Gestores precisam definir propósito de tecnologia na escola a partir de escuta ativa
Tarefa de sensibilização é mais efetiva quando o diagnóstico do que pode ser melhorado conta com a participação de diferentes envolvidos
por Ana Luísa D'Maschio 27 de fevereiro de 2023
Entender a inovação como um processo de metamorfose. Assim a diretora geral do Colégio Rio Branco, Esther Carvalho, define como a escola se adapta às mudanças nos processos administrativos, pedagógicos e na unidade como um todo. Integrante do Programa das Escolas Associadas da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), que reúne 11 mil escolas públicas e particulares de todo o mundo, o Rio Branco – uma das instituições mais tradicionais da cidade de São Paulo – tem como uma de suas prioridades a construção da cultura da paz e o alinhamento às diretrizes da Agenda 2030. Também é considerada, assim como as demais unidades do programa, como um laboratório de ideias.
O debate sobre novidades, incluindo as atualizações tecnológicas, envolve outras vozes além da liderança. “Somos uma escola com um legado de 76 anos e, a partir dele, nós nos desenvolvemos. Isso impacta a própria natureza da inovação: quando se fala no assunto, às vezes se pensa em algo disruptivo, e eu acredito muito na inovação incremental, aquela que vai construindo um processo consistente, sustentando os objetivos. Acreditamos que inovar não é algo milagroso que acontece de uma hora para outra”, explica Esther.
Para a gestora, especialista em tecnologias interativas aplicadas à educação, com mestrado em novas tecnologias em educação, a adoção de recursos digitais só tem sentido se proporcionar novas formas de aprender e de ensinar. E é preciso bom senso na escolha dessas ferramentas: devem ser realmente efetivas para a gestão e para a comunidade escolar.
“Costumo dizer que é muito fácil ser absorvido por aquilo que chamo de ‘vitrine de modernidades’, ligada à muita tecnologia, com muitos recursos. Acho que um desafio importante para o gestor é separar a novidade da inovação. E ouso dizer que, em geral, a escola costuma ser mais novidadeira do que inovadora”, comenta, em referência ao modelo de escola que se conhece, que carrega mais de 150 anos e, segundo ela, ainda está impregnado na alma de muitos que atuam na área.
“O primeiro processo de transformação passa por essa compreensão. Às vezes você tem salas incríveis, mas a aula continua focada no professor. Às vezes você tem recursos novos e interessantes, mas que são usados como qualquer livro didático. É muito importante, portanto, entender para que serve essa inovação, com qual objetivo é pensada”, afirma Esther. Ela sugere o debate, a escuta ativa e o espaço sempre aberto às perguntas para direcionar o trabalho das lideranças escolares e evitar eventuais atritos durante as implantações.
Voz coletiva
Ex-aluna e ex-professora do Rio Branco, Esther está à frente da direção geral do colégio há 15 anos. E ela não se esquece de uma mudança recente, que impactou positivamente toda a estrutura escolar.
“Até 2017, eu contava com um assessor pedagógico, uma figura muito importante, que saiu da escola naquele ano. O que eu fiz? Fui buscar na sala de aula os professores para pensarmos a escola juntos. Eles passaram a ser coordenadores de projetos. São figuras brilhantes, que ajudam a pensar o currículo, pensar a escola, mas com a perspectiva da sala de aula”, relembra.
No que se refere à implementação de tecnologia como recurso estratégico, em 2020 o colégio passou a contar com uma plataforma pedagógica digital voltada à aprendizagem baseada em projetos, com trilhas para os estudantes e funcionalidades para os professores. A aquisição, que apoiou o planejamento e as atividades durante os dois anos de pandemia, segue em uso na volta ao ensino presencial.
“Costumo dizer que vivemos, ao menos, uns cinco modelos de escolas nesse período (de distanciamento social). Mas conseguimos enfrentá-lo com uma musculatura pedagógica diferente”, diz, referindo-se ao apoio fundamental das ferramentas digitais durante as aulas remotas.
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Soluções digitais
Patricia Ferreira, diretora da área de educação da Motrix, empresa de soluções educacionais digitais, comenta que a tecnologia pode facilitar uma série de processos ligados à organização da liderança escolar, impactando a instituição como um todo. “A tecnologia apoia a gestão desde a otimização de processos manuais, permitindo que sejam feitos de forma mais inteligente, auxilia a obtenção e administração de dados, pedagógicos ou administrativos. Com esses dados, é possível tomar decisões mais assertivas”, comenta.
E ela concorda com Esther no que se refere à intencionalidade tecnológica a ser implementada na escola, a fim de não criar atritos e ser algo propositivo, com resultados concretos. “A primeira coisa é identificar o que precisa ser melhorado na escola ou no processo que se quer implementar. A partir do momento em que se tem uma visão clara do que é preciso otimizar, o gestor pode buscar soluções no mercado ou até mesmo práticas já conhecidas e utilizadas por outros, mas ele vai sempre precisar adaptá-las à sua realidade”, afirma.
Para Patrícia, considerar a voz da comunidade escolar é importante ao implementar qualquer novidade, a fim de que todos enxerguem os ganhos que vão ter com o processo a ser instalado ou a proposta a ser desenvolvida. “A inovação pela inovação, só pelo simples fato de trazer algo novo, dificilmente vai ser aceita. Não vai gerar engajamento se a equipe e a comunidade não se interessarem por aquilo, não enxergarem a aplicação e o resultado no dia a dia”, pontua.
“Apesar de importante, tecnologia por tecnologia é apenas ferramenta. Ela sozinha não faz grandes transformações na escola. Saber usar as ferramentas envolve experiência e conhecimento de pessoas que já fizeram e resolveram problemas”, complementa Ivan Seidel, diretor de produtos da Layers Education. “No geral, não é mais possível pensar em escola sem a tecnologia, mas ela é apenas uma ferramenta essencial para ter eficiência de tempo, ser mais assertivo. É um agente imprescindível atualmente”, acredita.
Sua empresa, inclusive, criou uma equipe intitulada Edtech Hunters, os “caçadores de soluções” para as escolas. “Por meio de um diagnóstico personalizado com avaliação detalhada, eles são responsáveis por conectar instituições com soluções adequadas para cada necessidade, como soluções de fila na cantina, correção de provas e outras”, comenta Ivan.
Mudanças sem atritos
A tecnologia não é uma caixa de surpresas: entender e se aprofundar (o que antigamente chamávamos de fuçar, navegar, testar e experimentar) é fundamental para a cultura digital ser criada na comunidade escolar, reforça Ivan. Caso contrário, as instituições sempre ficarão dependentes de pessoas ou empresas, e não serão autônomas para encontrar as próprias respostas. “Para diminuir o atrito, é preciso contar com boas pessoas próximas para ensinar e dar bons exemplos de como discutir e resolver problemas, sabendo de suas limitações. Um bom mentor na hora é fundamental para o sucesso”, diz, em referência às novidades tecnológicas aplicadas em diferentes ambientes escolares, mas com planejamento.
E os próprios estudantes também podem ser esses mentores digitais, sugere o diretor da Layers Educacional. “Os alunos podem ser precursores da mudança e até mesmo na instrução e uso de novas ferramentas. Professores e alunos não precisam saber tudo nem serem usuários finais, eles podem se ajudar todo o tempo.”
O Grupo Raiz Educação, que administra 15 escolas no Rio de Janeiro (RJ) e Juiz de Fora (MG), com diferentes propostas pedagógicas, etapas e classes sociais, optou pela tecnologia para criar um canal de comunicação entre alunos, pais, gestores e comunidade escolar para ter uma visão completa de todos os processos. No aplicativo, estão reunidos agenda, boletins e visão financeira, entre outras funcionalidades.
Foram quatro meses de treino das equipes e gravação de tutoriais para os responsáveis. E o bom resultado veio em pouco tempo. “Conseguimos organizar chamados, acompanhar o tempo e a qualidade do contato com o gestor, entender melhor os processos de infraestrutura”, conta Luísa Lopes, coordenadora de inovação pedagógica do grupo.
Sobre a resistência às mudanças, principalmente de quem ainda tem dificuldades ou pouco hábito com a tecnologia, Luísa destaca a importância da sensibilização. Para ela, é preciso destacar todos os benefícios da novidade e como eles melhoraram os processos pedagógicos e de relacionamento.
“É preciso empatia ao apresentar qualquer coisa nova. Acompanhar os resultados do que está sendo implementado, apresentando iniciativas similares de sucesso de outras instituições é um caminho”, comenta a coordenadora. “Conversar e trocar sobre o que será agregado em sala de aula são ações-chave para o gestor, a fim de que as coisas fluam em qualquer implementação”, finaliza.