Aprendizagem preocupa, mas professores veem próximo ano de forma positiva
Apesar de preocupados com o desenvolvimento dos alunos, pesquisa do Instituto Península aponta professores motivados para o ano letivo de 2021
por Beatriz Cavallin 17 de dezembro de 2020
Apesar do ano atípico, os professores conseguiram se adaptar à nova realidade do ensino remoto e passaram a valorizar ainda mais a importância da tecnologia na educação. Neste final de 2020, o Instituto Península divulgou a quarta etapa da pesquisa “Sentimentos e Percepção dos Professores Brasileiros nos Diferentes Estágios do Coronavírus no Brasil”.
Os dados mostram que a preocupação dos professores em relação ao cenário da educação no próximo ano recai sobre dois pontos principais: 60% dos respondentes dizem que os alunos não estão evoluindo no aprendizado e 91% acham que haverá um aumento da desigualdade educacional entre os alunos mais pobres.
Rita Vasconcelos, coordenadora do Espaço Educativo Edmar Lima do Monte, escola da rede municipal de ensino de Castelo do Piauí e docente de língua portuguesa na Unidade Escolar João Alves de Macedo Filho, da rede estadual de ensino, afirma que durante o ano os professores conseguiram se adaptar ao modelo de ensino remoto e, dentro dessa realidade, já entendem melhor como lidar com aulas online, mas se preocupa com os próximos anos e, principalmente, com a falta de acesso à internet.
“A nossa dificuldade, o nosso desafio nessa questão continuará. Nesse momento em que se constata que tanto alunos quanto professores não estão inseridos no mundo digital, seja pela falta de ferramentas tecnológicas ou pela falta de orientação para o uso de ferramentas. Eu acredito que os prejuízos na aprendizagem serão imensos, pois não se fez muito para ofertar esse ensino com o auxílio de tecnologia”, comenta a professora.
Rita também se mostra preocupada com o desenvolvimento dos estudantes. “Muitos dos nossos alunos só estudam na escola porque não têm auxílio em casa e muitos entregam atividade em branco porque não têm quem os ajude”. A preocupação é recorrente, dos 62% dos professores respondentes que realizaram atividades avaliativas no período, apenas 26% avaliam que os alunos aprenderam o que era esperado para o ano letivo.
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Para Lia Glaz, diretora de pesquisa e políticas públicas do Instituto Península, os dados mostram que apesar de todo o esforço por parte das escolas, redes de ensino e educadores, o que era esperado para esse ano letivo não se concretizou. Neste sentido, a comunidade escolar chega em 2021 com um grande desafio em mãos: em um primeiro momento, será necessário medir essa defasagem e, em seguida, desenhar iniciativas que olhem para os alunos de forma individualizada.
Apesar de reconhecerem que quanto mais tempo os alunos passam fora da escola em uma dinâmica presencial, maior é a desigualdade entre os mais pobres e aqueles que têm condições adequadas para ter um ensino híbrido de qualidade, grande parte dos professores (65%) ainda não se sentem seguros em retornar para a sala de aula. “A gente lida aqui com uma dicotomia mesmo, de o professor também olhar para sua autopreservação nesse momento de retorno presencial porque eles têm medo da contaminação, embora reconheçam que, principalmente nas áreas mais vulneráveis, o retorno presencial é muito importante”, diz Lia, e reforça que a saída dessa encruzilhada é assumir que precisamos ter planos de retomada com protocolos muito consistentes, não só nos documentos, mas também na prática, que passe segurança para toda a comunidade escolar.
José Souza dos Santos, professor de língua portuguesa do ensino fundamental 2 da Escola Municipal Maria Dias Trindade, localizada em Paripiranga, na Bahia, também demonstra certa preocupação quando o assunto é tecnologia. “É muito cansativo, os professores foram obrigados a se adaptar ao momento, mas muitos ainda não se sentem seguros com a modalidade, principalmente quando falamos sobre o Nordeste, onde sabemos que a desigualdade é mais acentuada. As possibilidades de avanço às vezes são nocauteadas por essa realidade”.
Reflexões sobre o futuro
Apesar disso, José concorda com os respondentes da pesquisa (44%) que enxergam o futuro da educação com um modelo híbrido de ensino, com aulas presenciais e online. O professor acredita que já estávamos caminhando para esse modelo, e sente que a esta altura os professores se sentem mais aptos e entendem a tecnologia como uma aliada. Lia reforça essa visão, e comenta que a discussão sobre ensino híbrido foi um dos grandes pensamentos deixados pela pesquisa. “Foi se concretizando ao longo da pandemia a ideia de que o modelo híbrido não era algo para responder apenas à emergência, mas algo que veio como um legado com a pandemia”.
Mas ao falar sobre ensino híbrido, também é preciso levar em consideração a desigualdade. Dados do Project Connect, iniciativa que tem como objetivo mapear todas as escolas do mundo, fornecendo dados sobre a conectividade em tempo real, mostram que uma minoria das escolas brasileiras possui mais de 3 Mbps de velocidade de conexão, o que impede o uso enriquecido da tecnologia para fins pedagógicos. “A gente tem no país questões bastante estruturantes que precisam ser resolvidas, como prover internet para todos, não só dentro da escola – que já é um desafio enorme, mas também dentro de casa a própria infraestrutura para que isso aconteça, assumindo que estamos falando aqui de um modelo híbrido que passa pelo uso de tecnologias dentro da escola e fora delas”, afirma Lia.
Apesar das questões levantadas, a pesquisa do Instituto Península mostra ainda que 61% dos professores se sentem motivados para 2021. “O que esse momento tem nos ensinado é que o professor é um sujeito resiliente”, comenta José, que se sente confiante para o próximo ano letivo, “Acredito que a educação vai ter uma melhora justamente porque muitas falhas foram pontuadas em 2020. Precisamos de melhorias tanto em esferas práticas, como a questão da tecnologia, quanto em esferas emocionais. Percebemos que é preciso cuidar do professor porque é ele quem cuida do aluno”.
Quando questionada sobre o próximo ano letivo, a professora Rita reforça a necessidade do professor se colocar no papel de aprendiz “o momento que estamos vivendo traz o tempo todo esse convite para reaprender a própria profissão”. Apesar de não saber muito bem o que esperar do próximo ano, tendo em vista que sente falta de um diálogo direto nesse sentido, a professora se vê ansiosa em voltar para a sala de aula:“Tenho necessidade de sentir a escola viva e esperançosa novamente”. Assim como 74% dos respondentes da pesquisa, o que Rita mais sente falta é do contato com os alunos em sala de aula.
Principais recados da pesquisa
De acordo com Lia, as diferentes etapas da pesquisa levantam três discussões principais. A primeira delas diz respeito ao uso da tecnologia em sala de aula, hoje os professores veem a tecnologia como um aliado e não como um inimigo, para a diretora esse foi um legado importante deixado pela pandemia.
A saúde mental de toda a comunidade escolar também foi uma das grandes discussões deixadas pela pesquisa. “Durante a pandemia, percebemos que olhar para os indivíduos de forma integral é algo que a gente precisa fazer quando estiver falando de educação”.
Por último, mas não menos importante, a valorização do professor como profissional imprescindível ganhou destaque. “Nas etapas anteriores os professores traziam esses dados de que eles acreditavam que a sociedade valorizava mais o seu ofício e isso é algo que a gente tem tentado reforçar nessa pesquisa, para que a gente possa também pensar nessa figura do professor não como um herói, um sacerdote, alguém que está ali cumprindo uma missão, mas sim como um profissional que precisa ser formado adequadamente, ter as condições de trabalho adequadas, precisa ter uma carreira estruturada”.