Escola pública envolve as crianças e a comunidade para transformar o espaço
Em Fortaleza (CE), Centro de Educação Infantil Jornalista Ivonete Maia trabalhou com materiais recicláveis para criar novos espaços de aprendizagem
por Marina Lopes 10 de dezembro de 2018
Em 2016, quando a educadora Flávia Rufino assumiu a coordenação pedagógica do Centro de Educação Infantil Jornalista Ivonete Maia, em Fortaleza (CE), os 951,06m² da instituição eram pouco aproveitados para o desenvolvimento de atividades ao ar livre com as crianças. Com apenas dois anos de funcionamento, o espaço já dava sinais de desgaste: o mato alto impedia o acesso a boa parte da área externa e o parquinho estava interditado para manutenção. Sem recursos para começar uma reforma, a saída para revitalizar a escola pública foi envolver as crianças, as professoras e as famílias em um projeto que pudesse atender aos interesses de todos.
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“A escola era nova, mas tinha portões fechados em toda a parte externa. As pessoas que trabalhavam aqui tinham o desejo de fazer alguma coisa nas áreas que não eram utilizadas”, lembra a coordenadora, que na época reuniu toda a equipe para dar início a um trabalho de sensibilização. Com uma máquina de cortar grama emprestada, o primeiro passo foi dar um fim no matagal. “Quando fizemos isso, as crianças começaram a interagir com o espaço, mesmo sem ter nada. A partir daí, começamos a perguntar para elas o que poderia ser feito no local.”
Para estimular reflexões sobre os desejos das crianças para a revitalização da área externa da escola, foi desenvolvido um trabalho com releituras do pintor holandês Van Gogh. A obra do grafiteiro cearense Weaver Lima também serviu de inspiração para o projeto Rastro de Criança, que tinha o objetivo de captar por meio de desenhos as falas de meninos e meninas sobre o que poderia ser construído no jardim. “A ideia era encantar as crianças pela arte”, conta Flávia.
Um reforma a muitas mãos
A mudança começou com poucos recursos. Alguns metros de corda ajudaram a reformar os brinquedos para reabrir o parquinho. “Vinha uma mãe e falava: tia, tem pneu na minha casa. Aí iam três pessoas buscar esse pneu. A gente usou muito material reciclável”, diz a coordenadora, que não deixou de aproveitar nada. No pátio interno da escola, com carretéis de madeira doados por uma fábrica, foi construído um atelier de uso compartilhado para todas as turmas. Já uma geladeira quebrada se transformou em matéria prima para uma biblioteca criativa, chamada pelos alunos de geloteca.
Na área externa do jardim, todo final de tarde as professoras umidificavam a terra para que as crianças pudessem cavar no dia seguinte. Com garrafas pet coloridas, foram construídos os primeiros canteiros. Aos poucos, após as turmas pesquisarem sobre flores e plantas medicinais, começaram a chegar as primeiras doações de mudas. A mobilização da comunidade também conquistou o apoio externo da SEUMA (Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente), que organizou o plantio de árvores nos arredores da creche.
“Com o jardim, a escola começou a ganhar uma nova cara. Desde então, só vêm coisas boas dele, inclusive na relação da escola com as famílias”, destaca a coordenadora. Hoje, um dos canteiros é dedicado ao cultivo de ervas medicinais, que quase sempre são requisitadas pela comunidade. “Eu gosto de pegar capim santo, hortelã e erva cidreira aqui para fazer chá em casa”, conta Maria Helena Furtado, que é mãe do aluno Thiago, 6. Moradora da região, ela recorda que acompanhou a obra da escola com expectativa de que conseguiria uma vaga para o menino. “Quando começou a construção da creche, eu estava grávida. Sempre falava que tinha fé em Deus que meu filho iria estudar aqui.”
Quem também sempre está presente na creche é Regiane Monteiro, mãe da Victória, 3, aluna com deficiência visual e mobilidade reduzida. “Sempre que posso, participo das atividades. Eu tenho até inveja desse jardim daqui”, brinca. Para ela, além dos espaços e do contato com a natureza, a atenção do corpo docente também é fundamental para estabelecer uma relação mútua de confiança. “Aqui, o aprendizado e o desenvolvimento da minha filha foi muito grande.”
E não são apenas as famílias das crianças que se envolvem no dia a dia escolar. Moradora antiga da comunidade, Maria José de Oliveira, mais conhecida como Dona Zezé, é uma frequentadora assídua da creche. “Eu sempre estou aqui. Agora a creche está outra coisa, muito bonita. Antes estava feinho, né?’, diz ela, que se ofereceu para organizar uma oficina de crochê e fuxico com as mães das crianças.
Cidadania se aprende na escola
Com a mobilização de famílias e vizinhos, as ações desenvolvidas pela escola ultrapassaram os muros. No ano passado, as crianças foram às ruas com panfletos e placas educativas para conscientizar os moradores sobre o lixo e o cuidado com a natureza. Também foi organizada uma passeata para envolver a população local no combate ao mosquito da dengue.
“Claro que não tiramos a responsabilidade do poder público, mas podemos contribuir com o nosso trabalho. Não tem forma melhor para conscientizar as pessoas a cuidarem de um espaço do que quando elas veem um gestor, um professor ou até mesmo os próprios filhos cuidando”, defende a coordenadora do CEI Jornalista Ivonete Maia.
Em outra ação de cidadania, após as crianças estudarem sobre segurança no trânsito, um estacionamento ocioso da creche foi visto como oportunidade para construção de uma minicidade. Nas paredes, desenhos como os do posto de saúde, da lanchonete e da Arena Castelão, que fica a 1km da escola, retratam pontos importantes da comunidade. No chão, placas de trânsito e faixas de pedestre sinalizam o funcionamento da cidade.
Assim como outras mudanças feitas na escola, a minicidade foi construída com participação das professoras e da comunidade. Até as crianças se envolveram na pintura. “Eu ajudei a pintar uma casa azul na minicidade”, orgulha-se Antônio José, 4. Quando questionado sobre seu espaço preferido na escola, ele não pensa duas vezes: “Eu gosto de ir para a minicidade. Lá eu brinco de bola, de correr e de jogar futebol”, diz.
Impacto dos espaços na aprendizagem
O reflexo de todas essas mudanças também pode ser visto na aprendizagem das crianças. Para a professora Elianes Lima da Silva, que está há três anos na escola e acompanhou de perto o processo de mudança, a revitalização traz novas oportunidades de exploração para as crianças. “Os espaços enriqueceram o nosso trabalho diário. A gente saiu de um contexto de só ficar dentro da sala falando. Uma coisa é você limitar uma criança dentro da sala, outra coisa é você ver a interação dela em outro espaço, com muito mais experiências e possibilidades de aprendizagem”, ressalta.
“Nós temos o privilégio de ter espaços que nos apoiam na construção do conhecimento”, concorda a professora Silvana Santiago. Segundo ela, o envolvimento das crianças na construção de projetos como o do jardim e o da minicidade também faz com que elas se sintam parte da escola. “Tudo é conversado com as crianças. Nós sempre estimulamos o diálogo de igual para igual. Elas têm a creche como uma extensão da sua infância.”