Educação inclusiva e consciência ambiental juntas em projeto de sustentabilidade
Em Itaituba (PA), turma de Atendimento Educacional Especializado estuda o meio ambiente, distribui sementes e mudas e amplia a conscientização da escola (e de toda a comunidade) sobre a preservação da natureza
por Eliude Ramos Ribeiro da Silva 4 de agosto de 2023
Promover a igualdade de oportunidades, a formação integral e o protagonismo juvenil é uma das minhas metas como professora da educação especial. Em busca da inclusão, sempre busco valorizar a cultura e aprimorar a relação entre teoria e prática por meio de metodologias ativas. Um dos projetos mais recentes que desenvolvi na Escola Maria da Graças Escócio Cerqueira, no município de Itaituba (PA), envolveu o debate sobre os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) 13 e 15, voltados à conscientização ambiental, e a participação ativa dos alunos na preservação do meio ambiente.
Tudo começou com a turma de AEE (Atendimento Educacional Especializado), do 1° ano do ensino médio. Nossa escola é rodeada por quatro ipês amarelos. A árvore, reconhecida pela qualidade da madeira, está dispersa por todos os biomas do país. No mês de setembro de 2022, resolvemos coletar suas sementes, guardá-las em papel de seda e doá-las como lembrança para quem visitou o nosso “Brechó – Moda Circular e Sustentável”.
O projeto, que ganhou o nome de “Desenvolvimento de mudas de Ipê Amarelo com alunos do AEE”, funcionou assim: a turma de estudantes surdos e com deficiência intelectual montou no Instagram uma loja virtual com peças usadas. Os alunos surdos usavam as Libras (Língua Brasileira de Sinais) para falar sobre os detalhes das roupas, as formas de pagamento e os demais sinais necessários para a venda. Com toda a escola, combinamos um dia para a venda presencial, feita em Libras, com o meu apoio na tradução. Além de ganhar sementinhas de ipê, os visitantes puderam aprender sobre os principais sinais em Libras.
O passo seguinte foi levar a experiência do Brechó para a Semana Acadêmica do IFPA (Instituto Federal do Pará), onde submeti um artigo e recebemos menção honrosa pelo trabalho. Exibimos um banner com o resumo da atividade e presenteamos o público interessado no projeto com sementes, ensinando o passo a passo do cultivo também em Libras.
Sobraram sementes e decidimos, então, criar berçários improvisados, feitos de caixas de ovos, caixa de papelão e de isopor para guardá-las. O processo funciona assim: as sementes são deixadas dois dias na água, para que “acordem”. São plantadas em terra preta (conseguimos uma doação da prefeitura) e, quando as mudinhas ficam com 15 ou 20 cm, são realocadas para outra terra, dentro de um saco plástico preto. Em cinco meses, estão prontas para o plantio.
O aprendizado com as sementes ganhou força e se estendeu para as turmas regulares de ensino médio da escola. Seguimos alguns passos:
– Base teórica: explicamos o conceito de plantio das mudas nativas, a importância da preservação do meio ambiente e o papel das árvores na ecologia.
– Atividades práticas: levamos os alunos para ambientes naturais. Visitamos aldeias indígenas Munduruku, o Lago do Bom Jardim e a trilha do Instituto Federal para que as turmas, regulares e de AEE, pudessem observar diversas espécies de árvores. Pedíamos doações de sementes para a comunidade e coletamos açaí, buriti, cupuaçu e outras espécies regionais, que também foram para o berçário, seguindo o mesmo processo dos ipês.
– Mais teoria: explicamos o conceito de dormência das sementes – ou seja, a condição em que não germinam mesmo em condições favoráveis devido a mecanismos de proteção. Há diferentes métodos para quebrar a dormência, como escarificação (lixar a casca) e imersão em água por um período de tempo.
– Mão na terra: antes do plantio, explicamos o conceito de bolas de sementes: pequenas esferas feitas de argila, terra e sementes. Fornecemos os materiais necessários, como argila, terra adubada, sementes e recipientes para mistura. Essa etapa contou com a participação ativa dos alunos com deficiência, fornecendo suporte e adaptações necessárias para suas necessidades individuais.
– Hora do plantio: para plantar as mudas que cultivamos no berçário, bem como as bolas de sementes, escolhemos diferentes lugares: o ambiente escolar, um igarapé perto da escola, uma creche e as margens do lago Bom Jardim. Orientamos os alunos a prepararem o solo, fazendo buracos adequados para o plantio das mudas, e jogando as bolas de sementes diretamente no solo.
– Monitoramento: programamos mais visitas em instituições que trabalham com sustentabilidade, como o próprio Instituto Federal e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade). Também voltamos às comunidades indígenas e, na escola, as famílias acompanhavam as atividades de perto. Envolvida durante todo o processo de plantio, a turma também é estimulada a cuidar das mudas.
A falta de recursos financeiros foi um desafio imenso. Não temos transporte para os alunos irem às atividades fora da escola (muitos moram a 5 km e fazem o trajeto a pé). Mas contamos com a ajuda da comunidade, de empresários locais, da doação da minha mãe e família ou das minhas economias. Uma amiga é motorista de aplicativo e nos levava aos destinos sempre que podia. Também conseguimos doações de sementes e mudas de alguns viveiros e do ICMBio, bem como o apoio da prefeitura, por meio das secretarias de educação, infraestrutura e do meio ambiente.
O que alcançamos?
Aumentamos a sensibilização e conscientização dos alunos e professores sobre a importância do plantio de mudas nativas para a preservação da natureza e da biodiversidade. Também promovemos a aprendizagem e compreensão dos alunos sobre os processos ecológicos, incluindo a interação entre plantas, animais e microorganismos. Destaca-se, também, a valorização da cultura, da história local e das espécies nativas na identidade e na memória coletiva da comunidade.
Professores e alunos, além do aprendizado sobre manejo sustentável do ecossistema e do fomento à pesquisa e à investigação, aumentaram sua conexão emocional com a natureza, despertando o amor e o respeito pelo meio ambiente. Sem contar o empoderamento da turma, que se tornou agente de mudança em suas comunidades.
E mais: a nova etapa do projeto chama-se Tapajônicos (em referência ao Rio Tapajós, que corta a região onde moramos). Criamos uma página no Instagram para compartilhar novidades. Nossa oficina de bola de sementes na Creche Olinda, próxima ao Lago Bom Jardim, culminou com 100 bolas plantadas por alunos, professores e direção na margem do lago. E a atividade é uma das finalistas da Restaura Natureza – Olimpíada Brasileira de Restauração de Ecossistemas do WWF-Brasil, organizada pela associação Quero na Escola.
Eliude Ramos Ribeiro da Silva
Educadora com licenciatura plena em educação física pela UEPA (Universidade Estadual do Pará), é especialista em Educação Especial e Inclusiva. Atuou 7 anos em educação física e há 9 anos está na educação especial na rede estadual de ensino médio de Itaituba (PA).