Conheça a escola pública que vai receber os ministros do G20 no Ceará - PORVIR
Helene Santos - Casa Civil

Inovações em Educação

Conheça a escola pública que vai receber os ministros do G20 no Ceará

Inaugurada em 2013, a Escola Estadual de Educação Profissional Jaime Alencar de Oliveira, em Fortaleza (CE), destaca-se pelo acompanhamento pedagógico e pela promoção do protagonismo estudantil

por Ana Luísa D'Maschio ilustração relógio 29 de outubro de 2024

A EEEP (Escola Estadual de Educação Profissional) Jaime Alencar de Oliveira, em Fortaleza (CE), está prestes a estampar os principais noticiários do mundo. Na próxima quinta-feira (31), a escola receberá os ministros de Educação do G20 para um almoço oficial – o encontro integra a agenda “Ceará: Centro Global da Educação”, que acontece entre os dias 29 de outubro e 1º de novembro. 

Esta é a última etapa do GT (Grupo de Trabalho) de Educação do G20 durante a presidência brasileira, que se encerra em novembro. Pela primeira vez, o Brasil lidera o grupo que reúne as 19 maiores economias do mundo, além da União Europeia e da União Africana*. Paralelamente, de 31 de outubro a 2 de novembro, ocorrerá a Reunião Global de Educação (GEM, na sigla em inglês), coorganizada pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).

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Selecionado pela infraestrutura e pela proximidade ao Centro de Eventos do Ceará, que sediará boa parte dos encontros do G20 e da GEM, a escola Jaime Alencar de Oliveira passa longe da imagem de uma escola tradicional brasileira. Construída em uma área de 5.527 metros quadrados, foi inaugurada em 2 de abril de 2013, pela então presidente da República Dilma Rousseff. Com 12 salas de aula, conta com auditório para 200 pessoas, teatro de arena, laboratórios de línguas, informática, química, física, matemática e biologia. É a primeira da região que segue o padrão MEC (Ministério da Educação).

Kamillo Silva Fachada da EEEP Jaime Alencar de Oliveira

Construída com investimentos de R$ 7,6 milhões, em parceria entre os governos estadual e federal, a escola atualmente atende 520 alunos em tempo integral. Na instituição, são oferecidos cursos técnicos de Produção de Áudio e Vídeo, Multimídia, Desenvolvimento de Sistemas e Eletromecânica.

O almoço com 40 líderes de 19 países, da União Europeia e da União Africana, está agendado das 12h às 14h. No cardápio, arroz refogado, feijão temperado, farofa de cuscuz e frango ao cubo como prato principal, acompanhado de suco de acerola e uma rapadura de sobremesa. 

Os ministros serão recepcionados por 40 alunos: 27 da Jaime e outros 13 de escolas próximas, todos fluentes em inglês, selecionados pela Seduc (Secretaria de Educação). A proposta é que todos almocem juntos, conversem sobre o dia a dia da EEEP e a proposta de alimentação escolar no estado.

Aliada ao ensino, a merenda ajuda a reduzir a evasão de milhares de estudantes no Brasil. No Ceará, de acordo com a Seduc, são servidas diariamente 791.161 refeições, por meio do PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar), beneficiando 402.320 estudantes. O programa foi apontado como uma referência a ser seguida pelos membros da Coalizão Global Contra a Fome, lançada pelo G20.

O cardápio das escolas cearenses recebe contribuição dos alunos e é validado por nutricionistas dentro do Projeto EAN (Educação Alimentar e Nutricional), que também leva o debate sobre alimentação saudável às unidades de ensino. 

“A escola funcionará normalmente neste dia. Durante o almoço, outros estudantes estarão em sala de aula. Só não será um dia normal pela questão da segurança. Estamos nervosos, com bastante expectativa, mas felizes em ser escolhidos para fazer parte de um evento tão grandioso”, explica o diretor da EEEP Jaime Alencar de Oliveira, Kamillo Silva. 

Dario Gabriel/Alece Visita dos estudantes à Assembleia Legislativa do Estado do Ceará

Projeto Político-Pedagógico

O protagonismo estudantil é uma marca da rede cearense, em especial nas unidades de tempo integral, como é o caso da Jaime Alencar de Oliveira. Ou melhor, no JAO, como é chamado. Supervisionados, os estudantes cuidam das redes sociais da escola por meio da Agência Multimídia JAO.

As atividades do ano, com temáticas sugeridas pela Seduc, vão além das efemérides. O tema central de 2023 foi educação antirracista. Ao desenvolver jogos e eventos para conscientizar os estudantes, boas práticas que ganharam destaque na imprensa local, a escola recebeu o Selo Antirracista, concedido também a 30 unidades que realizaram projetos inovadores.

Em junho do mesmo ano, aconteceu o 1° Encontro pela Diversidade. Idealizado pelo professor de biologia, Danilo Souza, os debates mobilizaram a escola durante a V Semana Luiz Palhano Loiola, nome atribuído à Semana da Diversidade Sexual do Estado do Ceará, instituída pela lei 14.820, de 20 de dezembro de 2010.

Divulgação/Seduc (Secretaria de Educação do Governo do Estado do Ceará)  O 1° Encontro pela Diversidade, em 2023, teve como referência o mês e o dia internacional do orgulho LGBTQIAP+

“Desenvolvemos projetos que ganham continuidade e a cara da escola. O Selo Antirracista veio graças às atividades realizadas durante o ano, com simpósios, palestras, mesas redondas. Trouxemos uma mãe de santo, um pastor negro, representantes do candomblé e da umbanda. O respeito está acima de tudo”, exemplifica Kamillo.

Os assuntos diversos, relacionados ao projeto de vida e ao mercado de trabalho, são introduzidos no processo educacional a partir de componentes da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) e das disciplinas da base técnica. Afinal, reforça o diretor, trata-se de uma escola de educação profissional na qual os estudantes passam, diariamente, nove horas seguidas. E, por isso, não devem estar alheios à realidade.

“Nas ações de Setembro Amarelo, realizamos ainda uma Semana de Autocuidado para conversar sobre como devemos nos cuidar. Quando estamos na Semana da Mulher, na Semana Janaína Dutra de respeito à diversidade ou no dia Maria da Penha, de combate à violência e à misoginia recreativa, estendemos o assunto. O mesmo acontece com o combate a LGBTfobia. Reservamos tempo para essas formações, pois são assuntos plantados também dentro da escola”, descreve o diretor. 

O grande tema de 2024 é o combate à violência de gênero e contra a mulher. Para tanto, os alunos se dedicam a produções artísticas: dança, audiovisual, pintura, crônicas, poemas. “Todos são convidados a participar. Esse acolhimento é fruto do grupo de 55 pessoas que temos aqui, professores, servidores e funcionários. Nossa proposta é fortalecer o protagonismo desses meninos, transformando a vida do estudante, e também fazer do Jaime Alencar uma escola legal para trabalhar”, comenta.

Kamillo diz que ser diretor é igualmente gratificante. “Entendo que, no primeiro momento, você é a primeira instância possível para contribuir com a vida desse estudante, sendo coordenador, sendo gestor. Eu sou muito consciente do meu papel com alguém que está aqui para concretizar os sonhos deles. É minha principal motivação ajudar um bocado de jovens a realizar seus projetos de vida.”

Raio-x do diretor

Professor de história com mestrado e doutorado pela UFC (Universidade Federal do Ceará), Kamillo está à frente da EEEP Jaime Alencar de Oliveira desde a inauguração. Filho único do agricultor Raimundo Vera e da dona de casa Lucília Maria, nasceu e morou boa parte da vida em Jaguaruana, conhecida como terra da rede de dormir, localizada a 183 quilômetros da capital cearense.

Arquivo pessoal Kamillo Silva, diretor da escola

O interesse pela profissão docente veio no último ano do ensino médio, quando foi morar com a tia, Maria Aparecida, em Fortaleza. “Ela tinha uma mesa de trabalho e a biblioteca pessoal mais bonita que eu já vi”, recorda-se.

“Tia Maria sempre foi uma inspiração. Era vice-diretora de um colégio de freiras chamado Rosa Gaturro. À noite, trabalhava como professora de língua portuguesa em um colégio estadual. Eu estudava pela manhã e passava as tardes com ela. Ela notou meu interesse e me colocou como auxiliar nas aulas de reforço das crianças do ensino fundamental. Confirmei ali que meu futuro seria em uma sala de aula.”

Dos quatro filhos da Tia Maria, dois se tornaram educadores: um leciona grego na UFPR (Universidade Federal do Paraná); outra é professora de literatura na UECE (Universidade Estadual do Ceará). O sobrinho Kamillo também seguiu na profissão docente. 

Mas a tão sonhada vaga em história, disciplina que decidiu cursar inspirado pelas aulas de seu professor dos ensinos fundamental e médio, José Célio de Carvalho, demorou um pouco para chegar.

Kamillo não passou quando prestou vestibular pela primeira vez. Voltou para Jaguaruana, dedicou-se aos estudos e passou no curso de história da UFC (Universidade Federal do Ceará), no campus da cidade de Limoeiro do Norte. Os 90 km de distância eram percorridos diariamente. 

O anseio para assumir uma turma veio assim que passou no vestibular. Amigo do padre da cidade, que era diretor do Centro Educacional Cônego Agostinho, foi correndo contar a novidade e insistir para que lhe dessem uma oportunidade. A vice-diretora da escola também o conhecia: havia sido sua professora de português nos ensinos fundamental e médio.

“Eu morava ao lado da igreja e vivia aperreando o padre para conseguir uma sala de aula. Até que pintou uma vaga para professor de inglês no período noturno que não deixei escapar. Ainda hoje encontro os alunos, que me dizem: “Como tu me enganava com aquelas musiquinhas (risos). Eles me veem e já saem cantando”, diverte-se.

Vieram mais salas de inglês até se tornar concursado. Na sequência, ingressou no mestrado, também pela UFC, conquista que o levou de volta para Fortaleza. “Voltei à capital para morar na casa de outra tia, antes de trazer meus pais para viver comigo aqui. Era bolsista da Funcap (Fundação Cearense de Apoio à Pesquisa). Fui por muito tempo professor temporário: trabalhava à noite em uma escola pública e durante o dia em outras duas escolas particulares, nos turnos da manhã e da tarde”, relembra.

A despeito da agenda apertada, Kamillo ainda encontrava tempo para ensinar nos finais de semana. “Eu me aproximei da fundação da universidade estadual, que oferecia licenciaturas em diferentes estados, aos sábados e domingos. Passei a dar aula na graduação, nas disciplinas introdutórias de cursos como filosofia e sociologia como temporário, Viajava todo final de semana”. As coisas se acalmaram em 2010, quando passou no concurso do estado e passou a cumprir a carga horária de 200 horas em apenas dois turnos, manhã e tarde. 

Vem dessa época a reflexão: “Se eu não fosse professor, qual carreira seguiria? Minha resposta é sempre a mesma: professor. De novo, de novo e de novo. Tive muito apoio dos meus pais”, relembra. Suporte reforçado pela esposa, a pedagoga Ana Daniela, com quem tem dois filhos: Gregório, de 9, e Victor, de 4 anos, e divide o amor pela profissão.

Dario Gabriel/Alece Visita dos estudantes à Assembleia Legislativa do Estado do Ceará

Nos anos seguintes, Kamillo se especializou em gestão escolar e fez um novo concurso, dessa vez para diretor. Surgiram oportunidades fora da capital, até aparecer a vaga na Escola Estadual de Educação Profissional Juarez Távora, onde ficou até 2015. Deixou a direção para se dedicar ao doutorado e, ao final do curso, recebeu o convite para a gestão da EEEP Jaime Alencar de Oliveira, onde está desde 2018.

“Olhe só como é o destino: eu estive na inauguração da Jaime, em 2013, e na época circulou uma foto minha com os estudantes. Muita gente me parava para perguntar se eu era o novo diretor… Ainda não era. Mas não minto em dizer que conheço a escola desde seu primeiro dia”, brinca.

Gestão democrática

O diretor acredita na escuta qualificada e no acolhimento como pontos centrais de uma administração escolar. Ele faz questão de manter uma relação próxima com os estudantes a ponto de ter criado um projeto de personalização para conhecer, de fato, os anseios de cada um deles. 

“Eu batizei esse momento de Projeto Permanecer. Sabemos que os alunos de ensino médio costumam evadir porque não há um vínculo fortalecido com a escola, por isso me empenho nessa proposta. Faço uma entrevista individual com todos os estudantes assim que eles chegam. Busco entender seus objetivos, o que querem com o curso e o que pretendem fazer depois do ensino médio. Esses dados são compilados e distribuídos aos professores”, explica. 

Helene Santos – Casa Civil  A sexta Sala Google do estado do Ceará foi inaugurada dia 22/10, na Jaime Alencar

O questionário ajuda no direcionamento para as vagas de estágio, na continuação dos estudos na universidade ou mesmo a entender as razões de quem não quer ingressar no curso superior assim que terminar o ensino médio. No terceiro ano, todos os estudantes dos colégios profissionalizantes do Ceará são encaminhados para um estágio remunerado. O aluno só conclui o ensino médio se finalizar essa etapa.

Outro ponto que faz a diferença, de acordo com Kamillo, é o fato de a escola estar sempre aberta aos ex-alunos. Tanto que existe o projeto “É pra JÁime”, que convida quem já passou por ali para contar como é a vida fora da escola, no ambiente universitário e no ambiente de trabalho. “É uma maneira de inspirar quem estuda. Os alunos sempre vão ser as estrelas da nossa escola.”

Além de apostar nos estudantes, Kamillo defende a profissão docente para as turmas e até para os próprios filhos. “Por vezes, vemos professores que não querem que seus filhos sejam professores. Eu penso completamente diferente. Aqui na escola, eu os estimulo demais, e eles sabem o quanto eu repito: “Gente, precisamos de cada vez mais professores! Escolham suas licenciaturas.”


*Participam do G20 ministros, representantes ou delegados dos seguintes países: África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia, Turquia, União Europeia e União Africana. Além disso, são convidados países como Angola, Emirados Árabes Unidos, Espanha, Noruega, Portugal e Singapura.


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educação profissional, empreendedorismo, gestão democrática, gestão escolar, socioemocionais, tecnologia

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