Edtechs precisam ter mais do que uma boa ideia para atrair investidores no Brasil
Conecte-C alinha a expectativas entre empreendedores e investidores que desejam impulsionar empresas de tecnologia educacional
por Marina Lopes 2 de junho de 2017
O que realmente conta na hora de investir em uma empresa de tecnologia educacional? Essa resposta nem sempre está clara para quem atua no mercado de edtechs e precisa correr atrás de recursos. Com o objetivo de alinhar expectativas entre ambos os lados, a nona edição do encontro Conecte-C reuniu empreendedores, investidores e especialistas em educação para apontarem os desafios do ecossistema de inovação a partir de diferentes perspectivas.
Realizado ontem (1), em São Paulo, o evento organizado pelo CIEB (Centro para a Inovação da Educação Brasileira) mostrou que é preciso ter mais do que uma boa ideia para atrair investimentos. Na avaliação de Eduardo Wurzmann, sócio do grupo Ibmec Educacional, a capacidade de realização do empreendedor e a avaliação do mercado que ele pretende atuar são alguns dos principais fatores considerados por um investidor antes de apoiar um negócio na área de tecnologia educacional.
Dentro de um ecossistema de investimentos fragmentado, por fatores que vão das altas taxas de juros até as dificuldades empreender no país, Wurzmann diz que as edtechs precisam mostrar que as suas soluções podem ser escaladas para resolver grandes problemas educacionais. “Ele [o empreendedor] tem que saber fazer com pouco e também precisa ter um sonho grande”, defendeu o investidor individual.
Diferente do que acontece no Vale do Silício ou em Israel, que ganharam fama por serem o berço de grandes startups, o investidor apontou que o mercado brasileiro ainda não tem muitos casos de sucesso na área de tecnologia educacional. Segundo ele, poucas edtechs conseguem crescer a ponto de atrair a atenção de grandes empresas.
Além de considerar os fatores apontados, Kim Machlup, da empresa Mov Investimentos, também destacou que os empreendimentos na área de tecnologia educacional precisam se basear em evidências para comprovar a sua capacidade de transformação. “Tivemos um boom de edtechs, mas agora precisamos entender o que funciona. O que as escolas realmente vão utilizar?”, questiona. Para ela, é fundamental avaliar como essas soluções podem gerar resultados na escola, promover o engajamento dos alunos e apoiar a capacitação dos professores.
E quando o assunto é impacto, ela ainda levanta outros desafios. “Entendemos que a educação precisa de melhorias de A até Z, mas o maior gap está nas escolas públicas.” Apesar de reconhecer essa urgência, Machlup diz que o fundo não consegue investir em uma empresa totalmente voltada para o ensino público, já que a instabilidade do setor público traz muitos riscos para o empreendedor.
“De alguma forma, temos que pensar não só em etapas, mas em sustentabilidade financeira. Hoje é mais fácil o empreendedor entrar nas escolas privadas, onde ele tem uma segurança no início. Depois ele pode pensar em como migrar o seu modelo para o ensino público”, comentou. Ainda sobre esse desafio, ela mencionou que algumas startups estão encontrando porta de entrada para ensino público com o financiamento do terceiro setor, que paga a conta da implementação para ajudar a construir boas experiências de uso de tecnologia nas escolas.
Para Anna Penido, diretora do Instituto Inspirare, o ecossistema brasileiro de inovação em educação precisa de cases com evidências de que é possível implementar determinadas ferramentas ou serviços apesar das condições adversas. “Temos uma cultura dentro das escolas e das instituições de ensino superior que formam os professores. Mudar essa cultura é muito difícil”, afirmou.
Como um dos pontos fundamentais para garantir o sucesso de uma startup de tecnologia educacional, ela destacou o descompasso que existe entre o que os empreendedores entendem de negócios e de educação. “Se você começa conceber a sua solução com apenas metade no know how que precisa, ela vai sair capenga”, apontou. E entender de educação, segunda ela, significa conhecer muito bem o universo de quem será beneficiado com determinada solução.
“Não adianta vender o seu produto para quem está em uma secretaria”, disse a diretora do Instituto Inspirare, ao mencionar que o universo do técnico é muito diferente do universo do professor, que enfrenta uma série de desafios cotidianos. “A gente precisa criar dentro dos sistemas educacionais e das próprias escolas espaços para que a inovação seja gerada ali também.”
Ao comentar sobre a recorrente queixa dos empreendedores, que dizem ter dificuldade na hora de vender para o governo e entrar nas escolas públicas, ela também destacou que é preciso trabalhar em conjunto para fortalecer o ecossistema e oferecer soluções mais completas para as escolas. “Está cada um correndo atrás do seu, sofrendo sozinho e se lamentando junto. Se não tivermos uma articulação entre o setor, teremos os grandes comprando os pequenininhos e fazendo essa solução completa para vender.”
Para o Programa Nacional do Livro Didático não envolver apenas a compra do livro físico, mas também de recursos digitais, por exemplo, ela diz que o setor precisa atuar de forma conjunta. “Isso exige um advocacy e um processo de incidência que não pode ser feito apenas por um ou por dois. Tem que ser feito por um coletivo.”