Como construir e investir em uma escola sustentável? - PORVIR
Emilio Echeverría | Octavio Zuccolo (TAGMA)

Inovações em Educação

Como construir e investir na infraestrutura de uma escola sustentável?

No Rio de Janeiro e em São Paulo, duas escolas públicas investem na infraestrutura sustentável e mostram por que são bons modelos resilientes a serem replicados

por Ruam Oliveira / Ana Luísa D'Maschio ilustração relógio 11 de dezembro de 2024

Escola Municipal Rural Nossa Senhora da Conceição
Mogi das Cruzes (SP)
Alunos: 96
Funcionários: 14
Etapas atendidas: ensino fundamental 1 (do 2º ao 5º ano)

Uma escola resiliente se firma em três pilares: desenvolvimento socioemocional, currículo inovador e infraestrutura sustentável. Todos esses aspectos visam preparar os alunos para enfrentar os desafios das mudanças climáticas e da crise ambiental. Embora nem todas as instituições consigam abarcar essas dimensões simultaneamente, investir em apenas um pilar já representa um avanço significativo.

Um exemplo inspirador vem de Mogi das Cruzes. A Escola Municipal Rural Nossa Senhora da Conceição está prestes a receber o selo “Uma escola sustentável”, concedido pela Tagma. Essa conquista a torna a primeira escola rural brasileira a adotar o projeto da organização uruguaia, que busca construir escolas mais ecológicas na América Latina. No entanto, Mogi das Cruzes não está sozinha nessa jornada. No Rio de Janeiro, o Colégio Estadual Walter Heine já ostenta o selo LEED, reconhecido mundialmente por suas práticas sustentáveis.

O Porvir apresenta, nesta reportagem, a trajetória dessas duas escolas, que demonstram a importância da infraestrutura como um dos pilares para construir escolas mais resilientes.


A resiliência de uma escola em relação às mudanças climáticas vai além de suas práticas pedagógicas e de gestão: ela está em seu alicerce, nas paredes, nos corredores e na forma como o teto foi projetado. Para garantir a segurança de alunos e funcionários, é fundamental que a estrutura possa suportar eventos climáticos extremos, como tempestades e ondas de calor intenso.

A Escola Municipal Rural Nossa Senhora da Conceição, em Mogi das Cruzes (SP), está passando por uma reestruturação completa de seu espaço, levando em consideração esses critérios. Trata-se da primeira escola pública brasileira a receber o projeto “Uma escola sustentável”, iniciativa da Tagma, organização uruguaia sem fins lucrativos que planeja uma rede de escolas sustentáveis em toda a América Latina. Já existem unidades implementadas na Argentina, Chile e Colômbia, bem como no próprio Uruguai. Após a reforma, a escola brasileira reabrirá suas portas em 2025, com 210 m² de novas instalações que se somarão ao edifício já existente.

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A Tagma avaliou mais de 30 inscrições de escolas rurais do estado de São Paulo para selecionar a instituição mogiana. Foram cinco finalistas, e os critérios incluíram: ser pública, rural, possuir uma população educativa pequena, necessidades de melhoria da infraestrutura, dispor de um terreno para construção, contar com uma comunidade educativa ativa e docentes que trabalham com temas de educação ambiental. “Também valorizamos a participação ativa de pais e mães. Assim, encontramos a comunidade ideal na Escola Municipal Rural Nossa Senhora da Conceição”, explica Gisela Oyanguren, coordenadora na Tagma. 

De acordo com Rodrigo Guedes, diretor da escola, o projeto promoverá uma revitalização da unidade escolar, que atende do 2º ao 5º ano, ao abordar sustentabilidade tanto na construção quanto na formação docente. “Uma escola sustentável envolve a integração de novos repertórios ambientais para as crianças e uma formação voltada às necessidades da escola do campo”, diz. Em 2025, a escola passará a atender alunos do 1º ano. 

Como base da construção, ao lado materiais tradicionais, madeira, terra e palha foram utilizados para erguer as quatro novas salas na escola: uma multiuso, uma regular, uma sala de direção e outra para os professores. Outros espaços também vão ser readequados. Também haverá revitalizações no entorno do prédio. 

Uma cisterna coletará a água da chuva, enquanto placas fotovoltaicas (painéis solares) serão instaladas para garantir energia elétrica. O projeto inclui um teto verde, composto por plantas e vegetações, que ajuda a manter o ambiente interno mais fresco. Além disso, a horta será ampliada, proporcionando novos espaços para atividades pedagógicas.

“Por meio do design bioclimático, alcançamos conforto térmico ao longo de todo o ano, aproveitando a energia solar e as propriedades de alguns materiais para armazenar e isolar o calor”, complementa a coordenadora. 

Mas o que é design bioclimático?
Trata-se de abordagem sustentável que otimiza o conforto térmico e a eficiência energética de edifícios, considerando as condições climáticas locais e recursos naturais.

O modelo é uma das inspirações da Tagma. A organização uruguaia, criada em 2011, inspira-se no modelo de construção sustentável chamado Earthships (embarcações de terra, em tradução livre), do arquiteto norte-americano Michael Reynolds.

Michael projetou, em parceria com a Tagma, a primeira escola pública latino-americana neste modelo sustentável. A Ecoescuela Sustentable abriu suas portas em 2016, em Jaureguiberry, região costeira do Uruguai.

Ao todo, 5 mil garrafas de vidro, 8 mil latas de alumínio e aproximadamente 2 mil pneus serviram de base para o edifício de 270 m2 erguido em sete semanas. Na obra, 60% do material utilizado era reciclável.


Confira, no vídeo abaixo, como foi a construção da escola uruguaia:

Apoio comunitário

Marilu Felipe dos Santos Beranger, secretária de educação de Mogi das Cruzes, avalia que a construção de um projeto como esse não só contribui com o desenvolvimento, como gera uma mudança significativa na comunidade. 

“Entendemos que o trabalho em sala de aula deve ser a partir do território em que a criança vive, valorizando a natureza e a preservação das áreas naturais e também discutindo ações sustentáveis que podem ser desenvolvidas a partir da infância”, comenta a secretária.

O projeto da escola foi cocriado com a comunidade por meio de um processo de design participativo, abordagem com foco em atender às necessidades reais dos usuários, para garantia de funcionalidade e sustentabilidade a longo prazo.

Os estudos do solo da água também foram feitos coletivamente. “Realizamos workshops intensivos com arquitetos, docentes, alunos e famílias. Todos trabalharam na construção de maquetes e desenharam o mapeamento comunitário e refletir sobre sustentabilidade”, conta Gisela, coordenadora da Tagma.

Responsáveis e professores também acompanharam jornadas de trabalho abertas aos sábados, e alguns participaram como bolsistas em um curso de construção. “A participação é importante, pois eles habitarão o espaço e poderão trabalhar com as crianças em temas ambientais relacionados ao edifício e ao entorno”, reforça.

Para a secretária de educação, essa estratégia fez com que pais de alunos e demais moradores se envolvessem ainda mais. “Acredito que isso vá continuar e se consolide após a conclusão das obras. É um projeto realmente inspirador não só pelos recursos sustentáveis que a escola está recebendo, mas também por esse trabalho construído a várias mãos”, avalia.

Um grupo de 80 voluntários e técnicos desembarcou em 11 de novembro com a missão de construir as novas instalações da escola, inaugurada um mês depois, em 11 de dezembro, ainda com ajustes pendentes para sua abertura oficial no início do ano letivo. O projeto conta com a colaboração de pessoas de diferentes países, além de profissionais locais, internacionais e técnicos da Tagma.

A mobilização na cidade vem chamando a atenção. “Nós temos famílias que não estão na obra, mas fazem comida e mandam para o pessoal, preparam um suco, uma fruta… Mesmo que indiretamente, tem sido um trabalho envolvendo toda a comunidade. É realmente uma escola sendo construída a muitas mãos”, afirma Rodrigo. 

Uma escola feita a muitas mãos e mentes

Em 2023, uma das turmas da professora Tatiane Rodrigues Olinik estudava o gênero textual carta. A missão dos alunos era produzir textos nesse formato e muitos aproveitaram para enviar a Rodrigo Guedes, diretor do colégio, correspondências com sugestões de melhorias para a escola.

“Um aluno, o Lucas, escreveu uma carta com 14 itens que o diretor precisava realizar. Todos estavam ansiosos pela minha resposta”, lembra Rodrigo. Naquele período, ainda não havia o projeto de reforma da escola, que só foi anunciado em junho deste ano. 

A escola atende 96 crianças de perfis distintos. Parte delas percorre até 8 km para chegar ao colégio, vinda de regiões rurais mais distantes. A outra metade vem de um condomínio de alto padrão nas proximidades. “As crianças estão num processo de construção coletiva sobre qual escola elas querem”, afirma o diretor. 

Sustentabilidade dentro e fora da sala de aula

Por estarem em uma área rural, Tatiane destaca que as conversas sobre sustentabilidade e mudanças climáticas são recorrentes no dia a dia das turmas, e a chegada de uma estrutura que dialoga com essa temática vai reforçar o debate. 

“A nossa escola vai ser um laboratório vivo. As paredes, nós acompanhamos, foram construídas de barro, com uma forma específica. Vi peneirar a terra, usarem o socador – é claro que é algo mais técnico – e a gente vai poder construir com as crianças também, para que elas vivenciem e aprendam juntas”, conta Tatiane. 

Sempre trabalhamos a questão da sustentabilidade, do reciclar, reutilizar e preservar. Isso sempre foi tema das nossas aulas, só que agora o conceito foi ampliado porque nós estamos vivenciando tudo isso.

Tatiane Rodrigues, professora

No cotidiano da turma, Tatiane argumenta que a própria construção vai gerar dúvidas e suscitar conversas entre os alunos sobre práticas sustentáveis. A docente exemplificou que tanto as visitas à obra quanto os momentos de oficina trouxeram ideias para trabalhar o tema em aula: “Em artes, os materiais da natureza podem apoiar oficinas de biomaterial”.

Formação continuada

Para além dos processos de construção do espaço físico, a gestão desempenha papel fundamental em promover práticas que reflitam uma perspectiva sustentável. Rodrigo Guedes comenta que, sem uma preparação que envolva a formação da equipe, o espaço físico perde o sentido.Enquanto avançam as obras, a equipe docente já vem recebendo capacitação em sustentabilidade realizada por entidades parceiras da Tagma. A proposta do treinamento, que seguirá até abril de 2025, é integrar os princípios de sustentabilidade do edifício às práticas pedagógicas. “Aos pouquinhos, nós vamos tentar colocar aquilo que estamos aprendendo na formação junto com as crianças e, ao mesmo tempo, aprender com elas”, avalia Tatiane.

Mulher apresentando um slide sobre "Técnicas de construcción con tierra" em uma sala com post-its na parede e participantes sentados ao fundo.
Emilio Echeverría | Octavio Zuccolo (TAGMA) Além do espaço físico, há também uma formação sobre construções sustentáveis e sustentabilidade para preparar equipe e corpo docente.

“Se nós, gestores da escola, não tivermos um olhar fino e atento a essa construção e aos cuidados pedagógicos, tudo o que está sendo construído vai, ao longo do tempo, se perder e não é nossa intenção”, conclui o diretor.


Colégio Estadual Walter Heine
Rio de Janeiro (RJ)
Alunos: 561
Funcionários: 67
Etapas atendidas: ensino médio técnico

A arquiteta Maria Mello, responsável pelo escritório “Arktectus Arquitetura Sustentável – ASA”, é a mente por trás de uma empreitada que marca os primeiros passos da união entre escola e sustentabilidade no Brasil. 

É dela o projeto do Colégio Estadual Erich Walter Heine, no Rio de Janeiro (RJ). Inaugurada em 2011, a escola é a primeira da América Latina a ser reconhecida como sustentável por meio da certificação LEED (Leadership in Energy and Environmental Design), sistema de certificação de edifícios sustentáveis criado pelo Green Building Council. 

“No finalzinho de 2010, a empresa (siderúrgica) ThyssenKrupp CSA foi multada ambientalmente. O passivo ambiental se transformou nessa escola, que é resultado de uma PPP (parceria público-privada)”, conta. Ela se orgulha de que um passivo ambiental tenha sido direcionado para a construção de uma escola pública. O projeto contou com investimento inicial de R$ 16 milhões.

Atualmente com 561 alunos, o colégio oferece ensino médio integrado a um curso técnico em administração. O prédio, concebido desde o início com foco na sustentabilidade, possui 960 m² de telhado verde com árvores nativas da região. A capacidade para a captação da chuva é de até 60 mil litros, reutilizados na irrigação e nos vasos sanitários.

O colégio adotou outras iniciativas sustentáveis. Entre as ações implementadas, destacam-se a instalação de lâmpadas LED que desligam automaticamente quando as salas ficam vazias e telhados que diminuem o calor e reduzem os custos de refrigeração, além da criação de um espaço dedicado à reciclagem e uma piscina semiolímpica adaptada, com deck de madeira e borda revestida por um material que não absorve calor. Estima-se que o modelo sustentável reduz até 40% do consumo de energia.

Francisco L.M.Tardioli Fotografia aérea do Colégio Walter Heine. Crédito: FWDIMAGENS PRODUÇÕES

O formato da escola, que reproduz um catavento, visa melhorar a circulação do ar e diminuir a temperatura interna do prédio, situado em uma região onde costumeiramente a temperatura ultrapassa 40ºC no verão.

“A gente consegue só com o formato baixar de cinco a seis graus de temperatura por causa da ventilação passiva”, conta a arquiteta em entrevista ao Porvir. A ventilação passiva é uma estratégia arquitetônica que utiliza elementos naturais (como vento, temperatura e pressão do ar) para garantir a circulação e o conforto térmico, sem sistemas mecânicos ou elétricos.

Como foi projetar algo assim?

Ela afirma que esse era um projeto que estava guardado no canudo, daqueles que “todo arquiteto tem e deseja realizar”. Tirar a ideia do papel foi um processo iniciado no começo dos anos 2000 e que teve algumas versões piloto antes de se consolidar na Walter Heine: 2007 na Escola Municipal Luiz Gonzaga, que fica no bairro de Palmeiras, em São Gonçalo (RJ), e outro em 2010, no Colégio Estadual Pedro Fernandes, localizado no Jardim América, também no Rio de Janeiro.

“Elas têm todas as características de uma escola sustentável, menos alguns equipamentos. Algumas coisas ficaram de fora por se tratar de um prédio público”, conta Maria. No momento de conceber o projeto da Walter Heine, a arquiteta já tinha em mente as experiências prévias. 

Maria também trabalhou como fiscal de obras e projetista da rede da Educação do Estado do Rio. Costumava ir às escolas para ouvir as diretoras, entender do que precisavam e o que queriam em suas escolas. Por vezes, os anseios eram comuns e simples, como a manutenção do telhado ou a pintura das paredes. 

O padrão arquitetônico de uma escola sustentável é facilmente reconhecível. Seus principais eixos consistem em garantir uma manutenção de baixo custo e uma segurança eficiente, sem, no entanto, incluir grades, “para não dar aparência de presídio”. “O melhor projeto para uma escola é aquele em que a gente tem um pátio interno, que oferece segurança aos alunos e eles ficam dentro do pátio, conversando, interagindo.”

Para a arquiteta, ter uma perspectiva de pós-ocupação do espaço escolar é fundamental desde o planejamento. “Após a inauguração, é necessário considerar a durabilidade do prédio, com a expectativa de que suas instalações permaneçam adequadas por, no mínimo, 20 anos.”

É possível replicar a construção?

A arquiteta afirma que seu projeto, com escolas em formato de catavento, pode ser replicado em qualquer lugar do Brasil.

Professora de arquitetura modular na PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), Maria diz a seus estudantes que “o prédio educa pelo uso”. Enquanto o diretor Rodrigo Guedes e a professora Tatiane Rodrigues, de Mogi das Cruzes (SP), acreditam que a nova escola vai suscitar o debate sobre a sustentabilidade entre os alunos, a arquiteta está convencida de que, usando espaços com energia renovável, o estudante pode aprender sobre eficiência energética ou o que é um biodigestor, entre outros assuntos.

Quando falamos em educação pelo uso, estamos falando de cidadania, de igualdade de direito, sem ser uma imposição, estamos falando de acessibilidade total. É a educação que sai da caixa, do prédio e vai para a vida comum das pessoas. E a sustentabilidade vai para o trabalho dessas pessoas que estão sendo formadas em uma escola dessas

Maria Mello, arquiteta 

“O estudante [da Walter Heine] conhece acústica, sabe o que é um isolante térmico, um isolante acústico, porque ele usa desde sempre. Ele entra numa sala que tem um ar-condicionado com sensor de presença que daqui a 20 minutos, se não tiver ninguém, desliga automaticamente. Então, o aluno pode aprender o caráter de algo sustentável sem qualquer imposição. Ele aprende e leva para casa”, afirma. 

Essa dimensão educativa dos prédios é uma característica marcante entre as escolas que caminham para se tornar resilientes. O projeto arquitetônico da Escola Estadual de Ensino Médio Almirante Barroso citado pela secretária de educação do Rio Grande do Sul, Raquel Teixeira, é outra tentativa de abarcar não só o conceito de resiliência, como unir as diferentes dimensões imbricadas nele. Você pode ler mais detalhes sobre essa estratégia aqui. 

Edição: Ana Luísa D’Maschio e Vinícius de Oliveira

*A pauta desta reportagem foi selecionada pelo 6º Edital de Jornalismo de Educação, da Jeduca (Associação de Jornalistas de Educação) e da Fundação Itaú


TAGS

crise climática, educação ambiental, educação climática, Série Escolas Resilientes

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