Cumprir objetivos da ONU para educação depende de comunidades, escolas e empresas
Os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) são um convite para incentivar o empresariado a apoiar questões sociais. E a educação é um meio para atingir todos eles, dizem especialistas
por Ana Luísa D'Maschio 26 de maio de 2022
Erradicar a pobreza global, garantir educação de qualidade para todos e promover o desenvolvimento social, ambiental e econômico até 2030. Essas são as metas da Agenda 2030 da ONU (Organização das Nações Unidas), documento que define prazos para que os governos de 193 países, incluindo o Brasil, atinjam 17 objetivos globais, os chamados ODS (Objetivos do Desenvolvimento Sustentável).
Fortalecer o assunto nas escolas, nas empresas e na comunidade, em especial ao que se refere ao ODS 4, voltado a “assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos”, está no foco de atuação do Instituto Significare.
Responsável, em parceria com a Bett Brasil, pelo Prêmio Professor Transformador e por reunir em sua plataforma centenas de práticas pedagógicas ligadas à BNCC (Base Nacional Comum Curricular), o Instituto Significare oferece formações e consultorias a instituições privadas interessadas em apoiar a educação pública no entorno de suas sedes, filiais e escritórios – atuando, assim, de maneira ativa nas questões comunitárias.
“O mundo precisa ser entendido como uma grande rede”, afirma Wellington Cruz, professor e presidente do Instituto Significare. “De um lado, o professor prepara seu aluno para se tornar o cidadão sustentável de amanhã. De outro, as empresas podem articular a comunidade do seu entorno, que pode gerar futuros funcionários, para que se tornem capacitados, competentes, a fim de encarar os desafios que estão por vir. Tudo isso pode ser articulado com base nos ODS”, detalha.
As empresas são agentes poderosos para a construção do desenvolvimento local quando quando alinhadas à educação pública e transformadora, explica Wellington. “Se não há uma boa governança, um guia de comportamento interno adequado, as empresas perdem dinheiro. Falta de confiança causa um prejuízo imenso. É preciso estabelecer um lucro realmente pautado em transparência. Por isso, as instituições estão começando a perceber a importância dos ODS em suas práticas, refletindo exatamente sobre o que fazem”, diz.
Empresas que dialogam com os ODS estão conectadas com um mundo mais sustentável. Ao investir no sistema educacional, criam laços de confiança com a população, desenhando, assim, um retorno a curto e a longo prazo – com contratações futuras mais assertivas, por exemplo, reforça o presidente do Instituto Significare.
ODS e EDS: diferentes siglas, um mesmo objetivo
A Agenda 2030 considera os atuais desafios sociais, econômicos e ambientais como indivisíveis e, assim, demanda respostas integradas, explica Maria Rebeca Otero Gomes, coordenadora do setor de Educação da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) no Brasil. “A educação representa uma estratégia essencial na busca pela concretização dos ODS”, reforça.
Para a coordenadora, os ODS podem (e devem) estar presentes no sistema educacional. Ela traz o exemplo do currículo do município de São Paulo, pioneiro em todo o mundo ao alinhar os ODS aos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento, não só no documento em si, mas também na formação dos professores.
Não basta que se decore os ODS; é preciso entender, de maneira prática, cada um deles, e como acontece a relação com a educação, pontua Wellington Cruz. Vale lembrar que a Unesco é a agência líder das Nações Unidas neste tema, promovendo a EDS (Educação para o Desenvolvimento Sustentável) desde 1992. Maria reforça: “Agora, podemos dizer que o impulso para a EDS nunca foi tão forte. Questões globais como a mudança climática, por exemplo, ou até mesmo as consequências que sofremos com a pandemia, exigem ainda mais uma mudança urgente no nosso estilo de vida e uma transformação do nosso modo de pensar e agir.”
Para ela, a Agenda 2030 reflete claramente a importância de uma resposta educacional adequada. “A educação é explicitamente formulada como um objetivo independente – o ODS 4, e a EDS, na meta 4.7 deste ODS. Numerosas metas e indicadores relacionados à educação também estão contemplados em outros ODS. A educação é tanto um objetivo em si mesmo como um meio para atingir todos eles. Não é apenas uma parte integrante do desenvolvimento sustentável, mas também um fator fundamental para a sua consecução.”
Maria afirma que os ODS representam, ainda, uma oportunidade para o trabalho pedagógico nas diferentes áreas do conhecimento, ou até mesmo interdisciplinares, com os Temas Contemporâneos Transversais previstos na BNCC. Clique aqui para baixar, gratuitamente, os 10 cadernos da Unesco voltados ao tema.
ODS e as empresas
No Brasil e no mundo, empresas já têm contemplado a sustentabilidade em alinhamento com a Agenda 2030 em suas atividades, mas muitas delas ainda de maneira superficial, observa o fundador da consultoria Ideia Sustentável, Ricardo Voltolini. “Algumas fazem o que chamo de ‘colar selinhos’. Olham os 17 ODS e pegam apenas as atividades relacionadas ao meu negócio. Se for uma empresa de saneamento, cola-se o selinho do ODS 6, água potável e saneamento. O alinhamento real pressupõe uma conexão com estratégias de negócios”, diz. “Outras empresas, porém, saem da espuma e mergulham mais profundamente nos ODS.”
Ricardo ressalta as múltiplas possibilidades que as instituições privadas têm para conectar educação e atividade empresarial. “Quando você olha para uma empresa, ela nada mais é do que uma comunidade de pessoas que vende produtos ou serviços para outra comunidade. Veja quantas comunidades a empresa pode olhar a partir de programas educacionais voltados para o desenvolvimento da educação pública, dos colaboradores, com propostas destinadas a melhorar carreiras, por exemplo.”
Além das grandes corporações, pequenas e médias empresas podem empreender no setor educacional. Em Santa Cruz do Rio Pardo (interior de São Paulo), a Special Dog Company, uma empresa familiar, começou a atuar com esse objetivo. Fundada em 2001, criou sua área de desenvolvimento sustentável em 2015 e, há cinco anos, investe na formação continuada de professores, com capacitação para os profissionais da secretaria municipal de educação, em parceria com o Instituto Avisa Lá.
“As secretarias municipais de educação são protagonistas destas parcerias. Nosso papel é ser um elo, uma ponte para atender às demandas da comunidade. Nosso desenvolvimento está atrelado a ela”, conta João Paulo Camarinha Figueira, gerente de desenvolvimento sustentável da Special Dog.
João explica que, quando a empresa começou a trilhar a responsabilidade social de maneira mais estruturada e não mais vista como apenas filantropia, como no início das atividades, passou a utilizar os ODS para facilitar a comunicação interna, a fim de sensibilizar os colaboradores sobre os desafios de um mundo mais sustentável. “Atuamos, com diferentes intensidades, em todos os ODS. Usamos a comunicação corporativa, recebemos integrantes do Pacto Global da ONU para workshops e palestras. Tenho certeza de que, se a gente chegar agora em qualquer área da empresa, as equipes conseguem falar minimamente sobre o que é cada um dos objetivos.”
A empresa também gerencia o Centro Cultural Special Dog, com aulas gratuitas de arte, culinária, música e outras atividades para aproximadamente 500 crianças, adultos e idosos da cidade (ou ligados às famílias dos funcionários).” É uma maneira de devolver para essa comunidade aquilo que ela nos entrega, uma forma de potencializar o desenvolvimento dessas pessoas”, conclui João.