de 0 a 5: Tecnologia e educação infantil combinam?
por Redação 12 de outubro de 2023
Há uma relação muito complexa entre tecnologia e idade certa para utilizá-la. Muitas famílias são contra o uso de qualquer tipo de dispositivo eletrônico com as crianças. No entanto, essa não é a realidade de todas as casas brasileiras.
Este episódio reflete sobre a importância de que a escola entenda seu papel na inserção da tecnologia na primeira infância, como deve ser o diálogo entre as famílias e quais as sugestões para garantir um uso saudável – se não for possível ficar sem tecnologia neste período.
Participam deste episódio: Rodrigo Nejm, pesquisador e doutor em psicologia, ex-diretor de educação na SaferNet, ONG focada na proteção dos direitos humanos na internet; Beatriz Abuchaim, gerente de conhecimento aplicado da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, uma organização que atua em defesa da primeira infância, e Carolina Velho, consultora de Educação do UNICEF, a agência da ONU para a infância, no Brasil.
Esta produção recebeu apoio do programa “Fellowship de Reportagem sobre Primeira Infância”, do Centro Dart para Jornalismo e Trauma, da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos.
Ouça o episódio
<<Ruam Oliveira>>
Quando eu era criança, o telefone mais diferente que eu tive acesso foi um aparelho Nokia daqueles pesadões pretos. Meu pai deixava ele lá em cima da mesa, mas eu era meio que proibido de usar.
E olha que não faz muito tempo.
Hoje em dia as crianças, principalmente em casa, estão mergulhadas em tecnologia: desde programas de TV e Youtube até celulares, tablets e computadores.
Mas e na escola, hein?
Nessa nova temporada do De 0 a 5, o podcast do Porvir sobre a primeira infância, nós vamos refletir sobre o uso de tecnologias digitais durante essa fase tão importante da vida. A educação entra em que lugar nessa conversa?
No primeiro episódio converso com Rodrigo Nejm, pesquisador e doutor em psicologia, ex-diretor de educação na Safernet, ong focada na proteção dos direitos humanos na internet; Beatriz Abuchaim, gerente de conhecimento aplicado da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, uma organização que atua em defesa da primeira infância e Carolina Velho, consultora de Educação do UNICEF , a agência da ONU para a infância, no Brasil.
Ajeita seus fones e vem comigo!
<<< trilha >>>
<< Ruam Oliveira >>
Falar de tecnologias digitais na primeira infância é algo bem complexo.
Tem muita gente contra, tem muita gente a favor, tem aqueles que são meio termo – tipo eu – e que entendem que já faz parte do nosso dia a dia usar tecnologia.
Mas vamos nos aprofundar um pouquinho mais nessa questão…
<< Rodrigo Nejm >>
bom essa é uma relação hiper hiper complexa: crianças, especialmente na primeira infância, e tecnologias digitais,
<< Ruam Oliveira >>
Esse é o Rodrigo Nejm
<<< Rodrigo Nejm >>
A gente tem alguns desafios aqui que são importantes, né? Vamos pensar primeiro a velocidade da transformação dessas tecnologias e a velocidade da inserção dela no nosso cotidiano, inclusive na vida de crianças muito pequenas é uma velocidade que não é acompanhada pela velocidade da ciência, capaz de analisar, com todo rigor científico, para gerar evidências tanto dos potenciais benefícios dessas tecnologias, mas também dos potenciais riscos e danos que essas tecnologias podem causar para as nossas crianças…
<< trilha >>
Há muitas discussões e muitas pesquisas em andamento, mas há poucos consensos, mas, no entanto, um dos poucos consensos que a gente tem acompanhado, que passa pela sociedade de pediatria, passa por muitos profissionais da psicologia do desenvolvimento e outras áreas afins também, que é a necessidade de preservar as crianças até dois anos de idade pelo menos das exposições aos estímulos e a gente pode chamar o super estímulos das telas digitais.
<< trecho de propaganda de um brinquedo onde é possível acoplar um iphone >>
https://www.youtube.com/watch?v=HnMiNnov1xQ&ab_channel=vminnovations
<< Ruam Oliveira >>
Esse é o comercial de um macaco de pelúcia com suporte para iPhone. Assim a criança pode brincar e usar o aparelho ao mesmo tempo? Em uma busca rápida eu encontrei até mesmo um peniquinho com suporte para tablet…
<< trilha >>
<< Ruam Oliveira >>
A Sociedade Brasileira de Pediatria lançou um manual de orientação chamado Menos Telas, Mais Saúde, com um panorama sobre os impactos na saúde de bebês e crianças que são expostas a telas.
A organização desaconselha o uso de telas por bebês de até 2 anos.
Com outras idades ela sugere:
<< trilha >>
Dos 2 aos 5 anos: até uma hora por dia;
Dos 6 aos 10 anos: entre uma e duas horas por dia;
Dos 11 aos 18 anos: entre duas e três horas por dia.
Isso seria o ideal… Mas vamos supor que rolou uma pandemia…
<< Rodrigo Nejm >>
Com a pandemia até as próprias sociedades de Pediatria norte-americana e a brasileira também fizeram até algumas atualizações e recomendações, dizendo: olha numa situação como a da pandemia, não expor a criança a tela quando você tem um cenário de exposição para jogos, para poder ver videozinhos, para poder ver desenho, mas a exceção feita a possibilidade de uma criança ver por vídeo é ver e ouvir familiares que estão distantes, né? Aí na pandemia é isso: foi uma realidade para milhões de pessoas, né, poder ver e ouvir avó, o tio, a tia, a única possibilidade foi via uma tela. Então nesse caso você tem uma exposição muito pontual e muito direcionada para um contato afetivo com o ente familiar. O que é Ok e sempre com os adultos acompanhando
<< Ruam Oliveira >>
Mas na pandemia, as crianças também tiveram contato com telas quando precisaram estudar.
Na primeira temporada do De 0 a 5 falamos um pouco disso. Você pode voltar e ouvir mais uma vez para relembrar!
<< Rodrigo Nejm >>
<< trilha inicia durante a fala dele >>
de forma resumida:
A gente tem visto evidências de prejuízos que não compensam os eventuais benefícios de uma criança menor de 2 anos de idade ter acesso às telas digitais. Esse é um dos poucos consensos, né? Até porque a gente sabe que os primeiros mil dias de vida de uma criança são dias extremamente poderosos de desenvolvimento de conexões neurais, de reconhecimento das expressões faciais, de entendimento das diferentes reações emocionais, lendo a face dos adultos, lendo o tom de voz, essas aprendizagens não verbais além das verbais. O contato afetivo, a própria visualização do mundo tridimensional, né? Uma criança que possa circular e ver uma árvore, ver a floresta, ver um lago, o céu com várias posições, vários brilhos, essas experiências sensoriais são muito importantes nos primeiros dois anos de vida e alguns estudos apontam que as crianças que passam horas em tela além de estarem perdendo a chance de serem estimuladas de outras formas, para além da tela, elas também podem ter algumas perdas do ponto de vista mesmo de ampliação das suas conexões neurais, com os múltiplos sentidos que uma brincadeira lá livre pode oferecer muito melhor do que qualquer tela…
<< sem trilha sonora>>
<< Ruam Oliveira >>
Mas, nesse mundo todo cheio de tecnologias, como a escola deve se portar?
<< Carolina Velho >>
A primeira questão que eu trago é de que na educação infantil, em especial com as crianças de 0 a 6 anos, tudo precisa estar mediado por um adulto quando a gente fala de tecnologia.
<< Ruam Oliveira >>
Essa é a Carolina Velho, do Unicef.
<< Carolina Velho >>
Trazer materiais, trazer possibilidades tecnológicas sem a mediação de um adulto não é saudável.
<< trilha >>
<< Carolina Velho >>
<< sem trilha >>
A gente precisa compreender o uso de tela dentro do espaço coletivo que é a escola da infância, né? Então o uso de tela nos berçários, maternais, ou seja, com as crianças de zero a três, não é possível. Assim, a gente precisa entender que existem outras formas da escola, né? apoiar essas crianças e mediar o conhecimento que não as telas, então celular, televisão no maternal ou no berçário é algo que a gente não precisa necessariamente oportunizar para as crianças, né? Acontece? acontece….
<< Ruam Oliveira >>
<< trilha >>
A escola acaba tendo um papel importante de educar o corpo docente e as famílias a respeito desse uso de telas.
A Carol me falou que a relação escola e família é fundamental. Isso porque as crianças passam bastante tempo dentro das escolas ao longo da semana, e aí quando o chega o fim de semana não dá para elas se entupirem de telas, algo que a escola não incentiva.
As crianças dificilmente rejeitam um convite para brincar.
<< Carolina Velho >>
A primeira coisa que criança pequena gosta de brincar, né? << fim da trilha aqui >> Na verdade, elas brincam a maioria do tempo na maioria do tempo. Elas estão brincando mesmo que com as telas né? O grande problema é essa passividade, né? Então são os professores, acredito, podem apoiar as famílias ampliando o repertório das famílias, né? é para outras brincadeiras possíveis com as crianças, né?
<< Carolina Velho >>
Então é isso: depende muito da formação de professor, né? A gente no Brasil, se a gente for olhar para o levantamento que você faz das TICs na educação, a gente nem tem a educação infantil lá então assim a gente não consegue medir.
<< Ruam Oliveira >>
<< sem trilhas aqui>>
As TICs que a Carol está falando são as diferentes pesquisas realizadas anualmente sobre tecnologias da informação e comunicação, desenvolvidas pelo Cetic, o Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação no Brasil.
<< Carolina Velho >>
A gente sim precisa formar os professores, mas a gente enquanto política nacional e levantamento de questões nacionais, a gente precisa entender também um pouco mais como é que as tecnologias vêm sendo utilizadas por eles na educação infantil, né? A gente tem dito aí que os professores desconhecem ou sabem pouco, utilizam muitas vezes de forma equivocada, mas a gente não tem uma real pesquisa, olhar dados sobre isso na educação infantil, né? São poucos os pesquisadores, inclusive dentro das universidades, que vem levantando isso, né? Então o que eu posso dizer é que é os professores podem ter pouco repertório sobre isso, mas o Brasil como um todo tem pouco repertório sobre isso, né então? …
<< trilha >>
<< Ruam Oliveira >>
A questão realmente não é simples.
Para complementar essa reflexão eu conversei com a Beatriz Abuchaim, gerente de conhecimento aplicado da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.
<< Beatriz Abuchaim >>
<< sem trilha sonora>>
Eu acho que a escola tem a missão de suscitar reflexões. Acho que a escola também não tem esse poder, né? – E nem deve ter esse poder – de tentar educar as famílias, mas eu acho que que tem que provocar algumas reflexões. Por exemplo: Aquele pai ou aquela mãe que resolve então ‘não, eu vou proibir que o meu filho use qualquer tipo de tela na primeira infância’, ‘não quero que ele use, não quero que ele pegue o meu celular’, mas eu sou aquele adulto que tá o tempo todo com celular na mão, inclusive em momentos de interação, então a gente vê isso muito acontecendo também. E é claro a criança também aprende por imitação. Então ela vê né, o pai com o celular na mão, ela vai querer naturalmente ver o que que tem ali ela vai se sentir provocada nesse sentido, né?
<< trilha >>
<<Ruam Oliveira>>
E já que estamos em uma sociedade hiperconectada, impedir que as crianças tenham acesso, mesmo que mínimo às tecnologias, pode ser uma tarefa muito difícil (quase impossível).
Como a escola pode apoiar essa missão também?
<< Beatriz Abuchaim >>
<< trilha >>
A escola tem um papel de incluir as crianças nesse universo digital, principalmente crianças que talvez em casa não tenham acesso a essas tecnologias. Então é entender como que funciona um computador, como que funciona uma máquina fotográfica – que até uma coisa do passado porque agora a gente tem o celular–, mas esses objetos tecnológicos… como que funciona uma touch screen, tudo isso são pequenas aprendizagens para uma criança que está sendo incluída no universo digital.
Então isso é muito importante e que esse uso seja feito a partir do que o professor tá trabalhando com as crianças e as possibilidades de planejamento são infinitas
<< sem trilha >>
Eu me lembro de observar uma sala em que o professor tava fazendo um longo projeto sobre a história daquela escola e era uma escola que já tinha mais de 50 anos, então tinha todo um estudo das crianças em relação ao período histórico, o que que aconteceu naquela escola, quais eram as brincadeiras e esse professor usava várias tecnologias para fazer o registro dessas atividades.
Então uma tecnologia, por exemplo, que ele usava era gravar a conversa das crianças naquele momento bem clássico que a gente tem na educação infantil de roda de conversa e que as crianças estavam contando as suas hipóteses em relação a como era aquele tempo e eu justamente observei o momento em que ele estava reproduzindo esses áudios, ele fez uma seleção dos áudios e esses áudios foram provocadores de novas discussões. Então parece até um uso simples, né? Áudio é uma coisa que a gente usa bastante a gente se manda por WhatsApp áudio como depois um depoimento é e ele tava construindo dessa maneira também, ele usou o recurso da fotografia das crianças fotografarem os lugares na escola que pareciam mais interessantes para elas a partir dos
Registros fotográficos as crianças fizeram desenhos então, veja, eu tô contando aqui a história uma pequena história, né de um projeto, mas veja como as tecnologias mais tradicionais como o desenho, por exemplo, que é uma tecnologia, como essas tecnologias mais digitais, elas podem conversar e se entremear e fazer muito sentido porque é essa a nossa vida neste momento, né? A gente tem vários suportes para nos auxiliar tanto no estudo quanto no trabalho e as crianças têm que conhecer esse suportes É sim.
<< trilha >>
<< Ruam Oliveira >>
Essa conversa é rica e vai continuar. Nos próximos episódios você vai ouvir professoras que estão fazendo exatamente o que a Beatriz comentou: usando áudio, vídeo e fotografia para ensinar as crianças como usar a tecnologia de um jeito saudável.
A gente também vai falar sobre a importância de estar com a natureza e viver um pouco desplugado, além de ouvir sobre a relação cotidiana das famílias com as telas.
No Porvir você encontra mais trechos das conversas que tive com o Rodrigo, a Carol e a Beatriz. Os links vão ficar aqui na descrição.
Eu sou o Ruam e te espero no próximo episódio para a gente continuar pensando sobre como a escola pode trabalhar tecnologia e primeira infância.
<< trilha >>
Este podcast foi roteirizado, produzido e editado por mim e contou com o apoio sempre próximo e ajuda do Vinícius de Oliveira, editor aqui do site e da Daniela Tófoli, que é minha mentora na bolsa sobre primeira infância promovido pelo Dart Center for journalism and Trauma, da universidade de Columbia, nos Estados Unidos. Graças a eles conseguimos colocar essa temporada na rua.
As músicas bonitas que ouviram (e vão continuar ouvindo) nessa temporada são do Gabriel Falcão e as artes das redes sociais são do Ronaldo Abreu.
Até a próxima!
<< trilha fica por mais alguns segundos >>
<< fim do episódio >>
Se você não faz uma boa curadoria do conteúdo que a criança vai ter acesso nas telas – e aqui pode ser TV, tablet pode, celular, aplicativo ou canais de streaming de desenho animado – esse acesso precisa ser curado, precisa ser filtrado pelos cuidadores. E os educadores têm um papel importante também porque muitas famílias não sabem nem por onde começar (…)
Destacou Rodrigo Nejm, especialista em tecnologia e educação. Durante a conversa ele pontuou que o Youtube, mesmo a versão para crianças, possui muitos anúncios e ter um adulto ao lado da criança enquanto ela utiliza essas plataformas é fundamental.
“Não tem fórmula, mas tem um esforço de a gente gradativamente cobrar responsabilidades de todos: das próprias plataformas, das instituições que cuidam das crianças, das políticas públicas, que possam fazer sensibilizações massivas. Mas também atuar no âmbito da família, fazer os seus acordos, entendendo que cada família tem a sua dinâmica e seus valores”
Rodrigo disse que é necessário aproveitar a oportunidade que está dada de criar uma curadoria e investir em uma reflexão sobre quais assuntos cada um gostaria que seus filhos e filhas tivessem acesso.
“Quando as crianças estão na frente das telas é importante que o adulto esteja perto, porque é essencial para a gente criar massa crítica. É fundamental que esse adulto possa dialogar com a criança enquanto ela está assistindo alguma coisa, seja um desenho, um jogo ou um YouTuber. É importante ter um adulto ali”
Assim falou Carolina Velho, do Unicef. Ela comentou que esse diálogo também possibilita que, desde cedo, as crianças sejam estimuladas a pensar criticamente sobre o que consomem para que elas não sejam também consumidoras passivas.
Ela também comentou sobre a relação escola e família:
“O professor, a professora, o coordenador pedagógico ,a direção da escola, das unidades de educação infantil precisam compreender que abordar sobre novas tecnologias e as possibilidades digitais não é um trabalho a mais. Esse é um ponto que é uma tarefa da escola, seu papel social é democratizar. Portanto, escutando as famílias para saber como podem ajudar em suas dificuldades. Esse é um papel da da da escola”
Beatriz Abuchaim, da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, por sua vez, considera que é importante ter equilíbrio e bom senso. Nas palavras dela é fundamental também que haja uma comunicação clara com as famílias sobre benefícios e malefícios do uso de telas com as crianças.
“O consenso positivo é o quanto essas tecnologias da informação podem ser alavancas para a aprendizagem e o desenvolvimento das crianças. Pensando no contexto escolar, as tecnologias podem ajudar muito em trabalhos que professores estejam desenvolvendo com as crianças. Agora, é fundamental na escola que haja um contexto”
Ela avalia que os educadores podem, sim, explorar múltiplas funcionalidades que as tecnologias propiciam no ambiente escolar. Contudo, avalia é esse contato que as crianças têm com as telas não deve jamais ser solto, mas sempre mediado e com um objetivo claro desde o princípio.
Créditos
Roteiro, produção, edição: Ruam Oliveira
Mentoria: Daniela Tófoli e Vinícius de Oliveira
Música: Gabriel Falcão
Artes e identidade visual: Ronaldo Abreu