Escola na Amazônia une lutheria e meio ambiente
Jovens da periferia de Manaus aprendem a construir instrumentos de corda e ajudam na preservação da floresta
por Vagner de Alencar 27 de junho de 2012
Violões, violas caipiras, cavaquinhos e bandolins são alguns dos instrumentos musicais que ganham forma pelas mãos dos jovens da periferia de Manaus, no Amazonas, no norte do país. Meninas e meninos, de 17 a 21 anos, encontraram no ofício de luthier – profissional que aprende a sofisticada arte de construir e consertar instrumentos de corda – não somente habilidades técnicas, mas também conhecimentos sobre preservação ambiental, ecologia e sustentabilidade.
As atividades acontecem no bairro de Zumbi dos Palmares II, comunidade vulnerável da capital, que por muitos anos estampou as manchetes dos jornais por conta dos altos índices de violência entre jovens. Atualmente, o cenário é outro. Criada há mais de dez anos, a Oficina Escola de Lutheria da Amazônia (Oela), projeto social e ecológico sem fins lucrativos, fundada por Rubens Gomes, vem transformando a realidade da comunidade.
Gomes é professor do centro de artes da Universidade Federal do Amazonas e presidente do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), rede socioambiental que reúne cerca de 600 associações, institutos, sindicatos e grupos comunitários da Amazônia e também ex-membro titular da comissão nacional da Rio+20.
Segundo ele, o grupo participou da construção do documento final da Rio+20 encaminhado à ONU. “Lamentavelmente boa parte das nossas contribuições foram barradas. Em uma delas propomos o manejo florestal diferenciado [técnica de corte de árvores ambientalmente correta]. Gostaríamos que o manejo fosse mais rigoroso e estivesse articulado com todo o processo de certificação, monitoramento e controle social. Mas o que foi escrito sobre o cenário florestal é muito genérico. Como se estivesse tudo bem no mundo”, afirma.
Se o documento final da Rio+20 não propôs metas mais rigorosas quanto a situação do manejo florestal, na escola de lutheria os jovens aprendem desde cedo como preservar a floresta amazônica. Na oficina, eles unem profissão e responsabilidade socioambiental por meio de cursos de formação, educação ambiental e inclusão digital.
No ateliê, os alunos lixam, serram e plainam – processo de nivelamento da madeira – os instrumentos. Mas também pesquisam novas espécies de madeiras e aprendem como respeitar os princípios do uso racional e sustentável dos recursos naturais da região. Prova disso é a matéria-prima em que confeccionam os instrumentos: totalmente proveniente de áreas preservadas. O curso de luteria é certificado pelo Ifam (Instituto Federal do Amazonas).
“Na fabricação de violões são utilizadas quatro espécies de madeira, duas delas são brasileiras. O melhor violão do mundo é feito em jacarandá-da-bahia, que está em processo de extinção. Se alguém for pego construindo com essa madeira, por exemplo, será preso”, explica Gomes.
Para fazer o braço do violão clássico, conta o presidente do projeto, a melhor madeira do mundo é o mogno, encontrada também em solo amazônico. As outras espécies, também ameaçadas, são ébano e tampo. “O violão é um instrumento de cunho social e de grande valor cultural e está em risco por falta de matéria-prima adequada”, acrescenta.
Veja a palestra de Rubens Gomes, no TEDxAmazônia :
Maior escola de lutheria
O curso básico de lutheria forma anualmente 40 jovens, de 17 a 21 anos. A exigência é que eles estejam cursando o ensino regular.“Somos a maior escola de lutheria do país e na área de pesquisa de madeiras somos a única no país”, afirma Gomes. Além das aulas, os alunos também participam de ciclos de palestras voltados à comunidade para tratar de temas como educação e comportamento.
Atualmente, muitos professores dos cursos realizados no projeto são ex-alunos, explica a coordenadora de projetos Charlene Dantas Ribeiro. “Temos alunos que estão dando aula de luteria na Universidade Federal do Amazonas. Outros montaram sua própria empresa, seu próprio ateliê”, conta.
Nos últimos anos, o projeto recebeu mais de uma dezena de prêmios. Em 2002, foram reconhecidos pelo Prêmio Banco Mundial de Cidadania, que premiou iniciativas inovadoras de organizações da sociedade civil. O último deles, em 2010, foi o Prêmio FINEP de Inovação Nacional. “Ganhamos R$ 1 milhão e vamos aplicar em pesquisa. Para isso, criaremos um curso técnico de lutheria e continuaremos a pesquisa de identificação de novas espécies de madeiras”, afirma o presidente do projeto.