Escola no contraturno foca no desenvolvimento socioemocional
Com atividade de parkour, oficina maker, circo, artes e culinária, AfterSchool trabalha o lado cognitivo, emocional e social das crianças
por Marina Lopes 13 de janeiro de 2017
A cena é divertida. Enquanto carregam pequenos potes de areia, meia dúzia de crianças passam por obstáculos e se equilibram em caixotes de madeira. Com a ajuda dos colegas, a missão é encher uma caixa do outro lado do parquinho para encontrar o tesouro escondido pelo capitão Barba Polvo. O que parece ser apenas uma oficina de parkour infantil, na verdade faz parte de um conjunto de atividades de contraturno de férias realizadas no centro de educação AfterSchool, localizado no Alto de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo (SP). Por lá, as brincadeiras e os desafios são estratégias para desenvolver competências socioemocionais de forma descontraída.
O espaço surgiu no início do ano passado, com a intenção de ser um centro especializado no ensino socioemocional. Para contribuir com a formação das crianças nas suas dimensões intelectuais e afetivas, no período do contraturno escolar são oferecidas diversas atividades de inglês, parkour, oficina maker, circo, artes, dança, culinária, capoeira e inteligência corporal. A ideia não é que elas façam apenas um curso extracurricular durante todo o ano, mas possam aprender a demonstrar empatia, resolver problemas, manter relações sociais, lidar com suas emoções, trabalhar em grupo e desenvolver uma série de outras competências essenciais para a vida no século 21.
Com turmas multietárias, os cursos acontecem no período da manhã ou da tarde. As famílias ainda podem optar por quantos dias da semana as crianças irão participar das atividades no contraturno, que são voltadas para um público com idades entre 9 meses e 12 anos.
A proposta surgiu de uma série de estudos que tornavam evidente a necessidade de cuidar do desenvolvimento social e emocional das crianças, que muitas vezes é deixado de lado pelas escolas. De acordo com Leticia Lyle, sócia e diretora pedagógica do AfterSchool, a falta de habilidades socioemocionais é um dos motivos precursores de boa parte das dificuldades de aprendizagem encontradas pelos professores nas salas de aula. “Todo educador fala que trabalha com colaboração, todo mundo quer formar um aluno cidadão. Mas onde isso está realmente colocado? A educação do século 21 passa por um trabalho muito intencional de competências”, defende ela.
No centro de ensino AfterSchool, a intencionalidade mencionada por ela está organizada em uma matriz de competências, que trabalha curiosidade, colaboração, autenticidade, solidariedade e responsabilidade. Esse modelo foi elaborado a partir de referências da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) e pesquisas do Casel (Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning), além de também considerar habilidades presentes no modelo de Chicago e no currículo australiano. “Nós mapeamos essas competências e fizemos a nossa escolha junto com os professores”, explica Letícia.
Como estratégia para desenvolver essas competências, o centro de educação trabalha com um modelo de missões inspirado na experiência da escola norte-americana Quest to Learn, criada pelo Institute of Play. A ideia é que as crianças estejam envolvidas com um desafio que conecta todas as experiências de aprendizado. “A missão é uma grande brincadeira, que nos ajuda a pensar de forma lúdica quais competências podemos trazer”, menciona a coordenadora pedagógica do espaço, Flávia Montagna.
No começo de cada mês, toda a equipe pedagógica do AfterSchool se reúne para elaborar uma nova missão para o contraturno, sempre baseada em uma das grandes competências apresentadas na matriz. A partir daí, também é realizado um planejamento semanal para trabalhar outras habilidades em unidades menores, tudo alinhado com os conteúdos das oficinas e laboratórios de desenvolvimento. Segundo Flávia, essas missões devem ser cativantes e curiosas para manter o interesse dos alunos.
Os temas podem ser os mais variados, desde engajar as crianças em uma ação voluntária até desvendar um mistério. Em uma das atividades do último ano, por exemplo, para trabalhar curiosidade e abertura a novas experiências, a turma foi convidada a viajar para um planeta desconhecido. Com os objetivos de aprendizagem definidos, na culinária criaram diferentes tipos de pedras comestíveis encontradas por lá e na oficina de parkour fizeram o circuito como se estivessem explorando o novo planeta.
“A aula requer muito planejamento. Quando eu vejo as competências que devem ser trabalhadas naquela semana, já tenho noção das atividades que vou desenvolver”, conta o professor Marcello Dominichelli, responsável pelas oficinas de parkour. Ele admite que em alguns momentos é preciso quebrar a cabeça para montar uma atividade, mas o trabalho coletivo facilita esse processo.
Para dar conta de estabelecer essas conexões, os professores participam de formações e encontros de planejamento coletivo. “O professor precisa ser muito sensível para sentir e conhecer cada criança. Ele também precisa ser muito criativo, já que em alguns momentos trabalhamos com temas abstratos. É mais difícil do que ensinar português, matemática e inglês porque você está formando um cidadão”, avalia a professora Nicole Reiche Pereira, que geralmente trabalha com crianças de 3 a 8 anos durante o período do curso regular.
Na primeira semana das férias, a turma trabalhou colaboração. Para isso, os educadores criaram a história do capitão Barba Polvo, um pirata que tem uma barba cheia de tentáculos, como descreveu Eric, 4, que, além das atividades do contraturno, também participa do curso regular. “O tesouro dele estava aqui no After e a gente teve que achar”, conta o menino. A sua colega, Manuela, 5, também se envolveu com o desafio e garante que para encontrar o tesouro foi preciso trabalhar em equipe: “Se fosse alguém sozinho atrás do tesouro, os outros não iriam achar.”
De acordo com a equipe da escola, os resultados desse trabalho de desenvolvimento socioemocional são percebidos no dia a dia das crianças, seja por observações dos educadores ou até mesmo pelos registros de portfólios e rubricas de avaliação. “Nós percebemos que as crianças falam e demonstram valores de atividades que já aconteceram. Elas também levam muita coisa para casa”, afirma a coordenadora pedagógica do espaço, Flávia Montagna.
Dentro de casa, a médica Juliana Giorgi diz que já consegue perceber o desenvolvimento do filho, Pedro, que entrou no AfterSchool em agosto quando ainda tinha 1 ano e meio. “Ele deu um salto muito grande na sociabilidade, está aprendendo a dividir e conviver em sociedade. A escola é tão dinâmica, que eu vejo ele sempre muito empolgado”, avalia.