Docência universitária precisa se aproximar da ciência
Em artigo, pesquisadores da USP alertam para necessidade de formação pedagógica para atuação no ensino superior
por Luciana Guidon Coelho e José Aquiles Baesso Grimoni 25 de julho de 2014
Os professores de ensino superior em geral não tem nenhuma formação durante sua graduação ou mesmo na pós-graduação voltada para uma possível carreira acadêmica. Para ingressar em universidades, também não se exige na maioria dos concursos nenhuma comprovação de formação para exercer a atividade de ensino. Essas ausências têm impacto direto na formação dos futuros engenheiros e faz com que cerca de 25% deles sejam mal formados, segundo o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas).
Na sociedade do conhecimento e das redes sociais, o docente tem um papel diferenciado e necessita ser preparado para cumprir com excelência essa missão. Infelizmente, os conhecimentos pedagógicos se constituíram distantes do espaço universitário e só tardiamente alcançaram alguma legitimação científica, posto que o foco da pedagogia sempre foram as crianças, o que criou uma imagem distorcida da amplitude e complexidade da pedagogia. A docência universitária é uma atividade complexa que exige uma preparação cuidadosa e múltiplos saberes que precisam ser apropriados e compreendidos. Outro ponto relevante é que os assuntos relacionados à pedagogia estão atrás de barreiras cognitivas, como as metodologias, os termos, entre outros, especialmente para os profissionais das áreas exatas.
Os elementos constitutivos da atuação docente de um professor, como planejamento, organização da aula, metodologias e estratégias didáticas, os processos de avaliação, os objetivos educacionais, a relação aluno-professor, entre outros, não são conhecidos cientificamente pelos professores e futuros professores. Mas, da mesma maneira que não basta apenas saber o que se vai ensinar, o professor também não pode apenas ter conhecimentos pedagógicos em detrimento dos conhecimentos técnicos que serão ensinados, sendo que nos processos de formação de professores é preciso considerar a importância dos saberes das áreas de conhecimento, dos saberes pedagógicos, dos saberes didáticos e dos saberes da experiência do professor.
Dada a complexidade da docência universitária, a formação inicial dos professores, muitas vezes, mesmo que agregada à experiência profissional, não basta. O professor iniciante perceberá algumas carências formativas, assim como professores mais experientes.
De acordo com as Diretrizes do MEC de 2002 para as escolas de engenharia, os projetos pedagógicos dos cursos de engenharia devem trabalhar com o desenvolvimento de competências e habilidades, mas, muitos docentes não têm os conhecimentos pedagógicos necessários para implementarem tais mudanças curriculares, o que ratifica a necessidade de formação complementar para professores do ensino superior.
Outro fator que ilustra a necessidade de formação para os professores é a inserção de novas tecnologias nas aulas e nas vidas os estudantes e professores. Os professores precisam de formação pedagógica para saberem lidar com as novas tecnologias para que elas realmente sejam utilizadas como ferramentas que promovam a aprendizagem.
Em relação às políticas públicas e institucionais, essenciais à existência de programas de formação de professores, no texto da Declaração de Bolonha está especificado, entre outras coisas, a adoção de um sistema de graus de acessível leitura e comparação, o estabelecimento de um sistema de créditos, a promoção da mobilidade, da cooperação europeia na avaliação da qualidade e das necessárias dimensões europeias de ensino superior. Foram propostas ações que chegaram às salas de aula, que impactaram a docência e a formação dos professores universitários europeus. A Declaração de Bolonha foi um fator indutor de mudanças na Europa, e é justamente um fator indutor de mudanças que aparentemente falta no Brasil. Algo que impulsione a criação de políticas públicas e institucionais que promovam a formação pedagógica de professores universitários.
Segundo a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) nº 9.394/1996, a pós-graduação stricto sensu seria a responsável pela formação dos futuros professores universitários. Porém, não é o que se observa. A pós-graduação cumpre muito bem seu papel quando se trata de pesquisa acadêmica, mas não quando se trata da formação pedagógica dos futuros professores. Obviamente, não se espera que todos os professores universitários se tornem especialistas em docência, mas todos necessitam de conhecimento profissional sobre a docência universitária .
Na USP, a PRPG (Pró-reitoria de Pós-graduação) criou em maio de 2005 o Programa de PAE (Aperfeiçoamento de Ensino) para implementar em cada programa de pós-graduação formas de atender a demanda da Capes, que obriga as IES a oferecerem atividades de formação, nos programas de pós-graduação de docência, através de disciplinas, palestras e estágios/monitorias em disciplinas de graduação para os bolsistas da Capes. Mas para avançar mais nessa questão, um bom caminho pode ser a proposta feita pela Associação Brasileira de Educação em Engenharia (Abenge) para a Capes de criação de um Programa Nacional de Mestrado Profissional em Ensino de Engenharia e de Tecnologia (ProfEng), no formato semipresencial, em uma Rede Nacional com capacidade de envolver várias escolas de engenharia.
Sobre os autores:
Luciana Guidon Coelho é doutoranda em engenharia elétrica na Escola Politécnica da USP, bolsista CNPq e tem interesse no tema ensino e educação em engenharia, especialmente formação de professores.
Prof. Dr. José Aquiles Baesso Grimoni é professor livre-docente da USP, tem experiência na área de engenharia elétrica, com ênfase em geração, transmissão e distribuição da energia elétrica, atuando principalmente nos seguintes temas: energia, proteção, transformadores, ensino e educação.