Como flexibilizar a aprendizagem durante a quarentena - PORVIR
Crédito: Aliaksandr Bahdanovich/iStockPhoto

Coronavírus

Como flexibilizar a aprendizagem durante a quarentena

Professores podem desenvolver atividades colaborativas que respondem ao interesse dos alunos, favorecem a interação e criam oportunidade para cada um compartilhar o que fez em casa

por Tim McNamara ilustração relógio 27 de abril de 2020

Com alunos distantes, aulas interrompidas e provas suspensas ou canceladas, professores em quarentena por causa da pandemia do novo coronavírus (COVID-19) têm a oportunidade de explorar maneiras criativas de oferecer experiências significativas de aprendizagem para seus alunos. Com estratégias mais flexíveis, é possível continuar a apoiar a evolução e desenvolvimento dos estudantes mesmo em meio ao distanciamento social. Com recursos emocionais e materiais limitados, o que deve ser priorizado durante este período?

Aqui vão três estratégias que podem ser consideradas:
– Construção de comunidade;
– Integração dos interesses dos estudantes ao currículo;
– Criação de oportunidades de compartilhamento do trabalho desenvolvido e do que foi aprendido.

Essas estratégias devem estar sempre presentes em sala de aula, mas são especialmente importantes agora. Separei algumas explicações e exemplos de práticas pedagógicas relevantes. Espero que os educadores cheguem ao final deste artigo conhecendo práticas possíveis de serem implantadas agora, mesmo a distância.


Saiba mais:
– Live do Porvir: Paulo Blikstein: as aulas remotas e o impacto futuro da pandemia
– Guia Tecnologia na Educação do Porvir
10 passos para montar o plano de contingência


Construindo uma comunidade à distância

A realidade do distanciamento social provoca duas situações indesejáveis de uma vez só: 1) acaba com as interações diárias que representam uma parte considerável das recompensas psíquicas de frequentar a escola e 2) amplia a dificuldade de compartilhar um propósito comum com os colegas.

Neste contexto, os alunos se beneficiam da concreta e perceptível presença de uma comunidade de amigos e professores. E como podemos resgatar esse sentimento?

Checar se está tudo bem é essencial

Com interação simultânea limitada, os professores podem ficar tentados, para estabelecer uma rotina de aulas e transmitir conteúdo, a adotar encontros online para manter uma rotina fixa e também passar tarefas diretamente aos alunos. Isso não costuma funcionar. Uma vez que os alunos precisam estudar de forma independente, as interações ao vivo precisam se preocupar mais na parte motivacional e em fazer com que eles se sintam conectados.

Dedicar o início desses encontros online a interações mais pessoais, por outro lado, pode ajudar a criar o senso de comunidade que estudantes e professores precisam. Saudações para começar o dia, dinâmicas divertidas como forma de aquecimento e pedir aos alunos que façam a apresentação aos colegas de algum objeto simbólico que possuam em casa são ideias que podem atender a esse propósito. Peça aos alunos que compartilhem mais sobre si mesmos em um jogo no qual dizem duas verdades e uma mentira. Ou ainda, abra espaço para que eles contem minibiografias próprias com seus pontos fortes e habilidades.

Atividades em grupo

O trabalho individual autodirigido é valioso, mas as tarefas em grupo ainda são possíveis. Os alunos podem criar finais para as histórias feitas por um outro colega, oferecer retorno avaliativo e compartilhar ideias sobre problemas matemáticos com resposta aberta.

Fazer mudanças frequentes nos grupos durante essas tarefas também traz benefícios: os alunos acabam conhecendo melhor seus amigos e aqueles que têm dificuldade em participar, por qualquer motivo, não impõem um desafio extra a um aluno em específico por um longo período de tempo.

Projetos em grupo

Se a conectividade e o currículo da escola permitirem, o trabalho colaborativo a distância também é possível. Os alunos podem formar grupos com amigos que ajudam a manter uns aos outros engajados e aprendendo. Eles podem trabalhar como uma equipe, por exemplo, para desenvolver um vídeo sobre gravidade, com um aluno ficando responsável pelas filmagens, outro por criar uma trilha sonora, e um terceiro trabalhando para a apresentação dos dados experimentais.

Integração com os interesses dos estudantes

Quando os professores têm a oportunidade de explorar o que os alunos aprendem e fazem, focar as atividades nos interesses deles parece um caminho promissor.

No livro “Em busca de aprendizagem mais profunda”, publicado em 2019, o pesquisador Jal Mehta e a educadora Sarah Fine compartilham evidências, a partir de visitas escolares e entrevistas, que demonstram que alunos se mostram mais engajados e em condições de aprender mais quando participam de atividades extracurriculares, como clubes, atividades físicas, jornais estudantis, mentorias, estágios, etc.

Essas conclusões fazem sentido de forma intuitiva, uma vez que se espera um maior engajamento quando os educadores dão atenção às escolhas e interesses dos alunos.

Em uma reflexão sobre os desafios e oportunidades da educação, Mehta publicou neste mês uma palavra de incentivo aos educadores a mudarem o currículo para uma abordagem centrada no aluno: “A motivação intrínseca é mais importante no espaço online e, portanto, existe um benefício em encontrar tarefas que atraiam os interesses e curiosidades dos alunos”, disse o pesquisador em entrevista ao site EducationWeek.

Escolha e interesse

Uma maneira de melhorar a aprendizagem a partir do interesse dos alunos é permitir que eles demonstrem isso em formatos de sua escolha: arte, músicas, infográficos, poemas, ensaios, filmes. Uma escolha do meio preferido permite que os alunos trabalhem com ferramentas que lhes interessem e os incentiva a usar os materiais disponíveis em casa.

Uma abordagem possível é que estabelece um ponto central conectado a outros mais periféricos. Os alunos aprendem um conjunto básico de habilidades e conteúdo e, em seguida, estendem sua exploração em direção a temas de sua própria escolha. Por exemplo, após construir um entendimento dos conceitos fundamentais e habilidades de pesquisa, uma unidade sobre a globalização poderia permitir que estudantes de forma individual (ou pequenos grupos) se aprofundem no papel da tecnologia, cultura, raça, política ou economia, de acordo com o que os chamar mais a atenção.

Torne os interesses dos estudantes parte do currículo

Abordagens mais radicais também podem valer a pena, especialmente dentro de contextos em que o professor conta com apoio da gestão ou, para ser honesto, quando a participação dos estudantes é tão baixa que demanda medidas drásticas.

Os professores conseguem desenvolver um projeto a partir de perguntas dos alunos sobre o mundo e sobre si mesmos? O professor do ensino fundamental 2 Bobby Shaddox fez exatamente isso e conseguiu informações valiosas (conheça o projeto final aqui ou também o Guia Participação dos Estudantes na Educação do Porvir).

Outra abordagem, para as escolas de ensino médio, pode ser suspender as aulas “regulares” por um mês ou mais e passar a oferecer projetos interdisciplinares menores e projetados de acordo com o interesse dos estudantes. Eles ou elas poderiam escolher projetos como “O que significa para mim ser uma mulher poderosa?”, “Como podemos reduzir o uso de canudinhos de plástico em nossa cidade?” e “Quanto tempo levará para o desenvolvimento de uma vacina para o coronavírus?”

Oportunidades para compartilhar trabalho e aprendizagem

Enviar trabalho através de um cabo de internet que entra pela parede pode levar o aluno a acreditar que o que ela ou ele cria não é importante e que pode ser rapidamente esquecido. Este medo tem consequências: impede os alunos de participar, leva a uma desvalorização do papel da escola e faz com que se sintam atraídos por lugares que julgam fazer mais sentido.

Quando os alunos que mais precisam de ajuda estão mais propensos a se desinteressar, os professores devem priorizar a busca de maneiras significativas e solidárias de destacar o trabalho dos alunos e compartilhá-lo com o mundo.

O público mais óbvio e imediato consiste nos pares dentro da sala de aula. Seja de forma síncrona ou assíncrona, criar um ritmo constante para compartilhar o trabalho dos alunos para celebrar pontos brilhantes e, diplomaticamente, identificar pontos para melhoria ajuda a destacar a importância da criação e produção de cada um.

Nas videoconferências, os professores podem clicar para ampliar a imagem de um aluno como se o pedisse para ir para a frente da sua turma e compartilhar seu trabalho. Outra dica é criar o hábito de iniciar e-mails e outras comunicações com destaques do trabalho dos alunos.

Expandir o público-alvo pode ser, de certa forma, mais fácil do que se todos estivessem na escola. Os alunos podem ser incentivados a apresentar trabalho aos pais e responsáveis, talvez até formalmente por meio de uma videoconferência. A plataforma ShareYourLearning.org (em inglês) reúne recursos e ferramentas para ajudar alunos a apresentar seus trabalhos durante as aulas remotas.

Encontros ao vivo podem permitir que pais, avós e outros profissionais escutem, revisem criações de estudantes e ofereçam retornos avaliativos. Nesses casos, os professores devem estabelecer regras para a discussão e insistir para que a avaliação comece pelos pontos positivos.

Aprendizados para o amanhã

Como é possível avaliar os impactos e os resultados de um trabalho centrado na construção de comunidade, interesses dos estudantes e compartilhamento de trabalho?

Além de dados sobre a participação dos estudantes, os professores podem ter, por meio de questionários, uma noção de como os próprios alunos se sentiram parte de uma comunidade e como seus interesses e curiosidades foram atendidos.

Perguntas abertas, como “O que é um grande aprendizado para você?”, ajudariam os professores a isolar o que mais importou para os alunos, ajudando assim a aprofundar a compreensão sobre como cada um evoluiu, seja online ou presencialmente.

Os professores podem acompanhar quem viu, celebrou ou ofereceu um retorno avaliativo sobre o trabalho dos alunos, e também avaliar o impacto que o público teve na qualidade do trabalho produzido. Os professores podem coletar exemplos e identificar espaços, digitais ou não, para exibi-los. Desta forma, a avaliação flexível da aprendizagem avança da prestação de contas para a curadoria, um movimento que pode se tornar importante.

Os livros sobre educação durante a pandemia do coronavírus ainda não foram escritos, mas espero que eles sejam preenchidos com exemplos de criações inspiradoras feitas por estudantes e com histórias divertidas sobre experiências de aprendizagem significativas.

Como isso, pode haver uma maior chance, depois que toda essa situação terminar, de que gastemos o nosso tempo em atividades pedagógicas que realmente importam.

*Deve-se observar que as escolas, como centros comunitários, precisam estar preparadas para ajudar a fornecer alimentação, computadores com acesso à internet, além de oportunidades formais e informais para estudantes e professores trabalharem suas experiências e respostas emocionais relacionadas ao desafio global que vivemos agora. Muitas estão fazendo exatamente isso. A maioria das escolas está tentando oferecer algum tipo de aprendizagem flexível e é sobre isso que o artigo aborda. Reconheço que estabelecer uma diferença entre escola como centro comunitário e escola como instituição de aprendizagem é um pouco problemático, mas continuo a ter esperança de que as ideias aqui partilhadas apoiem os professores a trabalhar em circunstâncias desafiadoras.


TAGS

aprendizagem baseada em projetos, aprendizagem colaborativa, autonomia, competências para o século 21, educação infantil, educação online, ensino fundamental, ensino médio, tecnologia

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