Educação precisa superar o 'modo de emergência' no uso de tecnologia - PORVIR
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Inovações em Educação

Educação precisa superar o ‘modo de emergência’ no uso de tecnologia

Em entrevista ao Porvir, Richard Culatta, presidente-executivo da ONG norte-americana ISTE e diretor da área de educação durante o governo Obama, discute o uso de tecnologia durante a pandemia e os novos processos para a pesquisa educacional

por Vinícius de Oliveira ilustração relógio 14 de dezembro de 2021

Após dois anos dependentes da tecnologia como jamais se viu na educação, finalmente chegaram as férias. E quando as aulas voltarem, em 2022, é importante dar o próximo passo. Em conversa com o Porvir, Richard Culatta, presidente-executivo da ISTE (International Society for Technology in Education), organização sem fins lucrativos que atua para acelerar o uso da tecnologia e inspirar inovação na educação, discute sobre o que escolas e educadores precisam fazer sair do extenuante “modo de emergência” para o uso pedagógico de recursos digitais.

Ex-líder do Escritório de Tecnologia Educacional do Departamento de Educação dos Estados Unidos durante o governo Barack Obama, Richard também descreve o que precisa mudar em termos de pesquisa para que educadores se sintam mais confiantes na hora de adotar tecnologia em sala de aula. Entre outras ideias, ele defende um caminho mais rápido para que os estudos consigam acompanhar a rapidez com que aplicativos e plataformas são atualizados.

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Richard Culatta, presidente-executivo da ISTE

O executivo também menciona o lançamento de um conjunto de referenciais chamados ISTE Standards (“Parâmetros ISTE”, em tradução livre), que ganhou uma versão em português por meio de uma parceria entre a Embaixada e Consulados dos EUA no Brasil e a Casa Thomas Jefferson, em Brasília (DF). Em um momento de amplas mudanças educacionais no Brasil, o documento traz recomendações para a prática do educador, o planejamento da melhoria escolar, o desenvolvimento profissional e o desenho e a implementação de novos currículos. Leia abaixo os destaques da entrevista.

Porvir: Richard, estamos vindo de dois anos desafiadores. Que características você considera essenciais para os professores de agora em diante? Não me refiro apenas para o futuro, mas também para o presente, porque muitos estão cansados de tudo isso que vivemos nos últimos dois anos.
Richard Culatta: Uma das primeiras coisas que gostaria de dizer é que todos esses professores devem descansar. É preciso relaxar por alguns meses, todo mundo merece isso. Uma das coisas mais necessárias nesse mundo pós-Covid é tomar consciência de que a tecnologia não vai desaparecer. Não podemos imaginar que, uma vez superada a pandemia, iremos voltar a um mundo sem a tecnologia na educação.

Um dos maiores desafios diante disso é que como estávamos todos trabalhando em um modo de emergência e tentando fazer as coisas funcionarem… e olha, é muito bom saber que professores conseguiram fazer coisas muito legais para a aprendizagem acontecer, mas pensando bem, esse não é o tipo de aprendizagem que desejamos que aconteça daqui para frente.

Porvir: Por quê?
Richard Culatta: Havia um foco em apoiar educadores no uso da tecnologia, subir para arquivos para a internet e fazer o Zoom funcionar. Mas isso é muito diferente de fazer os professores entenderem os princípios de adotar tecnologia de maneira efetiva para aprendizagem. Saber como usar ferramentas não é a mesma coisa de usar a tecnologia de maneira a impactar o aprendizado. E essa é a peça que precisamos encaixar.

Eu sugiro que interessados no assunto acompanhem o ISTE Standards [“Parâmetros ISTE”]. O documento detalha as habilidades e o que os professores precisam desenvolver em relação à tecnologia. Os referenciais foram intencionalmente redigidos a partir de pesquisas em neurociência.

Porvir: É sempre difícil dizer quais tecnologias funcionam ou não porque boa parte dos estudos é financiada por quem desenvolve recursos de software ou hardware. Você considera que esse período de uso intenso de tecnologia tornou mais fácil dizer o que funciona ou não?
Richard Culatta: Definitivamente tornou mais fácil tirarmos conclusões. Existem mais dados, mais usuários, mas ter maior disponibilidade não responde a sua pergunta. Lideranças educacionais no nível federal ou mesmo escolar, professores e famílias devem se mobilizar em fazer um melhor trabalho em busca de evidências. E posso dizer que documentos produzidos por empresas não valem. Precisamos fazer melhor que isso.

Porvir: Como?
Richard Culatta: Estamos começando a ver pesquisadores em educação dentro de universidades dando os primeiros passos, mas ainda o desafio ligado à pesquisa tradicional, que é muito lenta, leva cerca de três a cinco anos. Se decidirmos analisar o impacto de uma ferramenta digital durante três anos, ao final ela terá mudado completamente. A coisa mais legal quando se fala em tecnologia é justamente o ritmo de mudança e as atualizações. Algo importante a ser feito é atualizar também os métodos de estudo para que se consiga acompanhar o ritmo das próprias tecnologias.

Porvir: Quais as melhores maneiras de fazer isso?
Richard Culatta: Existem algumas. O mais interessante é que recursos digitais nos oferecem muitos dados sobre como são utilizados e permitem melhora no desempenho dos estudantes. Isso permite um ciclo muito mais rápido de avaliação de impacto. Uma das estratégias que vejo sendo adotadas pelas empresas fabricantes de tecnologia é que, em lugar de publicarem estudos de própria autoria, agora começam a abrir os dados para que pesquisadores possam acessá-los em busca de padrões. É preciso encorajar posturas assim. Governos podem ter um papel decisivo quando passam uma mensagem de que estão dispostos a acelerar a adoção de recursos para inovação, desde que acompanhados de evidências. É possível andar mais rápido e ainda assim conseguir enxergar o impacto.

Porvir: No Brasil e nos Estados Unidos, secretarias de educação estão comprando produtos de tecnologia educacional em quantidade e ritmo mais acelerado do que nunca. Quais os elementos você destacaria que precisam fazer parte de um bom programa de aquisição? Que passos são necessários antes da assinatura do contrato?
Richard Culatta: Existem diferentes maneiras de olhar para esse processo. Alguns mais complicados e por isso na ISTE criamos um guia para apoiar tomadores de decisão, mas posso te dizer que não precisa ser assim. Uns dois ou três passos podem levar a um processo bem-sucedido. O EdSurge (site especializado em inovações educacionais e mercado de EdTech nos Estados Unidos) lançou um site recentemente, chamada EdSurge Product Index, que foi criado para apoiar gestores a tomarem melhores decisões, mas se você analisar bem, são apenas quatro coisas obrigatórias a serem respondidas: entender os objetivos, saber o que você tem disponível e contrapor ao que precisa, saber quais melhores se encaixam e avaliar o preço. Essas medidas podem fazer uma grande diferença na hora de encontrar os recursos ideais.

Porvir: Que tipo de abordagem para o plano é ideal para um programa de tecnologia educacional? Cabe apenas à gestão decidir ou é obrigatório ter o usuário final envolvido?
Richard Culatta: Vou dar a resposta de um jeito que os repórteres não gostam: ambas. Porque seria loucura decidir de cima para baixo e não convidar professores. Mas, ao mesmo tempo, se educadores usarem apenas o que quiserem, também pode haver problemas porque eles não necessariamente entendem se o recurso digital escolhido leva em conta a privacidade dos dados de estudantes ou se é compatível com o sistema de acesso único adotado pela escola para que não seja preciso criar uma senha para cada criança. É preciso, então, ter as duas abordagens. É muito melhor ser informado por professores no chão da escola – do contrário, serão escolhidas ferramentas que não serão usadas, por mais que tecnicamente sejam ideais.

Porvir: O setor de tecnologia educacional tem atraído muitos professores nos Estados Unidos, que estão deixando o trabalho em sala de aula. Alguns falam em “The Great Resignation” (“Onda de pedidos de demissão em massa”). Começamos nossa conversa dizendo que professores têm que desenvolver novos conjuntos de habilidades, mas, por outro lado, já possuem outras que são valorizadas por edtechs. Como você descreveria essa situação de vida além da sala de aula?
Richard Culatta: De um lado é incrível que existem muitas oportunidades para professores no setor de tecnologia educacional. Os produtos que funcionam bem, pelo que percebi, tendem a vir de empresas que contrataram grupo de professores de maneira cuidadosa. Já produtos que não funcionam tão bem geralmente são feitos por engenheiros que nunca colocaram os pés em uma sala de aula. O desafio, que também é fonte de preocupação para mim, é ver que professores estão aceitando esses empregos porque a situação na sala de aula se tornou insustentável. Tornou-se um fardo, estressante demais e eles não têm apoio suficiente. Essa não é uma boa razão para irem para outros empregos. Seria ótimo se estivessem escolhendo esses empregos porque estão entusiasmados em fazer coisas novas, porque a indústria de tecnologia educacional faz novas ofertas. Mas não deveria ser porque eles não têm um caminho sustentável para permanecer na sala de aula.

Porvir: Isso deveria ser um alerta, então?
Richard Culatta: Professores estavam abandonando a profissão mais rápido do que acontece em outras carreiras antes mesmo da Covid. Já tínhamos um problema e acho que isso traz algumas mensagens. Uma é que não apoiamos os professores bem o suficiente, seja para adquirir novas habilidades ou apenas ajudá-los a lidar com muitos desafios. Não os pagamos bem o suficiente. E ensinar no modelo tradicional onde os professores entram e falam diante da classe o dia todo é, na verdade, uma experiência muito solitária: eles não estão interagindo e se envolvendo com um grupo da maneira que acontece em outras profissões.

Porvir: O que pode ser feito, em sua opinião?
Richard Culatta: É preciso garantir que os professores tenham o que chamamos de redes de aprendizagem profissional, que façam parte de um grupo de colegas e possam obter ajuda e apoio ao compartilhar ideias para destravar suas estratégias. Isso também é muito importante para ajudar a mantê-los na sala de aula. São elementos aos quais devemos prestar atenção. Os professores precisam ser apoiados e ser pagos de uma forma que seja respeitável.


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conectividade, formação continuada, tecnologia

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