Conheça mulheres que fazem a diferença na gestão escolar
No Brasil, a educação básica reúne 163 mil gestores; 8 em cada 10 são mulheres. Confira a trajetória de algumas diretoras e suas recomendações para liderar uma escola
por Ana Luísa D'Maschio 29 de março de 2023
Em 1997, quando se mudou para o bairro Nordeste de Amaralina, em Salvador (BA), a professora Nadjane Brito decidiu arregaçar as mangas. Queria ajudar a mudar a realidade da comunidade que tão bem a recebeu, mas considerada, por muitos anos, como o bairro mais violento da capital baiana.
Com o apoio do marido, Florisvaldo, montou a escola Passos do Saber. Uma das primeiras alunas da educação infantil foi a filha, Queila Jane, com apenas dois anos de idade. “A educação pode transformar o meio. Queria oferecer às crianças vizinhas a mesma educação que pensei para minha filha”, diz Nadjane. À época, dividia o cargo de alfabetizadora com a direção da escola; o expediente duplo durou por 12 anos até Nadjane assumir integralmente a gestão.
A escola foi crescendo, bem como a família. Quésia nasceu e também frequentou a Passos do Saber. Hoje as duas filhas lá trabalham: Queila, com 29 anos, formada em pedagogia e pós-graduada em gestão e coordenação pedagógica, é a coordenadora do ensino fundamental. Quésia, de 25 anos, é a responsável pela área de recursos humanos. E Florisvaldo segue como diretor financeiro. Literalmente, Nadjane tornou-se a chefe da família, compartilhando a vida profissional com seu marido e filhas.
Ao contrário de outras profissões, nas quais a presença de mulheres em cargos de liderança ainda menor (o Ministério da Economia aponta que elas ocupam 42,4% das funções de gerência, sendo 13,9% em cargos de diretoria e 27,3% em superintendências), a educação passa, majoritariamente, pelas mãos femininas. De acordo com o Censo Escolar 2022, em um universo de 163 mil gestores da educação básica no Brasil, 8 entre cada 10 são mulheres. E, neste mês das mulheres, a seção Área do Gestor dá voz a algumas líderes que vêm fazendo a diferença.
“As mulheres são educadoras natas, mais detalhistas, mais profundas”, define Flávia Fulgêncio, fundadora do Be Bilingual Education. “Escolas que contam com mulheres na gestão geralmente são muito acolhedoras, atentas aos detalhes, atentas ao ser humano de forma integral”, ressalta.
Equidade é palavra-chave
No dia em que atendeu o Porvir, a diretora Élide Martins Rodrigues da Escola Portal (antigo Colégio Objetivo) localizada em Sorocaba (SP), tinha conversado longamente com uma mãe, cuja filha tem transtornos de aprendizagem. O acolhimento foi a palavra-chave durante o bate-papo. “Sei o quanto é difícil para a família lidar com essa questão. Por isso, disse a ela que conversaria como uma educadora que sou”, conta a diretora. “Mulheres são multitarefas. Temos um olhar panorâmico, sistêmico, com atenção para o pedagógico e, ao mesmo tempo, para o emocional, com uma sensibilidade aguçada. Isso é um grande diferencial na hora de gerenciar e atender a complexidade de uma escola”, acredita.
Na região Sul, Cláudia Toldo, supervisora de ensino da Rede Notre Dame, concorda que a gestão feita por mulheres traz um olhar mais empático e resiliente. “A delicadeza é uma característica feminina. Gosto da organização, de ter noção do todo. A mulher consegue promover um trabalho mais colaborativo entre seus pares. Tem um perfume diferente”, diz. “Ao mesmo tempo, creio ser imprescindível que as mulheres trabalhem com homens na gestão. A diversidade é muito importante”, reforça.
Cláudia conta não ter tido qualquer problema ou olhares enviesados por ser uma mulher à frente da escola. Élide tampouco, mas a gestora de Sorocaba encontrou uma resistência em aulas de educação executiva, quando decidiu aprender mais sobre gerenciamento e encontrou um público majoritariamente de empresários e diretores de multinacionais. “Eles não entendiam por que uma pessoa de escola estava ali. Parece que o diretor da escola não é um diretor como de qualquer outra instituição”, lamenta Élide.
As aulas a apoiaram a levar aspectos do executivo para o educacional, como o uso exclusivo de mesas coletivas. “Aqui na escola não usamos carteiras. Precisei explicar para os pais: ‘Quando você faz uma reunião de trabalho, onde você se senta? Ao redor de uma mesa, certo?’ Todos os momentos importantes partem de reuniões em uma mesa coletiva, mesmo o almoço de domingo. Por que não ter isso na escola?”, argumenta.
À frente de oito escolas da rede, distribuídas entre Rio Grande do Sul, São Paulo e Brasília (DF), Cláudia acredita que o respeito na liderança de uma escola se conquista por competência e capacidade de lidar com as coisas boas e com os desafios. “Precisamos ter satisfação, alegria, empatia. Se o gestor não se anima, não realiza bem seu trabalho, como os coordenados vão fazer?”, questiona.
E essa liderança passa pelo suporte em todos os meios, inclusive os tecnológicos.
Apoio digital
Para Élide, Claudia e Nadjane, a tecnologia tem papel fundamental na gestão escolar. “A escola fala muito de personalizar e potencializar a educação, mas isso não sai do subjetivo. Quando estamos na gestão, precisamos confiar em dados e quem os traz com maior clareza é a tecnologia”, diz Élide.
O COC Paulínia, no interior de São Paulo, também é dirigido por uma mulher e a tecnologia passa igualmente pelo projeto pedagógico na tecnologia. Patrícia Bueno coordena a parte pedagógica enquanto o marido gere a parte administrativa do colégio. Ela diz que a diferença entre sua escola e as outras da região não perpassa só pela questão de gênero, mas sim por sua formação, pois seus concorrentes diretos são empresários. “Eu sou da área educacional e acho que isso é crucial para a direção. Tanto que a escola começou com 14 alunos e hoje, apenas cinco anos depois, tem quase mil estudantes”, celebra.
Da agenda digital de contatos com as famílias, passando pelos plantões de dúvidas online e até as aulas de robótica, a gestora comenta que o domínio digital oferecido pela rede foi crucial para as aulas durante o ensino remoto. “Seguimos com esses recursos porque são diferenciais dentro do sistema”, comenta.
Formada em pedagogia, dona de 12 pós-graduações e dois concursos públicos, Patrícia também foi professora universitária e nunca quis ficar sossegada, como ela mesmo define. “Muita gente fala: professor ganha pouco, é curso de mulher… Não vejo assim. Ter uma carreira bem-sucedida depende de você. A educação tem o poder de transformar vidas”, afirma Patrícia, que já planeja mais um curso para adicionar ao currículo.
Acompanhamento e implantação
Quando programas ligados à tecnologia são levados à escola, as gestoras costumam se preocupar mais detalhadamente com acompanhamento e implantação, comenta Rosemar Seixas, representante do departamento de educação da Secretaria Municipal de Queimados, no Rio de Janeiro. São 34 escolas municipais na cidade, e apenas duas delas são dirigidas por homens. “Percebo que elas são mais contundentes, mais questionadoras das situações adversas que às vezes passam, ou no que se refere às proposições da Secretaria de Educação antes de realizar as ações”, afirma.
Rosemar exemplifica: quando a rede adquiriu tablets para serem usados na escola, as gestoras trouxeram perguntas, mais aspectos relacionados às fragilidades da utilização de tecnologias, fazendo com que a proposta fosse pensada coletivamente.
“Elas realmente entendem que toda ação pedagógica, mais especificamente nas tecnologias, tratam-se de uma maratona, não de uma corrida curta”, explica Rosemar. “No meio do caminho você pode se deparar com o cansaço, com uma subida, e pensa: ‘Não vamos conseguir, não temos equipe’. Mas coloca toda sua energia e, lá na frente, verifica como tem gerado impacto positivo para os alunos, que se encantam: para muitos é o primeiro contato com tecnologias. Para nós, essa linha de chegada é o acesso à tecnologia e o aprimoramento do processo educativo”, compara.
O mesmo trajeto acontece quando outros programas de longa duração chegam à escola, conforme explica Flávia Fulgêncio, do Be Bilingual Education, trazendo como exemplo a implementação da educação bilíngue. “Quando o currículo chega às escolas, elas ficam mais atentas, inteirando-se melhor do conceito de educação bilíngue não apenas como aquisição linguística, mas sim como um acesso acadêmico e social”, diz. Para Flávia, gestoras e gestores entendem que um novo idioma permite entender uma nova cultura e traz um novo modo de pensar e transitar pelo mundo.
Rosemar finaliza reforçando a importância de cargos femininos em todos os lugares. “Temos uma percepção mais humanizada, mas nem por isso menos técnica ou menos competente.” Para a especialista, o mais importante é liderar sem perder o olhar humano.