Funk vai para o banco dos réus em escola do Espírito Santo - PORVIR
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Diário de Inovações

Funk vai para o banco dos réus em escola do Espírito Santo

Professora conta como envolveu alunos, professores, familiares e funcionários em debate e votação sobre tipos e letras do estilo musical

por Marlúcia da Silva Souza Brandão ilustração relógio 16 de setembro de 2015

Desde 2008, eu participo dos cursos de formação de professores Caminhos da Escrita**. A necessidade de elaborar um projeto para o programa me ajudou a ter muitas ideias. O projeto Funk: Despertando pontos de vista na sala de aula surgiu durante uma aula, no primeiro ano do ensino médio, sobre poesia. Duas alunas estavam discutindo sobre funk. Uma falou para a outra que ‘aquilo não era música para se ouvir’, enquanto a outra rebateu que ‘era uma música como qualquer outra’.

Diante disso, eu tive a ideia de levar a temática para dentro da sala de aula e discutir sobre isso. Por ser uma música no estilo marginal, eu tinha medo da polêmica que isso poderia causar. Tentei evitar ao máximo qualquer tipo de atrito, já que há opiniões muito diferentes na classe, como a dos alunos evangélicos que, no começo, eram totalmente contra qualquer tipo de funk.

Para começar os trabalhos, eu pedi que os alunos realizassem pesquisas sobre o funk, seus estilos e letras. Eu conhecia muito pouco desse universo, então consegui aprender com os estudantes. Eles descobriram que existem cinco tipos de funk: o ostentação, proibidão, consciente, melody e gospel.

Diante disso, a sala foi dividida em cinco grandes grupos, um para cada tipo de funk. Os alunos realizaram as plenárias e debateram todas as informações que conseguiram levantar sobre letras, música, as pessoas que acompanham determinado estilo, os grupos musicais etc. Depois, os grupos apresentaram o trabalho para a sala, para que todos pudessem conhecer os outros estilos.

Eu tenho 27 anos de sala de aula e nunca trabalhei uma temática tão polêmica quanto o funk

O passo seguinte foi levantar a opinião da sala, que acabou dividida em três grupos: aqueles a favor do funk, que frequentavam bailes e gostavam da música; os 100% contra esse estilo e os que eram meio termo: defendiam que dava para ouvir algumas músicas, outras não. Por essa divisão muito grande de posicionamentos, os próprios alunos deram a ideia de fazer uma pesquisa na escola. Eles passaram de sala em sala, explicaram o projeto, levaram urnas e cédulas para o pessoal votar. Alunos, serventes, secretários, professores, toda a escola votou. Também levaram as cédulas para casa para os pais votarem.

Depois, nós fizemos um júri popular, que chamamos de debate regrado, onde o funk foi para o banco dos réus. A polêmica girou em torno da questão do estilo ser culpado ou não por temas polêmicos das letras de músicas. A intenção era que os alunos se munissem de argumentos para escrever um artigo de opinião, que depois seria publicado no blog da sala.

A criação dessa página ajudou a não ficarmos só na relação professor e aluno. Como os textos seriam publicados, os estudantes sentiram um compromisso maior em saber que outras pessoas iriam ler o que escreveram.

Quando o assunto é polêmico, você percebe que o aluno se abre. Ele quer discutir e se posicionar

Durante a realização do projeto, eu percebi que os alunos foram amadurecendo as opiniões, deixando de ser tão radicais. Alguns, que no começo eram 100% contra o funk, começaram a enxergar o outro lado. Além disso, a turma se uniu muito para realizar as plenárias e o debate. Todos evoluíram com o trabalho. Cada estudante passou a ter voz para argumentar. Alguns que antes não participavam das aulas, passaram a se posicionar.

Depois da discussão, nós concluímos que não dá para julgar o funk como uma coisa só. O funk consciente faz uma denúncia dos problemas sociais, enquanto o melody é uma música amorosa.

O projeto envolveu a escola inteira. Professores e funcionários me paravam no corredor, perguntando sobre os debates e as votações. Eu tenho 27 anos de sala de aula e eu nunca trabalhei uma temática tão polêmica quanto o funk. Nesses casos, você percebe que o aluno se abre. Ele quer discutir e se posicionar, porque isso faz parte do universo dele.

 

** Caminhos da Escrita é um curso online para formação de professores, que faz parte da Olimpíada de Língua Portuguesa “Escrevendo o Futuro”, iniciativa da Fundação Itaú Social e do Ministério da Educação (MEC), sob coordenação do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária).

 


Marlúcia da Silva Souza Brandão

Marlúcia da Silva Souza Brandão é graduada em Letras pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras “Madre Gertrudes de São José” (Cachoeiro de Itapemirim- ES) e em Pedagogia pelo Instituto Superior de Educação Ibituruna – ISEIB. Especializou-se em Linguística Aplicada ao Português, Psicopedagogia Institucional, Gestão Escolar Integradora e em Ciência da Educação com especialização em Supervisão Pedagógica e Formação de Formadores. Atua na docência desde maio de 1988.

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competências para o século 21, engajamento familiar, ensino médio, interdisciplinaridade

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