Educação para o futuro: Unesco pede trabalho conjunto para reimaginar a escola
Documento ressalta a urgência de expandir as oportunidades educacionais e de um acordo para novo contrato social que beneficie todas as crianças e jovens
por Vinícius de Oliveira 3 de janeiro de 2022
O exercício de prever como será a educação em 2050 precisa primeiro considerar como corrigir desigualdades e oferecer novas possibilidades de aprendizagem para crianças. O que precisamos continuar fazendo, o que deve ser abandonado e o deve ser recriado? Pensando em respostas para essas questões, um estudo publicado pela Unesco (agência da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) no final de 2021 estabelece princípios e avança nos debates que, em breve, farão parte da agenda de governos e discussões dentro e fora da escola.
Chamado “Reimagining our futures together: A new social contract for education” (“Reimaginando juntos nossos futuros: Um novo contrato social para a educação”), o documento preparado por uma comissão chefiada pela presidente da Etiópia, Sahle-Work Zewde, pretende ressonar da mesma forma que o texto de 1996 “Educação: um tesouro a descobrir”, conhecido como relatório Jacques Delors, que comandou iniciativa similar.
Por que falar disso agora?
Crianças e jovens serão essenciais em diferentes áreas que atualmente já passam por grandes transformações. Por exemplo: alguns países já começam a colocar em prática planos de descarbonização, substituindo combustíveis fósseis por fontes de energia renovável, o que impacta o modo de consumo e de vida das populações.
Pelo lado político, enquanto democracias são ameaçadas por líderes populistas, também florescem iniciativas de participação destinadas a fortalecer a luta por justiça social. Esse cenário também é envolto por expansão e exclusão digital, em que a tecnologia já impacta, por meio do avanço da inteligência artificial, o modelo tradicional de trabalho.
Por que um novo contrato social para a educação?
Para dar conta das demandas, a Unesco defende a criação de um novo Contrato Social Para a Educação, no qual todos os integrantes da sociedade atuem por benefícios comuns a partir de dois princípios básicos: acesso à educação de qualidade por toda a vida e fortalecimento da educação como um bem comum.
Segundo Sahle-Work Zewde, é necessário transformar a educação. “O respeito pelos direitos humanos e a preocupação com a educação enquanto um bem comum devem se tornar os fios centrais que unem nosso mundo compartilhado e futuro interconectado”, ressaltou na apresentação do documento.
Ao longo do século 20, a educação pública tinha como foco apoiar a cidadania nacional e os esforços de desenvolvimento ao tornar a educação obrigatória para crianças e jovens. Hoje, diante dos riscos mencionados acima, a Unesco clama por união em torno de esforços coletivos e de acesso a conhecimento e à inovação necessários para moldar um futuro sustentável e pacífico para todos, ancorado na justiça social, econômica e ambiental.
Quais são as propostas?
Quando se aprofunda nas recomendações para o público envolvido na educação, o documento traz os seguintes pontos:
- O modelo de ensino deixar de ter uma abordagem expositiva, centrada no professor e voltada à realização individual para, em vez disso, enfatizar a colaboração e a solidariedade.
- Os currículos que são frequentemente organizados como uma grade de disciplinas precisam mudar para enfatizar a aprendizagem ecológica, intercultural e interdisciplinar.
- O ensino precisa deixar de ser considerado uma prática individual para se tornar ainda mais profissionalizado e fruto de um esforço colaborativo.
- As escolas são instituições que precisam ser protegidas. No entanto, devemos passar da imposição de modelos universais e reimaginar escolas, incluindo arquiteturas, espaços, tempos, horários e grupos de alunos de diversas maneiras.
- Em todos os tempos e espaços de aprendizagem, devemos deixar de pensar na educação como algo que ocorre principalmente nas escolas e em certas idades e, em vez disso, dar as boas-vindas e expandir as oportunidades educacionais em todos os lugares.
Como tirar do papel um novo contrato social para a educação?
- Pela mudança e inovação em larga escala. Um novo contrato social virá à tona a partir de ações individuais e coletivas – manifestadas por atos de coragem, liderança, resistência, criatividade e cuidado. Um novo contrato social precisa superar a discriminação, marginalização e exclusão. A educação deve se dedicar a garantir a igualdade de gênero e os direitos de todos, independentemente de raça, etnia, religião, deficiência, orientação sexual, idade ou condição de cidadania. É necessário um compromisso robusto com o diálogo social, pensando e agindo de forma conjunta.
- Por investigação e inovação. Um novo contrato social requer um programa de pesquisa colaborativa mundial para a educação ao longo da vida. Este programa deve centrar-se no direito à educação e incluir diferentes tipos de evidências e formas de conhecimento, incluindo a aprendizagem horizontal e a troca de conhecimentos através das fronteiras. As contribuições devem vir de todos – professores a estudantes, de acadêmicos e centros de pesquisa a governos e organizações da sociedade civil.
- Solidariedade global e cooperação internacional. Um novo contrato social para a educação requer um compromisso renovado com a colaboração global em apoio à educação como um bem comum, com base em uma cooperação mais justa e equitativa entre atores estatais e não-estatais. A comunidade internacional tem um papel fundamental a desempenhar, ajudando na construção de consensos, normas e referenciais comuns. As necessidades educacionais dos requerentes de asilo, refugiados, apátridas e migrantes, em particular, precisam ser apoiadas por meio da cooperação internacional e do trabalho de instituições globais.
- As universidades e outras instituições de ensino superior devem ter papel ativo, atuando na pesquisa e como contribuintes para outras instituições e programas educacionais em suas comunidades e em todo o mundo.
- É fundamental que todos possam participar da construção do futuro da educação – crianças, jovens, famílias, professores, pesquisadores, ativistas, empregadores, lideranças culturais e religiosas.
A Unesco ressalta que o relatório é mais um convite a pensar e imaginar do que um projeto. As questões que surgem precisam ser tomadas e respondidas localmente nos países, nas escolas, nos programas e nos sistemas educacionais. Você pode baixar o documento aqui (em inglês ou francês).