Autoavaliação mostra que ainda há muito espaço para professor avançar em tecnologia
Aulas remotas aproximaram docente da tecnologia e especialistas dizem que dar o próximo passo depende de maior conscientização, formação específica e acesso a equipamentos
por Maria Victória Oliveira 19 de fevereiro de 2021
Um assunto muito abordado durante a pandemia de Covid-19 no âmbito da educação foi a formação dos professores. Inúmeras pesquisas mostraram insegurança por parte dos docentes em dar aulas online. Segundo o estudo do Instituto Península, lançado em diferentes momentos da pandemia em 2020, 83,4% dos professores não se sentiam preparados para o ensino remoto com seis semanas de isolamento.
Esses dados reforçam que a adaptação da escola para o mundo online não foi intuitiva e demandou muita paciência, insistência e apoios de diversas naturezas aos docentes, desde técnico com a busca de cursos de informática, até psicológico e emocional para lidar com as novas demandas. Nesse sentido, uma das ferramentas que podem ajudar secretarias de educação a entender em qual nível de compreensão e uso da tecnologia estão seus professores é a Autoavaliação de Competências Digitais de Professores.
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Criada pelo CIEB (Centro de Inovação para a Educação Brasileira), a ferramenta consiste em um teste, online e gratuito, composto por perguntas de múltipla escolha que abordam 12 competências digitais divididas em três eixos: pedagógico, cidadania digital e desenvolvimento profissional. Cada competência é mensurada em uma escala de 1 a 5: exposição, familiarização, adaptação, integração e transformação.
Desde que foi lançado, em 2018, mais de 64 mil professores já responderam ao teste. Para Lúcia Dellagnelo, diretora-presidente do CIEB, uma das possibilidades que explicam o aumento de novos cadastros na plataforma no ano passado – na casa de 40% – foi justamente a vivência das professores no mundo online.
Desenvolvimento estadual e municipal
Apesar de ser aberta a qualquer professor que queira realizar o teste, a grande maioria dos respondentes atua nas redes municipal, com 26 mil respondentes, e estadual, com cerca de 37 mil.
Lúcia comenta que, na esfera municipal, a maior parte dos professores se encontra no nível dois das competências digitais, isto é, a familiarização. “Isso indica que as tecnologias digitais são usadas apenas de maneira pontual, sem integração com o currículo. Outro dado importante é que, nesse nível, as tecnologias são entendidas como ferramentas de apoio às atividades de ensino. Ou seja, são utilizadas apenas para buscar recursos e informações durante a preparação das aulas.”
Já os docentes que atuam na rede estadual dividem-se entre os níveis familiarização e adaptação. O terceiro nível indica que as tecnologias são usadas periodicamente e entendidas como recursos complementares para a melhoria dos processos de ensino e aprendizagem.
Independente do caso, Lúcia pontua que ainda há um longo caminho a ser percorrido para que professores possam desenvolver as competências necessárias para que o trabalho com ferramentas tecnológicas de fato ajude na transformação educacional. “O uso das tecnologias deve estar integrado ao planejamento pedagógico e ao currículo. Esta é uma das condições-chave para que as tecnologias digitais tenham impacto na qualidade da educação”, afirma a diretora.
O papel das secretarias
Se virar a chave para o ensino remoto não foi fácil, o cenário que combina aulas presenciais e online, com estratégias personalizadas e tempos diferentes também vai exigir novas habilidades de professores. E o planejamento feito dentro das secretarias para formação continuada precisa levar isso em consideração para que alunos não sejam deixados para trás.
“O relatório também pode ser gerado por etapa de ensino e escolas. Com esses dados, as redes poderiam, inclusive, segmentar os docentes em diferentes níveis, propor formações direcionadas e até incentivar a aprendizagem entre pares nas escolas, incentivando aqueles em níveis mais avançados a contribuir com quem ainda está no início da trajetória”, aponta.
O impacto da pandemia
Foi justamente isso que aconteceu no Ceará. Jacqueline Moraes, professora da rede estadual de ensino e assessora técnico-pedagógica na Coordenadora de Formação Docente e Educação à Distância, explica que a chegada da pandemia fez com que a coordenadoria se mobilizasse para entender as melhores maneiras de apoiar seus professores. Foi nesse processo que conheceram a ferramenta do CIEB que, inclusive, validou um curso que estava sendo desenhado para os professores da rede.
“Estávamos pensando em ofertar um curso que não fosse somente técnico, sobre uso de ferramentas, mas que também discutisse outras questões como o uso consciente e criativo da tecnologia e a reflexão sobre a práxis. A ferramenta do CIEB nos ajudou muito e se tornou a primeira etapa do curso. Nossa ideia é que os professores pudessem refletir, junto com os tutores que acompanharam a formação, sobre em que ponto do desenvolvimento se encontram”, explica Jacqueline.
Se na primeira edição da formação todos foram incentivados a participar, a professora explica que, agora, em uma segunda rodada, os níveis serão itinerários independentes, o que facilita para aqueles que têm mais conhecimento e competências digitais não precisem passar pelos níveis iniciais, por exemplo.
Segundo Jacqueline, os professores estão, atualmente, no nível intermediário. Apesar de ainda terem um caminho a ser desenvolvido, ela reforça que a primeira preocupação da Coordenadoria era mostrar aos docentes a importância de compreenderem e se apropriarem das competências para que possam desenvolvê-las junto a seus estudantes.
“Hoje não chega a 10% a parcela dos nossos professores que ainda estão no nível básico. Muitos já avançaram. Mas, mesmo que sejam poucos, o nosso curso conta com essa parte inicial, porque devemos resgatar e apoiar a todos. A ferramenta do CIEB é de fundamental importância para nos ajudar a perceber e entender como estão as escolas e o que pode ser feito por cada uma delas”, completa.
Diagnóstico, capacitação e equipamentos
Santa Maria, município do Rio Grande do Sul, foi uma das localidades que fez uso da ferramenta de autoavaliação logo quando foi lançada, ainda em 2018. Maritê Neocatto, coordenadora do Núcleo de Tecnologia Educacional Municipal, comenta que antes da realização do teste, era possível notar que professores tinham grande resistência ao uso de tecnologia, além de medo e receio.
“Os educadores são de outra geração. Os alunos já nasceram em uma época em que a tecnologia faz parte do cotidiano. Então, por mais que sejamos todos inseridos nesse mundo tecnológico, o uso de tecnologia estava envolvido nesse medo.”
Segundo a coordenadora, a realização do teste despertou uma nova onda de interesse e reconhecimento da importância do uso de tecnologia, e a medição das competências dos professores ajudou no desenvolvimento de projetos, como o que foi aprovado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
“A chegada de equipamentos novos e de formação para 23 escolas de Santa Maria, a partir do Educação Gaúcha Conectada, trouxe uma nova esperança para os professores”, explica Maritê. O projeto trabalha a partir de alguns pilares, como visão do uso de tecnologia, infraestrutura e REDs (recursos educacionais digitais).
Para a coordenadora, o fornecimento de equipamentos a uma escola não é suficiente para promover o uso de tecnologia, bem como apenas a formação dos docentes também não responde a todas as necessidades para a realização do trabalho junto aos alunos. “Os docentes precisam saber como usar os equipamentos, caso contrário eles ficam obsoletos e guardados. Mas também não adianta o professor estar formado e não ter o equipamento. A ferramenta de autoavaliação do CIEB nos ajudou a olhar para esses diferentes eixos, que devem estar em equilíbrio.”
A rede está planejando fazer uma nova rodada de testes na ferramenta no meio deste ano, com o objetivo de avaliar o desenvolvimento de competências em tecnologia depois da vivência na pandemia. “Acredito que os índices vão melhorar consideravelmente. No começo da pandemia, nós auxiliamos os professores a entrar no Zoom de forma gratuita para continuar os encontros com seus estudantes e com colegas docentes. Com o tempo, fomos avançando, conseguimos conta para todos os professores no Google. Hoje todos têm seus endereços de e-mail e suas salas de aula virtuais com os estudantes. É visível o progresso no uso da tecnologia, porque foram obrigados, no bom sentido, a usá-la e estão vendo o quanto isso vai facilitar as aulas mesmo quando voltarmos para o presencial”, afirma Maritê.
Principais resultados – íntegra disponível no Guia Edutec em Números