acredita que as agências também influenciam em como as escolas se organizam. “Esses estudantes acabam provocando que a escola pense em determinados temas, que cuide da sua imagem e que amplie seu repertório com a comunidade do entorno”, afirma.
Os alunos, para a diretora do IAT, também passam a ser referência para seus colegas, o que influencia diretamente na forma como eles vivenciam o ambiente escolar.
Presente e futuro
O trabalho de comunicação na escola favorece que estudantes se aproximem de temáticas distintas das encontradas nos currículos regulares. Leandro Lopes, que dá aulas no Colégio Estadual Arnaldo de Oliveira, no município de Caém (BA) – que fica há 343 quilômetros de Salvador – acredita que esse é um outro tipo de ganho para os estudantes, muitos deles sem perspectivas em relação ao que podem estudar quando terminarem a educação básica.
“Acho que amplia as perspectivas futuras deles, principalmente ao pensar em como tratar de temas de maneira transversal e nesses conteúdos alinhados ao cotidiano deles, a partir do conteúdo jornalístico”, destaca.
Vindos de uma cidade com aproximadamente 10 mil habitantes, o contato com outros elementos culturais e a própria diversidade das turmas que participaram dos três dias de encontro também acaba sendo bastante significativo para os estudantes. Não apenas os que vieram de Caém, mas a maioria dos participantes nunca tinha estado em Salvador.
“Só de estar na capital já muda muito a mentalidade deles. Na nossa cidade, o nível de acesso a lazer e cultura é limitado, então estar nessa cidade e ver outra realidade, encontrar na paisagem o que discutimos em aula, e isso transforma muito”, afirma Leandro.
O encontro das agências contou com um passeio pelos principais museus e pontos turísticos de Salvador, como o Pelourinho, o Mercado Modelo, o MAM (Museu de Arte Moderna da Bahia), o MAC (Museu de Arte Contemporânea) e o Solar do Ferrão. Deste roteiro, cada agência voltou com uma missão de produzir um vídeo a respeito do que viram ou descobriram.
Carla Aragão ressalta que a participação nas agências contribui para o desenvolvimento de competências previstas na BNCC (Base Nacional Comum Curricular), como, por exemplo, a número 5, que está relacionada à Cultura Digital. “A gente também acaba promovendo uma discussão sobre a leitura crítica dos meios de comunicação, como distinguir o que é fato ou fake, como desenvolver senso crítico diante da notícia e fazê-los compreender que estamos inseridos em um contexto em que os algoritmos operam”, reflete.
Mais do que possibilitar que os estudantes produzam conteúdo, a proposta de Carla é que os educadores consigam trabalhar a questão ética das produções jornalísticas e que consigam usar de maneira correta as tecnologias existentes.
Pensando além
A estudante Graziely Duarte, do 3º ano do ensino médio do Colégio Estadual de Aplicação Anísio Teixeira, de Salvador (BA), relembra que nos primeiros meses de agência já recebeu como missão entrevistar o governador do estado. “Fiquei muito nervosa! Como assim entrevistar o governador?”, conta, surpresa.
Prestes a seguir com os estudos fora da educação básica, Graziely vê que a agência também a fez descobrir áreas de interesse profissional e de graduação. Jornalismo e fotografia estão entre os cursos que ela vai tentar no ano que vem.
Para além do que realizou na agência de notícias de sua escola, Graziely também identifica outras competências que conseguiu desenvolver ao longo desse período. “Sendo sincera, eu não sabia trabalhar em equipe. Quando eu não fazia trabalho com minha melhor amiga, não fazia com mais ninguém. A agência me permitiu saber trabalhar com outras pessoas, conseguir solucionar problemas e inclusive liderar”, comenta.
Por estar no último ano do ensino médio, ela “subiu de cargo” e hoje ajuda na coordenação da agência de sua escola. “Por eu ter feito outros cursos e estar há mais tempo, eu posso ajudar as pessoas, posso direcionar e ensinar um pouco”, diz.
Formação e preparação
Uma demanda dos professores que ficam responsáveis pelas agências é que eles recebam mais formação na área. Em um momento do encontro reservado para eles, essa temática circulou diversas vezes.
A equipe de coordenação do IAT prevê encontros online de formação e acompanhamento contínuo das agências e uma reunião presencial, somente para professores.
“Nós começamos pelo fim. Por mais que os alunos conheçam a tecnologia, muitos de nós professores não conhecem. Para ter um conhecimento prévio é necessária uma formação sobre tudo o que vamos desenvolver nas agências”, reflete o professor José Raimundo Rocha Nascimento, do Colégio Estadual da Cachoeira, que fica em Cachoeira (BA).
Além dos encontros a distância, José Raimundo acredita que a parceria com universidades que tenham cursos de comunicação pode ser um facilitador e estimular esse trabalho em conjunto pode ser uma solução para o caso da formação.
Celma também argumenta que, apesar de não ter formação, os educadores acabam se engajando e correndo atrás destes conhecimentos por si próprios a fim de melhorar a experiência dos estudantes.
Lições (jornalísticas) de casa
Quando retornarem aos seus municípios, os estudantes terão missões a cumprir relacionadas aos conteúdos vistos durante o encontro. Além do passeio por pontos turísticos, as turmas também tiveram oficinas sobre escrita jornalística, produção audiovisual, edição e captação de áudio, contação de histórias e uma conversa sobre desinformação e fake news, da qual o Porvir também participou, apresentando o guia multimídia “Escola Livre de Ódio”.
Desta palestra, os estudantes saíram com o desafio de produzir um conteúdo jornalístico que dialogue com seus territórios e que traga como temática a desinformação e as fake news. As três melhores produções serão publicadas aqui no Portal.
Além disso, o IAT distribuiu card games contendo sugestões de pautas envolvendo temáticas como mudanças climáticas, Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), as histórias de fundação da escola e mais. A proposta é que os estudantes utilizem esse material como base para futuras reportagens. Inclusive, o material é gratuito e pode ser utilizado por outras redes educacionais.
* O repórter viajou a convite do Instituto Anísio Teixeira