China testa plataforma que faz do professor um designer
Learning Design Studio, da Universidade de Hong Kong, auxilia professor a planejar aula com foco nas habilidades do século 21
por Marília Rocha, do Instituto Ayrton Senna 20 de julho de 2015
Uma nova plataforma online para apoiar a construção e compartilhamento de práticas pedagógicas e projetos de ensino está sendo desenvolvida por pesquisadores chineses e já tem sido testada por professores da Educação Básica de Hong Kong. A líder do projeto “Learning Design Studio” (Estúdio de Desenho de Aprendizado, em inglês), Nancy Law, esteve no Brasil para participar do Simpósio Internacional sobre Ciência para Educação e defendeu que o uso da tecnologia na educação deve ir além do acesso a novas ferramentas e incluir planejamento pedagógico eficiente para conduzir a melhorias profundas na aprendizagem de crianças e jovens.
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Para a pesquisadora, os educadores que buscam implementar novas práticas de ensino visando o desenvolvimento de competências para o século 21 – como criatividade, resolução de problemas e comunicação – de forma integrada ao conteúdo se deparam com o enorme desafio de desenhar experiências de aprendizagem mais adequadas aos seus objetivos, mas ao utilizarem instrumentos tradicionais para isso não encontram uma linguagem profissional eficaz. O formato atual de implementação dos currículos não promove, portanto, um meio para inserir no planejamento de aulas os aspectos multifacetados do ensino, nem os espaços para a colaboração entre professores.
“Com a ciência, sabemos cada vez mais como as pessoas aprendem e a importância de que a aprendizagem seja um processo construtivo, em que o estudante esteja ativamente engajado. Os professores desenham as experiências de ensino que vão garantir isso, considerando as questões locais do seu contexto escolar”, disse Nancy. “Já temos inúmeros dados para auxiliar a construção dessas experiências, mas ainda faltam elementos comuns aos profissionais de educação para que o projeto das intervenções faça a conexão entre a intenção pedagógica do professor e o resultado atingido pelo aluno, e que essa experiência possa ser descrita e comunicada para os profissionais da mesma categoria.”
Para oferecer uma alternativa a essa lacuna no cotidiano dos educadores, a equipe de Nancy criou a plataforma atualmente em uso por professores de algumas escolas chinesas de educação básica. “O objetivo é apoiar o desenho das aulas em três passos: o primeiro é registrar os resultados esperados da aprendizagem; depois, quais abordagens pedagógicas serão usadas, e, por fim, que tipo de avaliação irá indicar se esses resultados foram atingidos ou não”, contou Nancy. “Com isso em mente, o professor planeja quantas seções terá para cada objetivo, em cada seção qual será a situação-chave e formas de engajamento do estudante, porque queremos que o professor pense sobre o processo de ensino e aprendizagem também pela perspectiva do aluno.”
A partir das informações fornecidas pelo professor, o programa irá listar se todas as aprendizagens indicadas como relevantes estão sendo contempladas nas atividades previstas, e mostrar ao professor se os indicadores analisados nas avaliações são os mais adequados ao tipo de ensino pretendido. Por exemplo: um fórum online para os alunos se apresentarem pode ser válido para uma seção que pretenda estimular habilidades de comunicação, mas se a intenção do professor é uma atividade que mostre quais estão sendo as principais dificuldades dos alunos em uma disciplina, ele vai precisar olhar para outros termos ou buscar outros procedimentos.
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“É comum dizer que queremos que o aluno aprenda pensamento crítico, mas não linkamos essa intenção com uma atividade dirigida especificamente para isso e acabamos sem saber se estamos mesmo ensinando. A plataforma coloca a situação mais nítida para o professor, e é ele quem decide o que vai fazer sobre isso”, explicou a pesquisadora. Ao documentar formalmente o desenho de aprendizagem e captar em quais situações a intenção do professor se concretizou no engajamento do aluno, o Learning Design Studio (Estúdio de design de aprendizado, em inglês) pretende também se tornar um repositório de boas práticas e um ambiente de colaboração entre educadores para embasar melhores teorias de aprendizagem.
“No começo, houve certa resistência em adotar a ferramenta, mas agora os professores já identificam vantagens no seu uso, porque visualizam claramente as diferenças das aulas. Alguns estão realmente compartilhando trabalhos, e os gestores escolares também gostam muito, porque conseguem conhecer as diferentes práticas dos professores”, relatou Nancy. “Algum professor pode pensar ‘eu já sou um bom professor e sei o que fazer, por que devo registrar minha aula?’, mas nós mostramos que é muito importante para as escolas ter uma cultura colaborativa, com profissionais interessados em tentar algo novo, porque o papel dos professores tem mudado.”
A pesquisadora destaca que nas últimas décadas o avanço da tecnologia gerou inúmeras mudanças no cotidiano das pessoas e de todas as profissões, inclusive com impacto no que se espera que a escola ensine a crianças e jovens do século 21. Nesse contexto, não basta que a tecnologia seja usada da mesma forma que livros e enciclopédias, já que possui potencial para outros usos pedagógicos, assim como pode mudar a própria formação de professores. Segundo ela, ainda que tenham surgido práticas inovadoras na última década, muitas não persistiram ou não se tornaram referência para alterar significativamente a forma de ensino porque tinham algumas premissas equivocadas, como a de que a mera introdução de infraestrutura e equipamentos tecnológicos é suficiente para catalisar as transformações educacionais em professores e alunos.
Ao reconhecer a complexidade dos sistemas educacionais e o impacto de cada contexto, além de fatores pessoais, para os usos das TICs (Tecnologias de Informação e Comunicação), Nancy defende que é preciso alterar o foco: sair da tecnologia como infraestrutura com um fim em si, para a tecnologia como um apoio às mudanças de práticas. Esse processo deve incluir, segundo ela, espaço para a diversidade e uma arquitetura própria para interação e comunicação entre os diferentes atores envolvidos no processo de ensino a aprendizagem.
“Não há uma única prática que seja melhor para todos, mas propostas mais adequadas para cada contexto, e isso demanda que professores e lideranças das escolas se apropriem dos princípios envolvidos e contribuam para gerar inovações. Não queremos fazer uma pesquisa sobre professores, mas junto a eles”, defendeu Nancy.
Atuação
Como diretora do Centro de Tecnologia da Informação para Educação da Faculdade de Educação na Universidade de Hong Kong, Nancy Law pesquisa o uso de novas tecnologias para suporte de pedagogias inovadoras, e também busca desenvolver e avaliar padrões de implementação de novas ferramentas que convertam projetos em atividades de ensino. Seus estudos em busca de transformações educacionais que sejam sustentáveis e escaláveis a levaram também a considerar as implicações da tecnologia em políticas públicas, e por isso já atuou como consultora de ministérios de Educação como Singapura e Malásia, além de organismos internacionais como Unesco.
Entre os dias 5 e 6 de julho deste ano, ela esteve no Rio de Janeiro para participar do Simpósio Internacional de Ciência Sobre Educação. O evento foi promovido pela Rede Nacional de Ciência para Educação, com apoio do Instituto Ayrton Senna e da Fundação Nacional de Ciência dos Estados Unidos (NSF), para reunir pesquisadores nacionais e internacionais de diferentes áreas da ciência com pesquisas sobre o ensino e aprendizagem que possam ser traduzidas em benefício da educação.