Aprendizagem móvel deve focar autonomia do professor
Estudo da Universidade de Columbia defende que docentes sejam ensinados a cruzar recursos tecnológicos com conteúdos
por João Carlos Magalhães 13 de agosto de 2015
A aprendizagem por meio de dispositivos móveis no sistema de ensino público brasileiro é ainda incipiente, e precisará de mais planejamento e monitoramento para superar o atual foco em acesso a máquinas e aprofundar seu impacto real nos alunos. Essa é a principal conclusão de um estudo da Universidade de Columbia (EUA), com apoio da Qualcomm, empresa de tecnologias sem fio.
– Leia o Estudo Aprendizagem Móvel no Brasil na íntegra
A pesquisa qualitativa é resultado da análise de 93 entrevistas com gestores do setor público, empresas e ONGs, 11 grupos focais com professores e visitas a 24 escolas de zonas urbanas das cinco regiões do país. Ela foi apresentada na última quarta-feira (12) durante evento em Brasília.
Realizado por Fernanda Rosa e Gustavo Azenha, o trabalho usa uma visão multidimensional das relações entre tecnologias e ensino para traçar um panorama atual e mensurar a “distância que estamos de onde queremos chegar”, como disse Rosa.
Em linha com outros trabalhos acadêmicos produzidos na última década, eles adotam, em vez de apenas o acesso à tecnologia, quatro dimensões de análise: infraestrutura, conteúdo usado por meio da tecnologia, formação de professores e gestão das políticas públicas. Qualquer diagnóstico realista depende da compreensão dessas variáveis, afirmam.
Os problemas da “aprendizagem móvel” no país estão ligados ao fato de que o uso de tecnologias de informação e comunicação (TIC), que incluem dispositivos fixos, também engatinham. Numa escala de desenvolvimento com quatro estágios (“emergência”, “aplicação”, “integração” e “transformação”), todas as dimensões ainda estão no primeiro degrau em relação às TICs, concluiu o estudo.
Só as ações de conteúdo que estão num momento de transição, em direção ao estágio de “aplicação”.
Sem planos
Um problema central encontrado por Rosa e Azenha é a falta, ou descontinuidade, de planos estratégicos para a adoção das tecnologias nas escolas. Das 12 secretarias de Educação analisadas, apenas quatro tinham algum documento norteando essa adoção.
Em relação aos uso de dispositivos móveis, o recente plano do governo federal de adquirir tablets (a compra foi licitada em 2012) “cumpre possíveis indicadores de eficácia […], mas não subsidia avanços para que governos estaduais e municipais alcancem a efetividade de suas ações e políticas de aprendizagem móvel.”
Sem um planejamento que leve em conta todas as dimensões da relação entre tecnologia e ensino, “a chegada de equipamentos móveis numa rede tem poucas chances de alterar suas características” e nem “pode levar a expectativas de resultados no aprendizado dos alunos”, servindo mais como um agrado aos professores e alunos, afirma o estudo.
Outro problema apontado pelos pesquisadores é que, quando os planejamentos existem, eles tendem a ser capitaneados pelos setores de TI das escolas, e dissociados de planos pedagógicos.
Observar o menos visível
O estudo pondera também que é preciso pensar não apenas no acesso aos equipamentos, mas nas dimensões menos visíveis da infraestrutura que será usada por esses equipamentos.
Apesar de, segundo o Ministério da Educação, cerca de 86% das escolas terem algum tipo de aparelho conectado à Internet, os pesquisadores ouviram e testemunharam problemas no acesso à energia elétrica, conectividade instável ou muito lenta e dificuldades dos gestores em proverem a manutenção das máquinas.
Uma dificuldade adicional é que os gestores da área de educação têm poucos recursos para melhorar esses fatores, que envolvem outros atores e dinâmicas.
Criar ou comprar conteúdo?
A partir das entrevistas, o estudo identificou duas grandes tendências em relação ao conteúdo utilizado por essas máquinas: a compra e a criação local de conteúdo.
A primeira prática costuma ser adotada por secretarias de educação que estão começando a pensar a aprendizagem móvel; a segunda, por aquelas mais avançadas nesse uso.
A maior parte dos locais pesquisados produz conteúdo, mas não guia seu uso. Isso pode ser um problema. Outros estudos indicam que a aprendizagem móvel tende a ser mais efetiva quando o uso é guiado.
Educando professores
Uma parte essencial para melhorar a aprendizagem móvel é a formação dos professores — ou trabalhar a dimensão de “recursos humanos”, como nomeiam os autores.
Para eles, “o foco na autonomia do professor frente às tecnologias é o caminho mais efetivo para consolidar a apropriação das TIC no universo escolar”. “É necessário facilitar o processo para o professor, tornar prático o uso das tecnologias, e definir bem o que se quer dele”.
Em geral, as secretarias usam duas abordagens de treinamento: uma com foco na ferramenta em si, e outra focada na “identificação” das ferramentas digitais disponíveis para facilitar o aprendizado.
Um senão do atual formato, afirmam, é que esses cursos são dados como uma disciplina à parte. Com isso, dizem, perde-se a “simultaneidade entre tecnologias digitais e as linguagens tradicionais”. Eles propõem que “os responsáveis pela formação de professores cruzem os recursos tecnológicos disponíveis com os conteúdos curriculares requeridos do professor e utilizem uma abordagem prática”.
“Reforma efetiva”
Para uma “reforma efetiva” do quadro, dizem, é necessário que os gestores adotem três passos básicos: conhecer (condições de infraestrutura, conteúdo e perfil dos atores), planejar (desenvolver uma visão estratégica) e, por fim, implementar o plano estruturado no que foi aferido inicialmente. Além disso, “o monitoramento e avaliação”, hoje quase inexistentes, serão essenciais.
Comparações
Mas, dentre os Estados analisados, qual é o em melhor situação? E como a situação brasileira se compara com a de outros países?
Segundo Azenha, um dos autores, afirmou ao Porvir, a metodologia e o escopo do trabalho não permitem generalizações. Mas resultados pontuais contradizem ideias pré-concebidas sobre as diferenças regionais no país. “Visitamos escolas no Amazonas melhores que outras de São Paulo”, disse.
Para ele, apesar do estado atual das coisas, “não dá pra ser pessimista sobre o futuro”. “A conectividade está aumentando muito no Brasil, especialmente nas classes mais pobres.”
5 BOAS PRÁTICAS IDENTIFICADAS PELO ESTUDO NO BRASIL
Comitês de governança
O que é: um grupo misto de gestores de diferentes áreas para discutir as questões relacionadas ao uso de tecnologias no ensino
Quem faz: Secretaria Estadual de São Paulo
Canais de TV e vídeo
O que é: são canais, normalmente no YouTube, criados por gestores, para veicular o conteúdo direcionados a alunos e professores
Quem faz: MEC e secretarias estaduais Bahia e Paraná
https://www.you
Robótica
O que é: criação de cursos de robótica para explorar o uso e a criação de tecnologias, normalmente com o uso de kits de empresas privadas adquiridas pelas secretarias.
Quem faz: cidades de Curitiba e Manaus, Estado de São Paulo
Ensino médio mediado por tecnologia
O que é: uso de vídeo aulas, transmitidas ao vivo pela Internet, para alunos do ensino médio, com possibilidade de interação remota. O foco são locais com poucas escolas e poucos professores
Quem faz: Estados do Amazonas, Bahia e outros do Norte e Nordeste
http://www.port
Hora Atividade interativa
O que é: sessões de bate-papo online entre professores, durante o período de hora atividade dos professores, para troca de experiências sobre assuntos pre-estabelecidos.
Quem faz: Secretaria Estadual do Paraná
http://www.educ