Pandemia aproxima famílias e escolas, mas expõe fragilidades - PORVIR
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Coronavírus

Pandemia aproxima famílias e escolas, mas expõe fragilidades

Escola em casa expõe dificuldades do trabalho docente e reforça importância da parceria pela educação de crianças e jovens

Parceria com CLOE

por Maria Victória Oliveira ilustração relógio 23 de fevereiro de 2021

“Antes da pandemia, eu conhecia meu filho exatamente assim: apenas como meu filho. Com as aulas à distância, passei a conhecer o Lorenzo como aluno, e percebi o quanto é difícil falar para uma criança sentar e fazer a lição. A fala de Marcos Gama, coordenador de especialistas pedagógicos da CLOE, mostra diferentes aspectos que precisaram ser adaptados com a chegada do novo coronavírus ao Brasil e o início das aulas remotas.

Se antes já existia a necessidade de parceria entre famílias e escolas, essa relação foi um dos pontos centrais na força-tarefa de possibilitar a aprendizagem de crianças e jovens em casa ao longo de 2020. Para agravar ainda mais o cenário, o fechamento das escolas aconteceu no início do ano letivo, momento em que os responsáveis, crianças e jovens estavam conhecendo os docentes.

Marcos explica que o primeiro efeito dessa migração do presencial para o online foi um susto. Todo mundo precisou se adaptar, muitas vezes sem ter conexão de internet e equipamentos adequados. Muitos professores, por exemplo, não tinham qualquer experiência no ensino à distância.

Enquanto algumas pessoas puderam buscar novos equipamentos, pacotes de internet maiores e conhecimentos sobre as tecnologias, essa não foi a realidade de muitos estudantes da educação básica pública brasileira. Tânia Resende, professora da Faculdade de Educação da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e coordenadora do Observatório Sociológico Família-Escola (OSFE), também da UFMG, explica que a suspensão das aulas presenciais levou a uma infinidade de cenários: desde aqueles que experimentaram um aprofundamento dos contatos e interações com a escola, até o caso de famílias em situações mais extremas, que não têm os meios de manter os contatos online e cujas escolas não conseguiram criar alternativas.

Reconhecimento do trabalho docente
Para o caso das escolas que conseguiram encontrar formas de dar sequência, mesmo que à distância, ao aprendizado, passado esse momento de adaptação foi a vez de dar sequência às atividades. “Em diversas situações, os docentes ouviram frases das famílias como ‘eu não sou professor, como vou educar meu filho?’. O que eu, enquanto educador, comecei a refletir com os meus professores é que não, não queremos que as famílias sejam professores, mas é fato que elas têm um papel fundamental na organização da rotina das crianças para prepará-las para as aulas e atividades”, reforça Marcos, exemplificando a organização de tempos, materiais e espaços sem distrações por parte dos adultos para que os alunos possam participar das propostas da escola.

Segundo o coordenador, a cumplicidade entre instituições – escolar e familiar – foi sendo construída aos poucos durante a pandemia, com uma compreensão maior por parte dos pais do importante papel que detém no processo de aprendizagem de seus filhos, seja online ou presencial. Essa relação passa por dois aspectos: a confiança nas propostas realizadas pelos educadores e a valorização do trabalho docente.

“Tudo o que os professores pensam, hoje, em termos de atividades, é norteado por um documento, que é a BNCC [Base Nacional Comum Curricular]. Não existe o envio de atividades aleatórias, são propostas elaboradas de acordo com o que as crianças precisam, no tempo em que elas precisam. Não são somente brincadeiras, tudo tem uma intencionalidade pedagógica”, explica. Além disso, o educador também acredita que, no pós-pandemia, quando as aulas presenciais forem totalmente retomadas, haverá maior qualificação das trocas entre família e professores, com os responsáveis ainda mais interessados no processo de aprendizagem de seus filhos.

Variação da participação familiar
Apesar dos pontos destacados por Marcos, mesmo com a transferências das aulas para a sala de casa, não é possível afirmar que há uma participação maior das famílias na vida escolar de seus filhos em todos os casos. Isso porque, de acordo com a pesquisa A Situação dos Professores no Brasil durante a Pandemia, realizada pela Nova Escola, 58% das famílias estão participando do que é proposto, número que cai para 36% quando considerada apenas a rede pública.

Para Tânia, é possível que a vivência da rotina escolar do filhos em casa realmente possa aproximar famílias e escolas, desde que alguns aspectos envolvendo a aula online estejam assegurados, como a escola conseguir se reorganizar para continuar o trabalho online e as famílias terem condições de acompanhar os filhos – condições que envolvem desde tempo, nível de escolaridade compatível e até mesmo recursos emocionais, isto é, conseguir oferecer apoio aos filhos em meio a um período de incertezas.

“Quando essa situação está dada, ainda que em termos gerais e relativos, temos um novo contexto em que a escola passa a depender mais da família. Ao passo que todo o trabalho escolar é realizado no espaço doméstico, a família tem acesso mais direto à complexidade desse trabalho e os desafios, como, por exemplo, manter as crianças e jovens envolvidos com as atividades escolares. Tudo isso pode aumentar a proximidade e qualificar a relação ao gerar maior empatia, diálogo e cooperação. Mas sabemos que, em grande parte das vezes, as condições citadas não estão asseguradas, havendo um alto nível de estresse e sobrecarga, tanto por parte da escola quanto por parte da família, o que pode intensificar conflitos e incompreensões”, explica a educadora.

Os efeitos de um modelo democrático de participação
Contar com um modelo de participação democrática foi algo que ajudou a escola Manuel Bandeira, em São Paulo, a estreitar os vínculos com as famílias dos estudantes durante a pandemia. O modelo escolhido para manter o contato com famílias e estudantes foi o WhatsApp, por ser um aplicativo de mensagens que a maioria das pessoas têm acesso. Foram organizados grupos das salas com os números dos responsáveis e cada professor enviava atividades, arquivos em PDFs e discutia tópicos que eram trabalhados no Programa Saberes em Casa, da Secretaria de Educação de Guarulhos, disponível no YouTube ou na televisão aberta.

“Nós fazíamos, também via WhatsApp, sondagens avaliativas para que os pais nos dissessem como as crianças estavam e se conseguiam fazer as atividades. Foi quando percebemos que precisávamos de mais atenção dos alunos, porque às vezes o celular ficava com o pai e a criança não tinha acesso. Então começamos a fazer o roteiro mensal com entrega presencial na escola, junto com as cestas básicas”, explica Giselle Beda, coordenadora pedagógica da escola.

Para famílias que enfrentaram dificuldades com a educação dos filhos em casa, a escola disponibilizou, além dos grupos no aplicativo, um contato direto com gestores e coordenadores. Nos casos de dificuldades generalizadas em uma turma toda, por exemplo, a coordenação marcava encontros online com o professor daquela turma.

Além de muitos alunos já contarem com autonomia para gerir os próprios estudos, Giselle aponta que também houve uma parcela grande de pais que compreenderam e participaram das discussões. “Acredito que o principal foi o fato de as famílias serem ouvidas. Nós fizemos uma pesquisa via Google Formulário sobre as sugestões para a escola, e tudo o que nos foi enviado e que era possível de ser feito, nós fizemos. Nos reuníamos com os professores, levávamos as sugestões dos pais e adaptávamos o que estava em nosso alcance”, comenta a coordenadora.

Se a participação dos responsáveis já era uma realidade na escola antes mesmo da pandemia, agora, pais e mães ajudam a pensar até mesmo qual modelo será adotado para a retomada gradual das aulas presenciais. Para Giselle, um dos grandes aprendizados dessa vivência é realmente considerar o que as pessoas têm a dizer. “Não adianta dizer que a opinião é importante e não dar voz. Entretanto, devemos ressaltar que ouvir não significa atender tudo o que pedem. É fundamental que os pais saibam que a escola está aberta ao diálogo, mas precisamos ouvir, conversar e chegar em uma possibilidade que atenda a todos.”

O legado das plataformas digitais
Apesar de não ser realidade para milhões de alunos brasileiros, as plataformas digitais de aprendizagem também representaram uma das alternativas encontradas por algumas escolas para manter o contato com os estudantes e suas famílias. Em muitos casos, as instituições de ensino já faziam uso desses instrumentos, o que foi ainda mais intensificado pela pandemia.

Para Tânia, no caso de famílias que têm acesso a essa possibilidade, as plataformas aumentaram não apenas a segurança da comunicação, mas também a fluidez e eficácia. Mesmo que haja um estranhamento inicial diante dessas novas tecnologias e funcionalidades, a tendência é que esse momento seja seguido pela aprendizagem e incorporação do uso, explica a educadora. Segundo ela, esse pode ser um dos legados da pandemia.

Marcos, por sua vez, pontua que é necessário cuidado com a simples transposição de conteúdo em um ambiente digital, prática que não deve ser encorajada. Para ele, uma boa plataforma digital de aprendizagem precisa pensar em aspectos que envolvem a disponibilização de conteúdos interessantes e fácil navegação e acesso, possibilitando uma experiência agradável para alunos, família e escola.

Próximos passos
Se antes conteúdos, avaliações, calendário letivo, dever de casa e disciplina marcavam as conversas sobre escola, com a pandemia novos temas foram adicionados nesse repertório, como saúde, isolamento, atividades remotas, recursos digitais e outros. Tânia avalia que essas discussões tendem a continuar no processo de retomada, que demandará atenção redobrada aos estudantes. “Será necessária uma avaliação processual das diferentes dimensões do desenvolvimento e da experiência infanto-juvenis, a fim de provê-los com experiências capazes de minimizar as perdas. Mais do que nunca, a colaboração entre escolas e famílias será necessária. A flexibilidade, a abertura ao outro e ao novo continuarão sendo essenciais.”

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TAGS

aprendizagem ativa, coronavírus, educação infantil, engajamento familiar, ensino fundamental

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