Estudo aponta relações entre competências socioemocionais e desempenho acadêmico - PORVIR
Ascom Ceará/Divulgação

Inovações em Educação

Estudo aponta relações entre competências socioemocionais e desempenho acadêmico

Levantamento da OCDE realizado em Sobral (CE) mostra que estudantes em situações de vulnerabilidade social relatam níveis mais baixos de abertura ao novo e engajamento com os outros do que aqueles mais favorecidos

por Vinícius de Oliveira ilustração relógio 29 de abril de 2024

Um estudo realizado em Sobral (CE) pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) com apoio do Instituto Ayrton Senna revelou relações significativas entre competências socioemocionais e desempenho acadêmico, destacando também o impacto positivo no bem-estar psicológico dos jovens. Isso afeta tanto o seu desenvolvimento acadêmico quanto pessoal.

Os resultados do estudo foram apresentados durante a Bett Brasil, um evento de tecnologia e inovação que ocorreu em São Paulo (SP) na última semana. Pela primeira vez, o Brasil esteve envolvido na coleta principal de dados sobre o tema, juntamente com outros 16 países e organizações, incluindo Colômbia, Chile, Itália, Japão, Finlândia e Bulgária.

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Intitulado “Social and Emotional Skills: Innovative tools for direct assessment” (em tradução livre, “Competências Socioemocionais: Ferramentas Inovadoras para Avaliação Direta”), o estudo é uma das primeiras pesquisas internacionais em larga escala sobre competências socioemocionais e abrange dados de milhares de estudantes de 10 e 15 anos de idade. O objetivo da pesquisa é avaliar 15 competências socioemocionais, entender sua relevância na vida dos estudantes e identificar os fatores que facilitam ou impedem seu desenvolvimento.

No painel da Bett Brasil que marcou o lançamento do relatório, estiveram presentes Karen Teixeira, gerente de pesquisa do eduLab21 (laboratório de ciências para a educação do Instituto Ayrton Senna) e Herbert Lima, secretário da Educação do Município de Sobral (CE). A mediação foi de Antônio Gois, colunista do “O Globo” e um dos fundadores da Associação de Jornalistas de Educação, a Jeduca.

Sobral, que atualmente se destaca em índices de aprendizagem, experimentou inúmeras reformas educacionais que envolveram mudanças na gestão escolar, na formação de professores e nos métodos de avaliação. Essas transformações fizeram com que a cidade continuasse a atrair a atenção de especialistas devido à sua melhoria em indicadores como o Ideb (confira todos os resultados no site QEdu). No entanto, segundo o secretário Herbert, foi essencial considerar aspectos além dos meros resultados de aprendizagem.

“Os resultados mostravam o bom desempenho acadêmico dos alunos, mas mesmo assim eles não sentiam bem, porque era um sistema que tinha foco no desenvolvimento de uma competência que é muito importante e inegociável, que é a competência cognitiva”.

O novo plano educacional começou a considerar as características pessoais que os alunos trazem para a escola. “Embora um estudante possa acompanhar as aulas adequadamente, devido ao ritmo estabelecido, ao foco e à estrutura do material didático e suporte pedagógico, ele pode ainda assim enfrentar aflições, angústias e dificuldades”, explicou o secretário de Sobral.

Herbert destacou que o projeto foi fundamentado em uma sólida base científica, tornando essencial a consulta à literatura acadêmica para definir os princípios fundamentais, modelos teóricos e estudos relevantes. “Assim, podemos entender como as evidências e os resultados de pesquisa orientam a aplicação prática desses conceitos”, acrescentou.

Com apoio do Instituto Ayrton Senna, o município cearense investiu na formulação de uma lei sobre o tema e criou uma nova figura dentro do quadro de funcionários escolares. Cada núcleo gestor das escolas de ensino fundamental, tanto dos anos iniciais quanto finais, conta com um psicólogo. Esse profissional, contratado via concurso público e inicialmente capacitado pelo instituto, também participa de cursos oferecidos pela escola de formação de professores da rede.


Na sala de aula, o secretário destaca que o psicólogo colabora com o professor, seja ele alfabetizador ou especialista em uma área específica, para criar planos de aula que integrem competências acadêmicas e socioemocionais. Por exemplo: ensinar a interpretar e extrair informações explícitas de um texto — habilidade essencial nos anos iniciais — é combinado com o desenvolvimento de amabilidade, respeito e tolerância, integrando essas competências ao conteúdo de maneira holística. “Não é psicologia clínica, é psicologia escolar”, disse Herbert.

Sobre a avaliação da OCDE 
Como essas habilidades foram avaliadas?
Todos os estudantes preenchem um questionário no qual expressam seu grau de concordância ou discordância com uma série de afirmações. Algumas dessas afirmações são: “Eu continuo trabalhando em uma tarefa até terminá-la”, “Mantenho a calma mesmo em situações tensas” e “Sou capaz de defender meus interesses quando são desafiados”.

Quem participou da pesquisa?
Todos os países e regiões avaliaram alunos de 15 anos, sendo que incluir alunos de 10 anos era opcional. Estudantes de dezesseis locais — seis países e dez regiões subnacionais — participaram do levantamento. Os dados de sete locais que participaram da primeira rodada em 2019, mas não em 2023, também foram incluídos nas análises do relatório sempre que possível, a fim de ampliar a abrangência da média internacional. Em Sobral, 2.200 estudantes de 10 anos e 2.300 de 15 anos completaram a avaliação.

Quais habilidades foram avaliadas?
O questionário da OCDE tinha como objetivo avaliar um conjunto de habilidades, tais como:
– Habilidades de desempenho de tarefas (persistência, responsabilidade, autocontrole e motivação para o sucesso)
– Habilidades de regulação emocional (resistência ao estresse, controle emocional e otimismo)
– Habilidades de interação com os outros (assertividade, sociabilidade e energia)
– Habilidades de aceitação de novas ideias (curiosidade, criatividade e tolerância)
– Habilidades de colaboração (empatia e confiança)

Habilidades socioemocionais em contexto de inteligência artificial

Em vídeo exibido no início do painel, Andreas Schleicher, diretor de educação da OCDE, descreveu os desafios atuais da educação. “As competências facilmente ensináveis e avaliáveis também são facilmente automatizáveis”, afirmou. Neste contexto de avanços em inteligência artificial, segundo ele, é fundamental focar nas qualidades que destacam nossa humanidade. “O futuro é sobre combinar a inteligência artificial dos nossos computadores com as competências cognitivas, socioemocionais e valores dos seres humanos”, declarou.

“Atualmente, uma educação bem-sucedida concentra-se em identidade, autonomia e propósito. Envolve cultivar a curiosidade e abrir mentes; fomentar a compaixão e abrir corações; e incentivar a coragem para mobilizar nossos recursos cognitivos, sociais e emocionais em ação. Essas qualidades representam também nossas melhores ferramentas para enfrentar os grandes desafios da atualidade.”

Principais conclusões do estudo sobre a rede de Sobral

Ao avaliar os resultados brasileiros, o diretor da OCDE lembrou que estudantes com competências socioemocionais mais desenvolvidas são mais felizes com suas vidas e com suas relações com outras pessoas. Eles demonstram maior bem-estar psicológico e estão mais engajados em comportamentos saudáveis. E por que desenvolver as competências socioemocionais é tão importante em Sobral?

“Estudantes de 15 anos em Sobral relataram estar acima da média em comportamentos pouco saudáveis. Eles não estão comendo frutas e vegetais suficientes, que são importantes, não estão fazendo atividade física, nem dormindo pelo menos 8 horas, o que é muito importante nessa idade. Em Sobral, um em cada dez estudantes relatou nunca comer frutas ou vegetais. E quase três em cada dez estudantes relataram nunca se exercitar. Esse é o índice mais alto de todas as cidades em que a coleta foi realizada”, ressaltou. 

O diretor da OCDE também avalia que os resultados da pesquisa chegam em um momento importante para o Brasil e podem influenciar debates sobre a atualização do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) e do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio).

Confira um resumo dos dados brasileiros

“Resultados de um estudo dessa magnitude são de grande contribuição para disseminar a importância das competências socioemocionais, compreender como elas podem beneficiar a vida dos estudantes de forma ampla e orientar, com base em evidências, políticas que visem seu desenvolvimento integral”, afirma Karen.

Mas como as competências socioemocionais e questões acadêmicas estão relacionadas? Confira um resumo:

Influência da idade: o estudo evidencia disparidades no desenvolvimento das competências socioemocionais entre estudantes de 10 e 15 anos. Enquanto os estudantes mais jovens demonstraram maior progresso em competências como confiança, determinação, assertividade e otimismo, em comparação aos de 15 anos, estes últimos relataram um avanço superior na competência de empatia. Essas discrepâncias ressaltam a importância de compreender os elementos que influenciam tal desenvolvimento. 

Uma hipótese sugerida por Karen Teixeira é que os estudantes de 10 anos, especialmente aqueles no ensino fundamental 1, desfrutam de uma relação mais próxima com um único professor, o que pode facilitar o progresso socioemocional.

“Professores do ensino fundamental 1 podem ter acesso a mais formações relacionadas ao desenvolvimento socioemocional, tornando-os mais preparados para ajudar os alunos nessa área. Esses insights (sugestões) sugerem a importância de fornecer formação adequada aos professores do ensino fundamental para melhorar o desenvolvimento socioemocional dos alunos mais velhos”, afirmou a especialista do Instituto Ayrton Senna. 

Frequência escolar: o relatório também destaca que os estudantes de Sobral relatam menos faltas em comparação com a média dos países participantes, embora relatem chegar atrasados à escola com maior frequência. Karen Teixeira destaca a importância de observar essa tendência: “A incidência de faltas e atrasos é crucial, pois pode ser um indicador de possível abandono escolar e afetar o desempenho dos alunos. Competências como determinação, persistência e responsabilidade contribuem para a redução das taxas de faltas e atrasos. Além disso, competências como otimismo e entusiasmo estão associadas a indicadores de saúde e bem-estar.”

Notas escolares: entre os resultados mais relevantes, a representante do Instituto Ayrton Senna apontou que competências como desempenho de tarefas e abertura ao novo estão relacionadas com melhores notas escolares; a autogestão e curiosidade foram relevantes como os principais impulsionadores do desempenho em disciplinas como matemática, leitura e artes; enquanto otimismo e entusiasmo influenciam positivamente o bem-estar dos estudantes.

Outra conclusão trazida por Karen é que “todas as competências socioemocionais analisadas contribuíram para o aprimoramento do desempenho acadêmico, desmistificando a ideia de que o desenvolvimento dessas habilidades poderia prejudicar o aprendizado tradicional”. 

Secretaria de Educação de Sobral/Reprodução

Outras conclusões gerais do estudo

Quando se consideram os dados gerais do estudo, a OCDE tira as seguintes conclusões:

  • Há disparidades nas habilidades socioemocionais de acordo com a idade, gênero e contexto familiar dos estudantes

Estudantes mais jovens (10 anos) geralmente relatam habilidades socioemocionais mais altas do que os mais velhos (15 anos), particularmente em confiança, energia e otimismo.

Os meninos tendem a relatar habilidades mais altas de regulação emocional (particularmente resistência ao estresse), energia, confiança e sociabilidade do que as meninas aos 15 anos. As disparidades de gênero nessas habilidades geralmente surgem na adolescência, exceto pela resistência ao estresse, onde uma diferença já é visível aos 10 anos. 

Em média, as meninas relatam maior tolerância, motivação para o sucesso, empatia e responsabilidade do que os meninos aos 15 anos.

Estudantes socioeconomicamente desfavorecidos relatam níveis mais baixos de todas as habilidades em comparação com os favorecidos, em média, e essas lacunas são maiores para habilidades de mente aberta (criatividade, tolerância e curiosidade) e aquelas relacionadas à interação com os outros (assertividade, sociabilidade e empatia).

  • Estudantes relataram níveis mais baixos da maioria das habilidades socioemocionais em 2023 do que em 2019 nos dois locais que repetiram o estudo

Em Helsinque (Finlândia) e Bogotá (Colômbia), tanto os de 10 quanto os de 15 anos tendem a relatar habilidades socioemocionais mais baixas em 2023 em comparação com 2019. Essas diferenças são maiores para habilidades de mente aberta (tolerância, criatividade e curiosidade) mas também são encontradas para responsabilidade, autocontrole, confiança e sociabilidade em ambos os locais.

Em ambos os locais, as disparidades de gênero em habilidades de regulação emocional e energia aumentaram, com os meninos relatando níveis ainda mais altos dessas habilidades do que as meninas em média em 2023 em comparação com 2019.

  • As meninas relatam comportamentos menos saudáveis e níveis mais baixos de satisfação com a vida e bem-estar psicológico do que os meninos, no entanto, tendem a ser mais ambiciosas

Em média, as meninas relatam comportamentos menos saudáveis, como tomar café da manhã, dormir o suficiente e se exercitar regularmente, do que os meninos. Elas também tendem a relatar resultados de bem-estar mais baixos – satisfação com a vida, bem-estar psicológico, satisfação com relacionamentos e imagem corporal – e maior ansiedade em testes e em sala de aula do que os meninos.

As meninas são mais propensas a esperar completar o ensino superior ou técnico e a ter uma carreira gerencial ou profissional no futuro do que os meninos.

  • A maioria dos jovens de 15 anos não está dormindo o suficiente, o que pode impactar negativamente seu bem-estar

Em média, em todos os locais, mais da metade dos jovens de 15 anos diz que dorme menos de oito horas na maioria das noites.

Dormir o suficiente tem uma relação mais forte com o bem-estar psicológico e a satisfação com a vida dos estudantes de qualquer comportamento de saúde.

Estudantes com maiores níveis de otimismo, energia e habilidades de desempenho de tarefas (particularmente motivação para o sucesso, persistência e responsabilidade) se envolvem em comportamentos mais saudáveis, incluindo dormir o suficiente, comer de forma saudável e se exercitar regularmente.

  • Estudantes com habilidades socioemocionais mais baixas tendem a ter resultados de bem-estar mais fracos

Estudantes com habilidades mais baixas de regulação emocional (particularmente otimismo), energia e confiança tendem a relatar resultados de bem-estar mais pobres, incluindo menor satisfação com a vida e bem-estar psicológico.

As habilidades que estão mais fortemente e consistentemente associadas a resultados de bem-estar – otimismo, energia e confiança – são aquelas que apresentam as maiores quedas entre os 10 e 15 anos e as maiores disparidades de gênero.

  • Estudantes com habilidades de desempenho de tarefas e curiosidade mais altas alcançam maior sucesso acadêmico

Estudantes que relatam habilidades de desempenho de tarefas mais altas (particularmente motivação para o sucesso e persistência) e curiosidade tendem a obter melhores notas em leitura, matemática e artes e chegam atrasados ou faltam à escola menos vezes.

Habilidades de desempenho de tarefas e curiosidade estão associadas ao desempenho acadêmico entre meninos e meninas, assim como entre estudantes desfavorecidos e favorecidos, sugerindo que essas habilidades podem apoiar melhores resultados para todos os estudantes.

  • Estudantes com habilidades de aceitação de novas ideias e de desempenho de tarefas mais altas estão mais preparados e são mais ambiciosos para sua educação e carreira futura

Habilidades de aceitação de novas ideias – particularmente curiosidade, mas também criatividade e tolerância – estão associadas à exploração de carreiras dos estudantes e suas expectativas de completar a educação terciária ou ter uma carreira gerencial ou profissional no futuro.

Habilidades de desempenho de tarefas (particularmente motivação para o sucesso e persistência) – as habilidades mais fortemente associadas ao desempenho acadêmico – também estão ligadas a essas atividades e expectativas.

  • Há altos níveis de ambição entre os estudantes, incluindo entre os desfavorecidos

A maioria dos estudantes de 15 anos realizou de três a quatro atividades de desenvolvimento de carreira enquanto se prepara para o mundo do trabalho. As atividades mais comuns são pesquisar programas de ensino superior e carreiras online.

A maioria dos alunos espera frequentar o ensino superior e ter uma carreira gerencial ou profissional no futuro, enquanto cerca de metade dos estudantes diz que é provável que iniciem seu próprio negócio. Embora mais baixos do que entre estudantes socioeconomicamente favorecidos e aqueles com as melhores notas acadêmicas, ainda há níveis relativamente altos dessas ambição entre estudantes desfavorecidos e aqueles com as notas mais baixas.

  • Estudantes estão identificando caminhos de carreira que se alinham com suas habilidades socioemocionais

Estudantes são mais propensos a esperar seguir carreiras em TICs (Tecnologia da Informação e Comunicações), ciência e engenharia se relatam alta curiosidade ou criatividade, enquanto são mais propensos a esperar uma carreira na saúde se possuem habilidades de desempenho de tarefas, curiosidade ou empatia.

Alunos que esperam iniciar seu próprio negócio tendem a relatar habilidades de interação com os outros mais altas (energia, assertividade, sociabilidade), otimismo e criatividade do que aqueles que não esperam.

➡️ Os dados e análises completas da pesquisa podem ser acessados no site da OCDE.


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educação socioemocional, ensino fundamental, ensino médio, equidade

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