Diretores escolares: por que a seleção com critérios técnicos é essencial?
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Inovações em Educação

Diretores escolares: por que a seleção com critérios técnicos é essencial

Escolha bem-feita – e que fuja da indicação política – se reflete na aprendizagem e em melhorias para a comunidade

por Fernanda Nogueira ilustração relógio 2 de julho de 2025

A forma de acesso ao cargo de diretor nas escolas públicas brasileiras começou a mudar nos últimos anos. O processo seletivo qualificado com escolha ou nomeação da gestão passou a responder por 24,4% dos cerca de 110 mil diretores em 2024, contra 8,7% em 2022, de acordo com dados do Inep.

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A escolha por processo seletivo garante critérios técnicos e impessoais, contribuindo para uma gestão mais democrática, eficiente e comprometida com a aprendizagem dos estudantes. Um diretor bem escolhido atua com autonomia pedagógica e administrativa, com foco em resultados educacionais — e não em interesses políticos.

Dados do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) mostram que a situação começa a mudar. As indicações políticas para diretores escolares caíram de 53,4% (2022) para 33,2% (2023), mostrando que escolas estão abrindo espaço para gestores escolhidos por competência, não por apadrinhamento. De acordo com especialistas, a indicação política, quando usada como prática comum, compromete a qualidade da gestão e abre espaço para favores pessoais, líderes despreparados, descontinuidade de projetos e falta de compromisso e distanciamento entre a direção e a comunidade escolar que deveria servir.

Outro avanço pode ser percebido em processos seletivos com participação ativa da comunidade escolar. Este tipo de acesso saltou de 7,6% (2022) para 13,5% (2024). Já as eleições diretas tiveram leve recuo (de 19,5% para 18,3%), enquanto os concursos públicos se mantiveram estáveis (8,4% a 8,3%). Outras formas de acesso representam 2,8% das nomeações.

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Desde 2020, a Lei nº 14.113/2020, que regulamenta o Fundeb (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica), determina que, para que estados e municípios recebam a complementação VAAR (Valor Aluno Ano por Resultados), é necessário adotar critérios técnicos e de mérito na seleção de diretores escolares, além de atender a outros requisitos previstos na legislação.

Uma boa gestão 

Diferente da indicação política, em que a pessoa pode ser apenas um amigo de um vereador ou dos professores, o processo seletivo garante a qualidade do diretor, analisa Anna Penido, diretora-executiva do Centro Lemann de Liderança para Equidade na Educação. “Um professor ruim prejudica uma turma. Um diretor ruim prejudica a todos. Este é um cargo-chave para ser ocupado por uma pessoa sem qualidades técnicas. É preciso fazer a gestão financeira e pedagógica com técnica. Precisa ser inspirador, empático, democrático, sensível, capaz de articular, aberto ao conhecimento, ter competências sutis e comportamentais.”

A função envolve diferentes atividades, como gestão de pessoas, de recursos, de processos pedagógicos, de infraestrutura e articulação com as famílias. “Quando tem uma pessoa muito competente à frente de tudo isso, isso se reflete na escola. É impressionante. Toda escola que se destaca tem um diretor diferenciado”, afirma Anna.

Toda escola que se destaca tem um diretor diferenciado

Para Jane Reolo, mestre em Educação e Especialista em Gestão Escolar no Instituto Unibanco, a seleção com critérios técnicos funciona como um filtro, que leva à gestão profissionais com um conjunto de conhecimentos prévios. “A complexidade da gestão escolar, bem como as demandas diárias exigem uma matriz de habilidades e competências que, é claro, serão aprimoradas no exercício. Mas não podemos deixar de exigir uma base profissional que dialogue com um padrão almejado de excelência.”

Como destaca Jane, o verdadeiro propósito da educação é garantir o direito à aprendizagem. Por isso, a escolha dos diretores é tão importante. “Gestores que tenham conhecimento técnico para engajarem, mobilizarem sua comunidade escolar, incidem diretamente no processo de ensino aprendizagem. Além disso, diretores capacitados para interpretar dados e evidências tomam decisões mais eficazes para aprimoramento de recomposição de aprendizagens, por exemplo.”

O “Guia de Seleção de Diretoras(es) Escolares”, do Centro Lemann, funciona como apoio para que as secretarias de educação desenvolvam seus processos de seleção com critérios técnicos. A publicação orienta de forma clara cada etapa do processo, antes, durante e depois da seleção técnica, oferecendo ações práticas, como revisar a legislação vigente, definir o perfil ideal dos profissionais, avaliar a trajetória acadêmica e profissional dos candidatos e, sobretudo, investir no desenvolvimento contínuo daqueles que forem selecionados.

Prova e entrevista

Na rede estadual do Mato Grosso, a primeira seleção por prova objetiva de conhecimentos ocorreu em 2020. Dois anos depois, além da prova, o processo passou a incluir a apresentação de um plano de gestão e participação em entrevistas com psicólogo, assistente social e coordenadores. Os diretores selecionados também entrevistam os profissionais que irão trabalhar com eles.

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“O objetivo era que os gestores pudessem participar das escolhas das suas equipes, para que a gente valorize esse trabalho, principalmente, a capacidade de gestão, dando governabilidade para que eles possam liderar. Esse foi um princípio inicial do processo seletivo”, afirma a secretária adjunta executiva da Secretaria de Educação do Mato Grosso, Flávia Emanuelle Souza Soares.

Com isso, os diretores atuam de forma mais equilibrada e harmônica. “Quando olhamos para as diretorias regionais e para as escolas, percebemos gestores muito mais engajados, cumprindo seu plano de gestão e tendo capacidade crítica. Eles conseguem entender os processos e intervir a tempo para resolver os problemas”, explica a secretária.

Como parte desse processo, já é possível ver avanços na aprendizagem na rede, com melhorias no desempenho dos estudantes em provas como o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica). “Hoje a rede olha para os resultados de aprendizagem, ou seja, olha para o estudante, e o desempenho dele gera um indicador para que possamos corrigir a rota e trabalhar de maneira direcionada.”

Assim como outras redes, a Secretaria de Educação do Mato Grosso depende dos recursos do Fundeb, que investe quase 70% de seu orçamento com folha de pagamento. “É essencial e importante”, diz Flávia.

Recursos e condições adequadas

O pagamento, feito pelo Fundeb, de valores extras às redes por usarem critérios técnicos para a seleção de diretores escolares é uma decisão acertada e estratégica, segundo Anna Penido. “Não vamos conseguir ter alunos aprendendo em uma escola que tem um mau diretor. Para garantir que todos aprendam, precisamos de um diretor que tenha, além de capacidade, as condições dadas pela secretaria para que ele faça seu trabalho.”

Os recursos financeiros – da secretaria de educação e de outras fontes dos estados e do governo federal – têm que chegar à escola. Além disso, o gestor precisa de autonomia para usar o dinheiro de maneira flexível, decidindo quais são as prioridades locais junto com o conselho escolar, sempre alinhado com a política educacional da rede.

Grupo de estudantes com mochilas reunidos na calçada em frente a um muro, próximo à entrada de uma escola.
Marcelo Camargo / Agência Brasil

“É importante que esse diretor tenha o apoio da secretaria, com formação, apoio financeiro, estruturas e equipamentos. Precisa ter também o apoio da supervisão escolar, que vai à escola para ajudar a resolver os problemas e que faz a formação em serviço dele”, diz Anna.

Marco de gestão escolar

O processo de seleção com base em critérios técnicos deve fazer parte de um conjunto articulado de políticas de fortalecimento da gestão escolar. “As redes precisam ter um marco de gestão escolar, que define com clareza quais são as atribuições e responsabilidades desse diretor, para que ele saiba o que é esperado dele, que competências precisa ter”, explica a diretora-executiva do Centro Lemann.

O documento traz práticas de referência que já existem na rede e podem ser compartilhadas e utilizadas por outros diretores. Fazem parte dele a política de seleção, de formação, de acompanhamento às escolas – para que os diretores tenham suporte da supervisão – e a política de certificação, para que, periodicamente, o diretor seja avaliado.

“Serve para ver se ele está conseguindo corresponder às expectativas, se está conseguindo implementar as práticas de gestão e de liderança importantes para a escola, se está fazendo os resultados avançarem, se as crianças e adolescentes estão aprendendo, se os professores estão motivados, se estão bem-capacitados ou se as famílias estão engajadas”, afirma Anna.

Se o diretor não se sair bem, é preciso desenvolver formações específicas para que melhore profissionalmente e pessoalmente. Em último caso, se não houver melhoria, deve ceder o cargo a alguém capaz de exercer a função de forma mais eficaz.


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gestão democrática, gestão escolar

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