Aula remota exige maior organização de estudantes e esbarra na falta de internet - PORVIR
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Inovações em Educação

Aula remota exige maior organização de estudantes e esbarra na falta de internet

Aulas pela TV, salas em plataformas virtuais e grupos redes sociais – quando a internet permite – fazem parte da nova rotina de ensino e aprendizagem remota

Parceria com CIEB

por Maria Victória Oliveira / Vinícius de Oliveira ilustração relógio 11 de junho de 2020

Depois de falar sobre os planos de contingência elaborados por secretarias para entregar aulas remotas durante pandemia do coronavírus e da necessidade de diferentes esforços por parte dos professores, chegou o momento de entender como tem sido a rotina e as percepções dos principais interessados no tema: os próprios alunos.

Em conversa com o Porvir, eles relatam como tem sido a rotina de estudos em casa desde meados de março, quando as escolas interromperam as aulas presenciais. Como é acessar o ambiente virtuais das secretarias para receber atividades? E baixar os arquivos de aula em plataformas específicas? Redes sociais que até outro dia eram só para diversão também podem ser fonte de conteúdo didático? E o WhatsApp? E ainda: é possível acompanhar a aula pela TV?

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Todo o processo de ensino e aprendizagem para a casa demanda autonomia e disciplina com horários, que muitos não estavam acostumados. Só 16% dos alunos tinham feito algum curso online até o final de 2019, segundo dados da nova pesquisa TIC Educação, que mapeia acesso e hábitos online de alunos e professores de escolas públicas e privadas. E como cerca de uma em cada dez escolas públicas e seis em cada dez das privadas tinham uma plataforma de ensino antes da pandemia, organizar a “virada de chave” não foi nada simples.

A fala de professores em nossa matéria anterior é reforçada pelos relatos dos estudantes. O primeiro momento foi de tentativa e erro, seja por plataformas das secretarias, perfis das escolas em redes sociais ou grupos de WhatsApp comandados por professores. Quando o material pedagógico demorou a fazer o caminho secretaria-escola-professor-aluno, os próprios alunos começaram a montar iniciativas para compartilhar tarefas com quem não possui acesso à internet ou debater a situação com seus colegas. Da mesma forma, famílias passaram a buscar em grupos de redes sociais de outras escolas o conteúdo que deveria ter chegado aos seus filhos.

Para ter uma ideia mais clara de como as iniciativas de secretarias e de professores estão chegando à ponta do processo educativo, o Porvir traz abaixo destaques da conversa com estudantes de diferentes partes do país.

Professores protagonistas 

Para Camille Santana, a maior dificuldade imposta pela pandemia foi a mudança brusca de rotina, que não ofereceu a possibilidade de adaptação. Estudante do terceiro ano do ensino médio da rede estadual de Sergipe, seu momento de vida traz mais um detalhe: prestes a se formar no colégio, Camille está fazendo cursinho pré-vestibular para o curso de medicina.

Apesar de já contar com uma área chamada Estude em Casa no site da Secretaria de Estado da Educação, do Esporte e da Cultura de Sergipe, a jovem relata que as aulas remotas em sua escola estão em momentos distintos, com professores ainda recebendo instruções sobre como dar aulas online, enquanto outros já se mobilizam de forma independente.

“Alguns professores estão fazendo aulas virtuais com a gente pelo Meet, a ferramenta do Google, outros usam o WhatsApp mesmo. E ainda tem professores que não temos comunicação nenhuma. De videochamada mesmo, até agora só tivemos aula com a professora de física, que combina dia e horário, compartilha link com algumas pessoas responsáveis por avisar no grupo de WhatsApp da sala para os alunos participarem”, explica.

Camille lembra ainda que alguns professores se uniram para criar uma conta da escola no Instagram, meio utilizado para o envio de algumas atividades sobre temas que foram trabalhados em aulas presenciais.

Por conta própria 

Da mesma forma que existem professores avançando em relação aos planos das redes e escolas onde trabalham, também existem alunos estudando por conta própria. É o caso de Cláudio Sales, estudante do segundo ano do ensino médio de uma escola da rede estadual de educação do Pará. Segundo ele, seus professores não organizaram nenhum tipo de atividade ou tarefa para os estudantes. O jeito é aproveitar meios de comunicação como o WhatsApp, onde pais de alunos compartilham entre si links de conteúdos educativos disponibilizados por docentes na internet.

A minha experiência tem sido meio complicada porque nem sempre tem internet aqui em casa

“A minha experiência tem sido meio complicada porque nem sempre tem internet aqui em casa. Temos Wi-Fi, mas o sinal na minha região, no bairro Marco, em Belém, é muito ruim. Quando chove, a internet não pega direito e fica muito lenta”, descreve. As aulas disponibilizadas pela Secretaria de Educação em alguns canais da TV são uma alternativa usada esporadicamente pelo aluno, que também busca conteúdos em grupos de Facebook criados por professores de outras escolas. “A gente sente que está por conta própria por não ter o amparo da própria escola”.

Para ele, essa situação deixa por conta de cada um de buscar conteúdos que possam ter relação com o que era aprendido em sala de aula. “Alguns professores já tinham falado o que iríamos aprender ao longo do ano. Por isso, a gente acaba encontrando alguma coisa referente ao assunto que estávamos estudando e mandamos no grupo. Assim, todos estudam a mesma coisa para quando as aulas voltarem e também para o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio)”.

Neste ano, Cláudio desistiu de fazer a prova por conta da falta de condições de estudo. Como o primeiro de sua família a buscar uma vaga no ensino superior, o jovem afirma que vai se dedicar e estudar muito para, no futuro, cursar psicologia e direito.

Apoio psicológico e a importância da saúde mental durante a quarentena 

Orana Maria Berlitz, aluna do segundo ano do ensino médio de uma escola da prefeitura de São Paulo, conta que assiste às aulas disponibilizadas no YouTube, ministradas para alunos do Brasil inteiro. O conteúdo também está disponível em canais na televisão e pelo aplicativo Microsoft Teams, ao qual Orana teve problemas de acesso, assim como alguns colegas. Segundo a jovem, os professores estão passando atividades e trabalhos pela plataforma Google Classroom.

Neste vaivém de plataformas, sobram duas questões: nem todos os estudantes conseguem acesso, seja por falta de equipamentos ou conexão à internet. Além disso, somente alguns dos professores ficam disponíveis para esclarecer eventuais dúvidas. “Teve um trabalho que o professor não entendeu muito bem o que eu escrevi. Eu expliquei de novo mas ele não visualizou a mensagem, então não sei se minha nota será prejudicada por conta disso.”

Assim como Camille, de Sergipe, Orana conta que um único professor, nesse caso o de filosofia, grava videoaulas e, a partir desse material, passa atividades. Nesse sentido, ela pontua a diferença de realidade de colegas que estudam em escolas particulares. “Eles têm aula todos os dias, no horário da aula mesmo, com os professores deles, passando a matéria que eles estavam estudando por videochamada no computador. Até aula de educação física tem”.

Eu não conheço ninguém que, nessa quarentena, não teve uma experiência de ansiedade

Para Orana, cuidar da saúde mental no meio de tantos acontecimentos e incertezas é um desafio para o qual gostaria de receber algum tipo de apoio. “Eu não conheço ninguém que, nessa quarentena, não teve uma experiência de ansiedade ou que desenvolveu ansiedade e depressão. Tem muita gente que não está conseguindo se concentrar nos trabalhos da escola por questões de saúde mental que foram agravadas pela quarentena”.

Internet complementa a TV

No Amazonas, Pedro Henrique Cantuário, que está no terceiro ano do ensino médio, acompanha de segunda à sexta, das 18h às 21h40, os conteúdos do programa Aula em Casa, iniciativa do governo estadual por meio da SEDUC-AM (Secretaria de Estado de Educação e Desporto).

“É a primeira vez que estou tendo aula pela TV, que começou na semana seguinte ao anúncio da paralisação das escolas. A minha programação é à noite, com cinco aulas de 40 minutos, que assisto pela TV (o conteúdo também está disponível pelo YouTube e por um aplicativo do governo)”, explica.  “No início, eu já tinha visto alguns assuntos na escola, a programação foi avançando e agora estamos em temas totalmente diferentes daqueles da sala de aula. Temos todos os professores menos os de arte”.

A única coisa que não gosto é o horário, porque desgasta. Nosso horário de aula é noturno e fazer isso todo dia na semana acaba sendo maçante

Na escola de Pedro, as atividades da TV conversam com aquelas enviadas por professores em grupos de WhatsApp ou pelas salas do Google Classroom, onde os conteúdos de arte podem ser encontrados. “Os professores usam o que foi ensinado na TV e enviam perguntas relacionadas a esse conteúdo”, explica. “A única coisa que não gosto é o horário, porque desgasta. Nosso horário de aula é noturno e fazer isso todo dia na semana acaba sendo maçante”. Apesar de se dizer adaptado a esse regime de aulas remotas, o estudante diz que amigos comentam ter usado pouco o sistema de transmissão de aulas – preferem a plataforma virtual. Além disso, a relação com professores tem se resumido ao envio de perguntas de um lado e de respostas do outro.

Não é só uma lista de atividades

No Ceará, José Cauan Meneses, que está no terceiro ano do ensino médio, afirma que teve período inicial “complicado” por conta do volume de questões de todas as disciplinas que tinha que baixar na plataforma da secretaria de educação e entregar na semana seguinte. “Sempre tenho um cronograma de tudo o que preciso fazer e era um excesso de atividades em um prazo muito curto. Eu me enrolava e ficava com grande dificuldade de saber como resolver. Tinha atividade com 30 questões. Era desgastante e a gente não aprendia o conteúdo, que é o objetivo principal”.

Sempre tenho um cronograma de tudo o que preciso fazer e era um excesso de atividades em um prazo muito curto. Eu me enrolava e ficava com grande dificuldade de saber como resolver

Lidar com prazos ficou mais fácil, segundo ele, quando a secretaria adotou a plataforma Google Classroom, que padronizou a comunicação (dividida com WhatsApp), calendário de aulas e atividades. Em sua escola, a carga de atividades pedagógicos é alternada entre as diferentes áreas, o que implica ter ciências da natureza e matemática em uma semana, ciências humanas na seguinte. A única exceção é redação, que demanda um texto por semana.

Agora ele já consegue assistir a aulas online. Em conversa com o Porvir em meados de maio, ele disse já havia questionado a escola por que, de segunda quinta, apenas uma aula online e de uma única disciplina era realizada. Em uma hora os alunos precisam tirar as dúvidas relacionadas às atividades que deveriam entregar, o que nem sempre dava tempo.

“Os professores não estão o tempo todo conectados para conversar. Um dia precisei mandar uma dúvida pelo WhatsApp às 2 horas da tarde e tive resposta às 7 da noite, quando já havia entregado o exercício”, afirma.

Diante das dificuldades que encontrou nesse período, José Cauan se uniu a Ana Beatriz Silva Mota, de Salvador (BA), que também integrou o Conselho Jovem do Porvir em 2018, para lançar em seu perfil no Instagram debates com outros estudantes a situação das aulas remotas, os rumos do Enem e o acesso à internet por estudantes. Os mesmos alunos que não conseguiam acompanhar acessar as aulas nas plataformas online por não terem acesso tiveram que recorrer aos colegas para conseguir se inscrever no exame.

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coronavírus, educação online, ensino médio, tecnologia

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