Como evitar o aumento do abandono e da evasão no ensino médio após a pandemia - PORVIR

Inovações em Educação

Como evitar o aumento do abandono e da evasão no ensino médio após a pandemia

Sistemas escolares precisam procurar entender os problemas enfrentados pelos adolescentes e criar condições para que se mantenham na escola, voltem a estudar e aprender, segundo especialistas

por Fernanda Nogueira ilustração relógio 3 de junho de 2020

O afastamento dos alunos do ensino médio público do ambiente escolar durante a pandemia de coronavírus (COVID-19) pode a levar a um aumento do abandono e da evasão entre estes jovens. As duas situações já eram uma realidade no país por uma série de fatores como trabalho, pobreza, gravidez precoce, violência, problemas emocionais, clima escolar.

Dados analisados pelo Observatório da Educação do Instituto Unibanco a partir de uma base do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira)  mostram que a taxa de abandono do ensino médio na rede pública caiu sete pontos percentuais entre 2008 e 2018, para 6,7%.

Outro número importante quando se olha para o ensino médio é taxa de jovens de 15 a 17 anos fora da escola. Também em queda, ela era de 12,9% em 2012 e diminui para 8,8% em 2018. Diante dos impactos do coronavírus na educação e em diferentes setores da sociedade, a trajetória corre risco de se inverter.

Histórico de jovens entre 15 e 17 fora da escola – Disponível em Análises Integradas – Abandono e Evasão Escolar

Por que evadem

O abandono escolar acontece quando o estudante interrompe o ano letivo, parando de frequentar as aulas. Já a evasão ocorre quando este aluno, que abandonou os estudos, deixa de fazer a matrícula no ano seguinte. “Existe um gap (discrepância) entre a conclusão do ensino fundamental e a entrada no ensino médio. Talvez porque muitos desses jovens comecem a ficar pressionados por uma necessidade precoce de ingresso no mundo do trabalho”, explica a educadora Macaé Evaristo, ex-secretária de Educação de Minas Gerais em vídeo sobre o tema no Observatório da Educação do Instituto Unibanco.

Por conta da pandemia, especialistas ouvidos pelo Porvir são unânimes em dizer que o número de casos de evasão no ensino médio vai aumentar.

De acordo com Eduardo Magrone – professor associado e de pós-graduação da Faculdade de Educação da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), pesquisador associado e professor do mestrado profissional do CAED (Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação) da UFJF e pesquisador vinculado ao NESCE (Núcleo de Estudos Sociais do Conhecimento e da Educação) da mesma universidade –, “a desmobilização dos estudantes durante a quarentena é inevitável”.

“A evasão tende a aumentar, pela desmobilização, pela disposição para outras atividades e pela falta de contato com a cultura da escola”

“A tendência é o aluno não dedicar tempo aos estudos, aguardando o reinício das aulas. O ensino remoto está sendo feito, mas de forma atabalhoada. Como hipótese, a evasão tende a aumentar, pela desmobilização, pela disposição para outras atividades e pela falta de contato com a cultura da escola”, explica.

Percentual de jovens entre 15 e 17 fora da escola por estado e média nacional – Disponível em Análises Integradas – Abandono e Evasão Escolar

Segundo Romualdo Portela de Oliveira, diretor de pesquisa e avaliação do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária), presidente da Anpae (Associação Nacional de Política e Administração da Educação) e professor titular aposentado da Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo), há evidências de que a evasão aumenta em tragédias naturais e períodos de afastamento prolongado da escola.

“Houve situações similares na literatura, como a destruição causada pelo furacão Katrina, em Nova Orleans, nos Estados Unidos, casos na Nova Zelândia e na Austrália. Baseado em estudos e fazendo uma analogia da situação atual de pandemia, teremos um aumento da evasão”, afirma.

Os motivos estão relacionados às condições financeiras dos jovens, que são determinantes, e também a decepção com os estudos e outras situações, como casos de violência familiar. “Por trás da evasão existe um conjunto de razões. O sistema de educação pode agir sobre elas. A educação básica é um direito da criança e do adolescente e é um dever do Estado. Compete ao Estado garantir e criar condições para que esse direito seja exercido”, explica Romualdo.

“As escolas terão de chamar de volta os alunos. Os professores terão que cativá-los”

Escola que faz sentido e acolhe

O ensino médio precisa ser atrativo, segundo a professora doutora Hildegard Susana Jung, coordenadora e docente do curso de pedagogia e pesquisadora do (PPGE) Programa de Pós-Graduação em Educação da Unilasalle (Universidade La Salle). “Acho que a evasão vai aumentar porque o estudante esfriou. As escolas terão de chamar de volta os alunos. Os professores terão que cativá-los. A lei obriga que o aluno fique na escola até os 17 anos. Quando chega aos 18 anos, é uma questão de conscientização continuar estudando ou não.” Confira estudo de Hildegard sobre o ensino médio no Observatório da Educação do Instituto Unibanco.

A professora defende um fortalecimento da EJA (Educação de Jovens e Adultos), para apoiar aqueles jovens que precisam trabalhar.

Taxa de abandono noturno – Disponível em Análises Integradas – Abandono e Evasão Escolar

Outro ponto lembrado por especialistas para evitar abandono e evasão foi o acolhimento. “É preciso haver um acolhimento dos estudantes na escola e ver quais são as suas necessidades. Temos que fazer com que se sintam bem”, diz Hildegard.

Romualdo ainda reforça a necessidade de considerar as diversas dificuldades que a pandemia cria. “Os alunos isolados terão mais problemas psicológicos e o vínculo com a escola tende a diminuir. Não é possível que a escola aja como se nada tivesse acontecido. Transpor as aulas para os meios virtuais e continuar de onde parou. Tem que acolher e interagir com as angústias e dificuldades concretas do jovem e do estudante. Estamos vivendo uma situação que vai mudar a sociedade. A escola tem que dialogar e ter atividade de acolhimento para os alunos e se houver condições, interagir com eles agora”, afirma.

Há ainda uma discussão a ser feita sobre a cultura da escola, segundo Eduardo. “Existe uma má fé institucional, que funciona para expulsar o jovem da escola. Isso aparece na maneira como lidam com os problemas deles, como gravidez na adolescência, drogas. Existe uma criminalização da juventude. Esta não é uma questão das pessoas, não é culpa do professor, da família. Existe um funcionamento da escola, que precisa ser alterado. Isso não é para curto prazo.”

Distribuição de mulheres de 15 a 29 anos de idade com/sem filhos segundo situação educacional – Disponível em Educação em Números

A gestão das escolas tem papel crucial neste momento, de acordo com Hildegard. “A gestão é o coração da escola. Com sua escuta ativa, vai trazer menos evasão, mais acolhimento, mas também precisa de ajuda. Sozinha não opera um milagre.” Por isso, é preciso haver ação das secretarias de educação. “As secretarias precisam oferecer uma forma de qualificar os gestores. Isso vai alcançar os professores e vai chegar à sala de aula”, diz a professora.

O fim do calendário escolar precisa ser flexibilizado, segundo Romualdo. “As autoridades precisam ter sensibilidade. Esta é uma situação atípica. Deve-se pensar na postergação do calendário escolar. É preciso dialogar com a realidade na hora de sair da quarentena. Se o ano letivo tiver que acabar em dezembro, janeiro ou fevereiro, isso pode causar prejuízo ao direito ao aprendizado. Os sistemas têm que ser flexíveis para dialogar com a realidade concreta. Precisam ter sensibilidade.”

Alunos do Colégio Estadual José Ribeiro Magalhães, em Uruama (GO), participam de roda de conversa na quadra da escolaCrédito: Éder Chiodetto

Alunos do Colégio Estadual José Ribeiro Magalhães, em Uruama (GO), participam de roda de conversa

O professor Eduardo segue na mesma linha, lembrando que o mais importante é o aprendizado dos estudantes. “Tem que haver, por parte das secretarias e das escolas, na retomada das atividades letivas, uma preocupação de que o aluno precisa aprender, mais do que ser frequente, ir à aula, passar em provas e exames”, afirma.

Além disso, o impacto e traumas causados pela pandemia terão de ser levados em conta e explorados do ponto de vista pedagógico, segundo Eduardo. “Vejo uma oportunidade para as disciplinas dialogarem de fato. É um momento que as escolas não devem perder. A escola tem um papel de provocar, cutucar. Precisa mostrar o sentido do que estão estudando na escola. Mostrar que a ciência, o debate científico e o método científico são importantes. A linguagem é importante. Disciplinas científicas parecem distantes da realidade, mas estão salvando vidas”, diz o professor.

Saudade da escola

Maria Estefânia Sabino Freitas é professora de história e de Núcleo de Trabalho, Pesquisas e Práticas Sociais (NTPPS) no ensino médio da Escola de Ensino Médio Vereadora Edimar Martins da Cunha, na comunidade de Caio Prado, em Itapiúna, no Ceará. A escola está fechada desde o final de março.

A professora mantém contato com os alunos durante a quarentena. Passa atividades pelo WhatsApp, pelo Google Formulários, pelo Google Sala de Aula e orienta o uso do livro didático. “Além de atividades, enviamos palavras de acolhimento, solidariedade e motivação para os estudantes pelo Whatsapp ou pelo Instagram”, afirma.

A educadora usa atividades de motivação, autogestão, autocuidado, entre outros, em vídeo, para incentivar a continuidade dos estudos e o contato entre os estudantes. “Uma aluna criou um grupo para dar atenção e ajudar os alunos da turma que estavam com dificuldade. Ela entrou em contato com os professores para informar sobre alunos com mais necessidade”, conta.

Muitos deles não têm em casa um ambiente favorável para estudar, se sentem desmotivados por não conseguirem responder as atividades e por estarem distantes dos colegas

Apesar da disposição de muitos alunos para fazerem as atividades em casa, Estefânia diz ser possível um aumento da evasão. “Parte dos alunos se sentem distantes da escola por não terem aulas presenciais. Muitos deles não têm em casa um ambiente favorável para estudar, se sentem desmotivados por não conseguirem responder as atividades e por estarem distantes dos colegas que os incentivavam e ajudavam na escola.”

“Neste período de pandemia e isolamento social, muitos têm sofrido com problemas de ansiedade, dificuldades em casa, precisam trabalhar e sofrem com a falta de acesso à internet”

A educadora acompanha a situação dos alunos. “Neste período de pandemia e isolamento social, muitos têm sofrido com problemas de ansiedade, dificuldades em casa, precisam trabalhar e sofrem com a falta de acesso à internet. Existe uma somatória de fatores que os leva a querer desistir. Além de casos de alunas grávidas, o que, certamente, traz uma série de dúvidas e preocupações”, explica. Nenhum aluno teve a doença, mas há relatos de perdas de parentes e amigos. “Os alunos estão vivenciando o luto, a perda de referências e afetividades em suas vidas”, diz.

Maria Idalina de Oliveira Alves, de 18 anos, é aluna de Estefânia. A jovem cursa o terceiro ano do ensino médio. Durante a quarentena, ela estuda em casa. Faz atividades enviadas pelos professores por WhatsApp e tira dúvidas da mesma forma. A estudante diz que pretende voltar aos estudos após o fim da pandemia. “Sinto muita falta, porque na escola eu conseguia aprender e me divertia muito com meus amigos”, diz.

Ela ainda conta que percebeu mudanças em seu comportamento durante a quarentena. “Estou muito estressada e sensível com as coisas que acontecem comigo. Fiquei muito agressiva também”, afirma. Ao fim do ensino médio, ela diz que quer procurar um trabalho.

Um retrato do ensino médio público do país pode ser visto no documentário “Nunca me Sonharam”, de 2017, apresentado pelo Instituto Unibanco e produzido pela Maria Farinha Filmes. O longa dá voz a estudantes, gestores, professores e especialistas para mostrar desafios, expectativas e sonhos dos estudantes e refletir sobre o valor da última etapa da educação básica.


Documentário “Nunca me sonharam”Agende sua exibição gratuita

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Busca ativa

A Busca Ativa Escolar, realizada por Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), Undime (União dos Dirigentes Municipais de Educação), Congemas (Colegiado Nacional de Gestores Municipais de Assistência Social) e Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde), é uma iniciativa criada nos últimos anos e que pode ser ainda mais usada após o período de isolamento social. A organização prepara profissionais para atuar na busca de estudantes da educação básica que deixaram a escola. Eles procuram entender os motivos do abandono e levá-los de volta à sala de aula. Desde o início de 2019 até o final de maio, 49 mil crianças já tinham sido rematriculadas após a atuação da busca ativa, segundo Ítalo Dutra, chefe de Educação do Unicef no Brasil.

Para o estudioso, o fechamento das escolas foi pouco preparado para estabelecer rotinas continuadas de estudos aos alunos. “As redes ainda estão se organizando para manter algum tipo de vínculo com os estudantes. Sabemos que os secretários já estão se preparando para voltar às aulas. Terão que reconhecer que as diferenças e desigualdades serão aumentadas no retorno, porque muitos estudantes não tiveram vínculo com a escola. Por isso, será necessário que Estados e municípios saiam em busca dos meninos que não aparecerem”, diz Ítalo.

“É necessário oferecer currículos mais interessantes para serem adaptados às necessidades de aprender”

A Busca Ativa Escolar desenvolveu metodologias com foco em serviços já existentes nas cidades e Estados. Inclui também a atuação de agentes de saúde, lideranças comunitárias e religiosas. De acordo com Ítalo, a maior parte das famílias de estudantes que deixaram a escola alega que os adolescentes não têm mais interesse por estudar. Há ainda casos de problemas de saúde do adolescente ou de algum familiar, o que deve aumentar após a pandemia de COVID-19, além de situações de violência. Outro motivo comum é a mudança de bairro ou de cidade. “A estratégia que trabalhamos no ensino médio é a da trajetória de sucesso escolar. É preciso enfrentar a cultura de fracasso escolar. O foco é no final do ensino fundamental para que cheguem ao ensino médio. É necessário oferecer currículos mais interessantes para serem adaptados às necessidades de aprender.”

Outro exemplo de projeto que deu certo para levar os estudantes de volta para a escola é o “Alunos Colaboradores” da escola estadual Adolfina Zamprogno, em Vila Velha (ES). Lá, colegas foram à casa de alunos que faltavam com frequência para saber o que estava acontecendo. Com o problema identificado, a escola estudava como levá-los de volta, o que foi possível em muitos casos. É o que contou a gestora da escola Ângela Maria Soares em um vídeo de 2017 filmado para Banco de Soluções do Observatório de Educação do Instituto Unibanco.

Minas Gerais

Em Minas Gerais, a secretaria estadual de Educação criou um grupo de trabalho para pensar em ações de acolhimento e redução da evasão escolar durante a quarentena e no retorno das aulas presenciais, segundo Flávia Paola Félix Meira, coordenadora de Educação de Tempo Integral da secretaria.

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A secretaria organizou diferentes tipos de atividades de estudos remotos, como apostilas, internet, aplicativo e teleaulas. “O Regime de Estudo Não-Presencial busca proporcionar a continuidade da relação com a escola, mesmo que de forma não presencial, de maneira que os estudantes não percam de forma brusca o contato com a atividade escolar, evitando, assim, que venham a abandonar completamente os estudos”, diz Flávia.

Está em construção, segundo a coordenadora, uma ação com foco em cuidado e acolhimento nas escolas. “Será realizada a fim de pensar como estes estudantes estão lidando com seus sentimentos e angústias nesse cenário em que passa o mundo, atentando sempre às medidas de cuidado e prevenção. Estas ações serão conduzidas pela própria escola,  para fortalecer ainda mais o laço do estudante com este espaço”, afirma Flávia.

Antes da pandemia, a secretaria já tinha iniciativas para evitar a evasão, como a educação em tempo integral, com foco no projeto de vida do estudante; um projeto de aprimoramento pedagógico, cursos profissionalizantes, busca ativa, ações de protagonismo juvenil e reforço escolar.

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educação integral, ensino médio, Série Observatório de Educação – Ensino Médio e Gestão, socioemocionais

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