Educação antirracista e legado de Marielle Franco fortalecem participação política da juventude - PORVIR
Crédito: Divulgação, com arte de Ronaldo Abreu/Porvir

Inovações em Educação

Educação antirracista e legado de Marielle Franco fortalecem participação política da juventude

Em webinário, ativistas e educadores compartilharam a importância de referências, na sala de aula, para mobilizar as potências políticas de jovens negros e periféricos

por Agnes Sofia Guimarães ilustração relógio 31 de março de 2023

A formação política pode começar na escola, de diversas formas, a começar pela conscientização da potência de cada indivíduo para transformar a sociedade. Foi essa a principal mensagem do webinário “O legado de Marielle Franco para as juventudes brasileiras”, realizado na última quarta-feira (28), no canal do YouTube do Porvir, e que contou com a participação do ativista Gustavo Telles, da professora Lília Melo, da pesquisadora Beatriz Virgínia, sob mediação do repórter do Porvir, Ruam Oliveira – pessoas negras que atuam em diferentes pontas da mobilização política da juventude a partir da educação antirracista. 

Vereadora mais votada nas eleições municipais de 2016 do Rio de Janeiro, Marielle Franco (1979-2018) era mãe, uma mulher negra, bissexual, socióloga e cria da favela de Maré. Seu assassinato, em março de 2018, gerou uma comoção internacional e, desde então, seu legado tem sido reconhecido para a mobilização de jovens e de mulheres na política, principalmente de candidatos negros, indígenas e LGBT+. 

Cinco anos após sua morte, seu assassinato e do seu motorista, Anderson Gomes, seguem sem respostas, mas a preocupação com a mobilização de novos rostos na política continua. Nas eleições municipais de 2020, as Câmaras Municipais do Brasil tiveram vagas disputadas por 84.418 mulheres negras, e 856 candidatas concorreram à prefeitura de suas cidades – um aumento expressivo das três campanhas anteriores, segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral). 

Por outro lado, jovens têm se interessado mais pela política. O Brasil tem um recorde de novos eleitores: foram mais dois milhões na faixa de 16 a 18 anos. O número representa um aumento de 47,2% em relação ao processo eleitoral de 2018, segundo o TSE.

Assista ao webinário na íntegra

“Em 2018 eu estava no ensino fundamental, no último ano, tentando entender o que era direita e esquerda, o que era bolsonarismo, o que era todo esse mundo político. E me vem uma figura como Marielle Franco, que me desperta como ativista. Se hoje eu me enxergo como militante, como alguém participativo em questões sociais, é por causa de uma figura como Marielle”, destaca Gustavo Telles. 

Outra cria da Maré, doutoranda em História das Ciências e da Saúde pela Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, Beatriz Virgínia encontra muita identificação com a trajetória de Marielle, já que ambas eram da mesma comunidade e traçaram trajetórias no ativismo e no mundo acadêmico. A pesquisadora guarda com carinho a presença da vereadora na sua formatura de graduação, na PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) – mesma faculdade em que se formou socióloga.

“Se eu tô num doutorado hoje é muito pelo que a educação comunitária me ensinou. E a Marielle Franco faz parte obviamente de tudo isso, né? Porque ela foi uma grande inspiração e vê-la ocupando um espaço branco e elitizado foi uma forma de entender que também poderia chegar ali”, lembra Beatriz. 

Marielle Franco e a luta a partir do cuidado e do empoderamento

Ativista e conselheiro municipal dos Direitos da Juventude em São Paulo, Gustavo, além de ser embaixador da organização Politize!, esteve envolvido em ações de engajamento para que jovens votassem nas eleições de 2022. Para ele, a nova geração, da qual também faz parte, está cada vez mais consciente da importância da política, mas ainda enfrenta diversos desafios devido a infodemia das redes sociais e aos ataques de ódio contra grupos minorizados – desafios que exigem um olhar mais aprofundado sobre os cuidados que a juventude precisa receber durante sua formação.

Enfrentamos desafios de excesso de informação que acabam por vezes dispersando pautas 

“Enfrentamos desafios de excesso de informação que acabam por vezes dispersando pautas: uma hora falamos nas redes sociais que Vidas Negras Importam, mas não demora a aparecer outro assunto que passa a ser mais importante que o nosso, e ao mesmo tempo temos esses ataques anônimos que afetam nossa atuação. Então é preciso conversar sobre estratégias, como a preocupação com a saúde mental quando somos expostos a tudo isso quando nos manifestamos”, comenta Gustavo. 

Professora e palestrante, mulher afro e indígena, Lília Melo busca fortalecer a juventude de Belém (PA) a partir da arte, com o projeto “Juventude Negra Periférica – Do Extermínio ao Protagonismo”, em que promove o protagonismo dos alunos a partir de produções de conteúdos audiovisuais com coletivos periféricos, além de articular atividades culturais do movimento do hip hop na dança e no teatro. O projeto concedeu a Lília diversos prêmios, como Prêmio Professores do Brasil e um lugar entre 50 finalistas do Global Teacher Prize, premiação conhecida como Nobel da Educação. 

Para ela, a escola precisa desafiar seu modelo tradicional de regras e de relações verticais entre gestores, professores e alunos para realmente realizar um trabalho libertador de enfrentamento e de mobilização política. 

O espaço escolar é um potencial instrumento para o combate ao racismo, mas isso precisa ser construído no coletivo, no diálogo, e não na imposição

“A educação é um instrumento de transformação social, mas, para que ela consiga fazer valer essa transformação, precisa valorizar o coletivo e a diversidade. O espaço escolar é um potencial instrumento para o combate ao racismo, mas isso precisa ser construído no coletivo, no diálogo, e não na imposição e na verticalização das relações”, alerta a professora.

Beatriz Virgínia também destaca a importância de valorizar a potência de jovens periféricos como uma forma de quebra de estigmas – um cuidado que ela reconhece em alguns dos professores que fizeram parte de sua formação. 

“A gente só pode usar daquilo que conhece, e dificilmente a gente, enquanto jovem morador de favela nos são apresentadas alternativas. A gente sempre fica num lugar como jovem reativo, que não presta atenção em nada e que só sabe quebrar a escola, né? Então agradeço muito aos professores que que tiveram essa sensibilidade de entender que a educação é uma via de mão dupla. Aprender comigo, me ensinar e construir muita coisa juntos.”, reflete. 

A gente só pode usar daquilo que conhece, e dificilmente a gente, enquanto jovem morador de favela nos são apresentadas alternativas

Referências na sala de aula 

Hoje, como estudante do primeiro ano do curso de Relações Públicas na Universidade de São Paulo (USP), Gustavo lembra a relação com uma professora negra que, logo no início da sua adolescência, o incentivou a buscar uma carreira que explorasse sua vontade de questionar e de realizar mudanças. Esse foi fundamental para que ele não desistisse dos estudos e, ao mesmo tempo, aumentasse o gosto pelo ativismo e pela mudança social. 

“Só agora, mais velho, eu entendo o porquê dessa proximidade. Por meio da representação dela enquanto pedagoga, enquanto representação de dentro desse espaço de poder, eu me enxergava nela. Um dia, minha mãe foi chamada em uma reunião, porque queria me colocar em outra escola, e essa minha professora negra disse que enxergava em mim um juiz, um advogado, ou seja, muito além da perspectiva pequena que a sociedade tenta impor a pessoas negras e periféricas”, recorda. 

Referências que começam já na primeira infância: o consenso entre os convidados foi a importância de começar o trabalho da política a partir do empoderamento de crianças logo na seus anos iniciais de ensino, momento no qual muitas vezes estudantes enfrentam situações de racismo que podem afetar a autoestima durante todo o seu desenvolvimento. Proteger por referências também é um caminho fundamental, como também traz Lília Melo. 

“Criança precisa estar livre, precisa estar tranquila na escola, precisa sentir-se segura e acolhida. Então, professores e professoras vamos inserir nos nossos currículos mulheres indígenas, mulheres quilombolas, mulheres pretas, Marielles Francos de todos os sentidos, de todas as cores, com todos os tons, com todos os sabores. É necessário que a gente faça isso para que a nossa educação seja modificada, seja transformada”, destaca Lília. 

Sobre os temas prioritários do Porvir 

O Webinário abriu uma série de ações que o Porvir pretende trabalhar no decorrer de 2023 em sua cobertura jornalística. A educação antirracista é um dos temas prioritários, ao lado de tecnologia, competências socioemocionais e metodologias ativas. 

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educação antirracista, protagonismo jovem

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