Exposição gratuita tem visitação online e inspira uso de cordel como ferramenta pedagógica
Em cartaz no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, o canal online da mostra oferece planos de aula e uma série de atividades para a sala de aula
por Ryan Nunes 8 de novembro de 2024
O ano está terminando, mas a programação das férias ou o planejamento do primeiro passeio escolar de 2025 já pode ser incluído no calendário. O destino? O Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo. E se você estiver fora do estado, o convite se mantém para a visita virtual.
Ao reforçar que “Toda história é valiosa. Se não preservada, voa”, ganha destaque a mostra “Vidas em Cordel”, que conta a trajetória de 21 personalidades, de anônimos, como o caçador de onças Zé Pecado, ao líder indígena Ailton Krenak. Seus rostos estão esculpidos em grandes painéis de madeira e as histórias contadas podem ser acessadas via QR Code. Tudo está disponível tanto presencialmente quanto na exposição online.
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Um dos objetivos da mostra, que tem entrada gratuita até fevereiro de 2025, é inspirar o visitante a valorizar as histórias e os “causos” de pessoas comuns, que muito têm a dizer.
De acordo com o professor e cordelista Marcos Haurélio, pesquisador da cultura popular brasileira e um dos curadores de “Vidas em Cordel”, trata-se de uma obra aberta a interpretações. “Aqui, nada é fechado. Minha avó materna me conta histórias de pessoas que eu nem conheci, com as quais não tive contato. Mas, na mente dela, essas pessoas seguem vivas. Enquanto alguém estiver falando dessas pessoas, elas estão vivas”. Ao lado de Marcos na curadoria, estão o também cordelista e poeta Jonas Samaúma e a xilogravadora Lucélia Borges.
Realizada no Saguão B do Museu da Língua Portuguesa, a exposição é realizada em parceria com o Museu da Pessoa, um dos primeiros acervos virtuais do mundo dedicado ao registro e à difusão de histórias de vida. O resultado da união entre os museus é o conteúdo virtual, no qual também estão disponíveis uma série de planos de aula para que os educadores levem a cultura de cordel à sala de aula.
Retratos variados
O cordel, também conhecido como folheto, é uma forma de literatura popular tradicional no Nordeste do Brasil, composta por poesias rimadas sobre os mais diversos temas.
“O cordel não é só um conjunto de poemas impressos. Aliás, se ele ficasse só no papel, estaria morto. Ele vive na voz, nos ouvidos e na alma das pessoas. Não é apenas algo bonito; é algo com significado e história”, explica Marco Haurélio.
Após passar por Pernambuco, Bahia e Minas Gerais, a exposição chega a São Paulo com três histórias inéditas de pessoas que desenvolveram projetos na região da Luz, onde o museu está localizado.
Entre elas está a do Mc Kawex, conhecido como o “Sabotage da Cracolândia”, rapper cujas letras retratam os desafios e dificuldades da população local.
Os outros dois cordéis retratam Cleone Santos, fundadora do Coletivo Mulheres da Luz, que apoia mulheres em situação de prostituição no Parque Jardim da Luz, e a de César Vieira, pseudônimo de Idibal Pivetta, advogado e dramaturgo que defendeu presos políticos durante a ditadura e cofundou o Teatro Popular União e Olho Vivo, promovendo a criação coletiva no teatro brasileiro.
Cabine interativa
Além dos cordéis, a exposição oferece uma cabine interativa na qual os visitantes podem gravar depoimentos. Posteriormente, uma versão virtual do projeto permitirá o acesso a conteúdos exclusivos das histórias registradas na cabine.
Para Lucas Lara, diretor de museologia do Museu da Pessoa, a cabine promove reflexões sobre a importância da história individual, que tem o mesmo valor e relevância: “Toda história é única. A partir disso, fica a provocação: por que não a minha história? É por isso que criamos essa cabine, para que, após visitar a exposição, a pessoa perceba que sua vida também pode se tornar um cordel”, comenta.
Marina Toledo, coordenadora do núcleo educativo do Museu da Língua Portuguesa, ressalta o quanto a instituição valoriza as histórias e os diferentes falares como parte de sua missão de preservar a língua como um objeto cultural. “Cada pessoa, independentemente de sua origem, traz uma maneira única de falar que reflete sua identidade. O museu reconhece e valoriza essa diversidade linguística, ampliando seu acervo e reforçando os múltiplos modos de expressão da língua portuguesa.”
Xilogravura também na escola
Além dos textos, os cordéis são caracterizados por xilogravuras, uma técnica de impressão que usa uma matriz de madeira para esculpir imagens ou textos em relevo, resultando em gravuras em papel ou tecido. Essas imagens de traços marcantes são ícones estéticos do cordel e estão presentes em todos os exemplares da exposição, cada um com um significado particular. “A xilogravura ocupa um lugar especial nas artes manuais e conseguiu se manter viva”, destaca a xilogravadora Lucélia Borges, responsável pela arte da exposição.
Para levar essa arte às salas de aula, a artista recomenda o uso da isogravura, uma técnica similar, mas mais acessível e segura, ideal para crianças e adolescentes. Diferentemente da xilogravura, que usa madeira e ferramentas afiadas, a isogravura utiliza materiais simples como isopor e lápis, permitindo que os alunos compreendam o conceito de matriz e impressão sem a complexidade do entalhe em madeira.
Mais dicas para uso em sala de aula
A visita presencial ou virtual à exposição “Vidas em Cordel” inspira os professores a levarem os folhetos e a literatura popular para os alunos. Afinal, trabalhar com o cordel em sala de aula é uma maneira rica de engajar os alunos com a cultura brasileira e promover habilidades linguísticas e artísticas de forma divertida e acessível.
Em entrevista ao Porvir, os curadores da mostra compartilharam algumas sugestões para incentivar o uso do cordel nas atividades pedagógicas. Confira:
1. Música
A estrutura da música tem semelhanças com a do cordel. Explorar ritmos e rimas pode entreter e ajudar os alunos a entenderem sua estrutura poética. Algumas ideias incluem adaptar trechos de cordéis existentes para ritmos musicais e desafiar os alunos a criarem uma música coletiva.
2. Escrever um cordel autobiográfico
Incentive os alunos a escreverem sobre suas vidas ou experiências marcantes, como hobbies, memórias de infância ou histórias engraçadas. Após a escrita, os alunos podem recitar seus cordéis em grupo, promovendo a oralidade.
3. Cordel sobre a história de um familiar ou colega
Proponha que cada aluno entreviste um integrante da família ou um amigo para conhecer uma história interessante. A partir disso, eles podem criar um cordel em versos, homenageando o familiar ou colega.
4. Trava-línguas
Trava-línguas em versos rimados podem ajudar os alunos a desenvolverem dicção e entonação, além de proporcionar diversão. Os alunos também podem criar seus próprios trava-línguas, inspirados por temas do cotidiano e posteriormente, desafiar a turma a descobrir o mistério.
5. Adivinhação rimada
Proponha charadas rimadas populares e desafie os alunos a decifrá-las. A prática é divertida e ajuda a desenvolver o pensamento lógico. Como exemplo, o professor Marco Haurélio sugere a advinha a seguir:
- São seis mortos esticados e dez vivos passeando. Enquanto os vivos passeiam, os mortos ficam chorando.
Resposta: o violão.
Materiais para professores
Além dos planos de aula, a exposição virtual oferece o livreto “Vidas em Cordel para Educadores”, com atividades pedagógicas para relacionar histórias de vida com o cordel. O diretor do Museu da Pessoa destaca que o material funciona como um plano de visitação, apresentando o que será encontrado na exposição e sugerindo um percurso pelo espaço.
Também é possível conferir os folhetos digitais com os cordéis completos, incluindo um podcast com a narração das histórias por Marcelino Freire e Klévisson Viana, e a trajetória completa das pessoas retratadas.
“Tudo no material é uma brincadeira com o cordel; estamos aprendendo e, ao mesmo tempo, nos divertindo. Se não divertir, não faz sentido. Entramos pelo lúdico, e o didático é um dos aspectos desse lúdico”, finaliza Marco Haurélio.
➡️Ouça a playlist de músicas inspiradas na cultura popular brasileira, selecionadas pelos curadores da exposição: