Como a IA pode estimular criatividade e ação nas escolas - PORVIR
Divulgação/Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa

Inovações em Educação

IA na escola: aprender a imaginar e transformar é o que faz a diferença

Na CBAC 2025, Mitchel Resnick e Natalie Lao destacam que a IA só tem valor na educação quando amplia a autonomia, a ética e a criatividade. O futuro depende de formar pessoas capazes de pensar criticamente e transformar a realidade

por Ruam Oliveira ilustração relógio 7 de novembro de 2025

A chegada da inteligência artificial (IA) à educação tem gerado debates polarizados. De um lado, a promessa de uma revolução na forma de ensinar e aprender; de outro, o receio de que os estudantes deixem de aprender com a profundidade necessária.

Questões como: “Os seres humanos serão afetados por essas ferramentas?”, ou “Como será o processo de ensinar, planejar e desenvolver atividades com apoio da IA?” têm ganhado espaço nas discussões.

A resposta é que tudo depende de como os educadores incluem essas ferramentas em suas práticas pedagógicas. Mitchel Resnick, professor e pesquisador do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), nos Estados Unidos, avalia que a velocidade com que a tecnologia se modifica demanda cautela no momento de avaliar de que maneira a IA será (ou pode ser) implementada na escola. 

Mitchel Resnick fala ao público durante palestra com slide projetado ao fundo
Divulgação/Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa Para Mitchel Resnick, o papel do educador é cultivar ambientes onde os estudantes possam explorar, experimentar e criar com significado.

“Parece que todo mundo está falando sobre inteligência artificial hoje em dia. Mas também é importante lembrar que ainda estamos nos primeiros dias dessa tecnologia. Sei que minhas próprias ideias mudaram muito nos últimos anos, e certamente continuarão mudando”, afirmou Mitchel durante painel na 5ª Conferência Brasileira de Aprendizagem Criativa, promovida pela RBAC (Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa), em Brasília (DF), no fim de outubro.

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IA no cotidiano dos educadores: facilidade ou armadilha?

Educadores ao redor do mundo têm demonstrado disposição para usar ferramentas de IA na elaboração de planos de aula e no planejamento pedagógico. Já existem plataformas inteiramente dedicadas a essa finalidade, com a promessa de ganho de tempo e maior organização. Mas isso seria tudo?

Um estudo recente realizado por pesquisadores da Universidade de Massachusetts Amherst, também nos EUA, questionou o quanto planos de aula gerados por inteligência artificial generativa podem ser, de fato, produtivos para professores.

A pesquisa analisou 311 planos de aula e 2.230 atividades feitas por IA e, posteriormente, observou esse material a partir da Taxonomia de Bloom (metodologia que organiza diferentes objetivos de aprendizagem de acordo com níveis de complexidade cognitiva), de modo a auxiliar professores no planejamento educacional.

O que se descobriu é que 90% dos conteúdos gerados por IA incentivavam os estudantes apenas em um nível mais simples, de memorização, sugerindo poucas vezes que trabalhassem de forma mais crítica, reflexiva ou original.

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Oportunidades e preocupações no uso da IA

Quando se pensa, então, nas maneiras de produzir conteúdo e preparar aulas com IA generativa, há uma camada de conhecimento humano necessária, assim como de criatividade. Mitchel avalia que um dos riscos de incluir a IA na educação está na possibilidade de ela reduzir oportunidades para que crianças experimentem autonomia e controle sobre suas aprendizagens.

“Com frequência, as ferramentas e aplicações de IA colocam controle demais nas mãos da máquina, e a criança deixa de ser quem se expressa, quem tem voz, quem toma decisões. Há também um risco real de que as crianças deixem de desenvolver sua própria voz, de descobrir como se expressar, passando a depender da máquina para isso, em vez de cultivarem sua própria forma de expressão”, ressaltou o pesquisador, responsável pelo conceito de aprendizagem criativa.

O contato com ferramentas automatizadas, aponta o educador, pode também reduzir o sentimento de contentamento proveniente do processo de aprendizagem. Quando uma criança está exercitando sua criatividade, seja construindo torres com blocos de madeira ou desenvolvendo uma animação, isso gera uma “alegria natural”, disse o pesquisador, que pode ser comprometida pelo excesso de automatizações.

Natalie Lao fala em pé durante painel com Mitchel Resnick e outros convidados, com slide sobre IA na educação ao fundo
Divulgação/Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa Natalie Lao defende que, antes de programar com IA, os estudantes precisam entender seu propósito: servir à humanidade com ética, consciência e responsabilidade.

Humanos no centro de todos os processos 

Mesmo que essas tecnologias digitais estejam cada vez mais presentes na vida de estudantes e educadores, os especialistas reforçam que continua sendo vital o olhar humano.

Para Mitchel, essas ferramentas também podem enfraquecer as conexões humanas, o que ele avalia como um risco. “Muitas ferramentas de IA se concentram na interação da criança apenas com a máquina, reduzindo os vínculos com outras pessoas. Essas são preocupações que tenho com várias das tecnologias que estão sendo lançadas no mundo”, pontuou.

Natalie Lao, diretora executiva do MIT App Inventor, um ambiente de programação visual que permite a criação de aplicativos, e coautora do Marco de Competências em IA da Unesco para Estudantes, explicou que a base para a fluência em IA é composta por dois pilares: uma mentalidade centrada no ser humano e a ética da IA. A ideia é que, antes de aprender a construir ou usar a ferramenta, os alunos precisam entender que a IA é criada por pessoas, para pessoas, e que seu propósito deve ser o de servir à humanidade, e não o contrário.

Na sequência a especialista detalhou como o instrumento da Unesco está organizado. São quatro aspectos principais e três níveis de progressão: compreender, aplicar e criar. 

É essencial que os estudantes desenvolvam autonomia, responsabilidade e compreensão sobre o que significa ser cidadão em um mundo permeado por tecnologia e IA

O primeiro aspecto é a mentalidade centrada no ser humano. “Como o Mitch mencionou, é fundamental que os estudantes compreendam que a IA é criada por pessoas, com todos os vieses humanos, para pessoas, com o objetivo de melhorar nossas vidas. Não é o contrário. A IA não está no controle de nós; somos nós que a controlamos. É essencial que os estudantes desenvolvam autonomia, responsabilidade e compreensão sobre o que significa ser cidadão em um mundo permeado por tecnologia e IA”, apontou a pesquisadora.

Esse primeiro aspecto se liga diretamente a outro apontado por Natalie: a ética. O documento da Unesco também aborda essa questão, pontuando aos estudantes o que significa viver de forma ética, respeitando valores sociais, culturais e ambientais.

As técnicas e aplicações da IA apareceram na fala da pesquisadora como o terceiro aspecto presente no documento da Unesco. Neste caso, ele se refere à forma como a IA funciona, como criar com ela ou como desenvolver outras soluções usando essa tecnologia.

O quarto e último aspecto é o design de sistemas de IA. “Trata-se de compreender que, ao criar uma tecnologia como a IA, ela é lançada no mundo e seu impacto é amplificado. É preciso entender que, ao desenvolver um produto com determinadas funcionalidades, ele também gera impactos sociais, éticos, culturais e ambientais. Parte disso é saber quando usar a IA e quando não usá-la”, disse Natalie. “Nem todo problema deve ser resolvido com IA. Ela não é adequada para todas as situações, e é importante que os estudantes aprendam a discernir isso”, completou.

Novas tecnologias, velhos modelos 

Introduzir tecnologias digitais diferentes corresponde também a pensar de maneira diferente. Para Mitchel, a maneira como a IA está sendo introduzida na educação é outro motivo de preocupação. Segundo ele, a lógica atual pode “reforçar práticas tradicionais, justamente em um momento em que há uma necessidade urgente de transformar profundamente nossos métodos educacionais”.

Como exemplo, ele cita que, recentemente, viu uma grande empresa de tecnologia lançar um sistema de tutoria baseado em IA. O primeiro exemplo apresentado foi de como esse sistema poderia ajudar as crianças a aprender a multiplicar frações.

“Acredito que realmente pudesse. Mas não acho que aprender a multiplicar frações seja o mais importante para as crianças. Minha preocupação é que a IA torne essas tarefas tão eficientes que o sistema escolar passe a priorizar o que a IA faz bem e rapidamente, deixando de lado aspectos mais complexos e humanos do aprendizado. E isso seria uma grande perda”, disse.

Muitas dessas ferramentas não consideram o que realmente importa: atender às necessidades das crianças

O educador então apontou que é preciso repensar toda a abordagem, visto que as aplicações de IA atuais, para ele, reforçam modelos antigos de ensino. Mas ele também vê oportunidades. A principal delas é o foco nos interesses, necessidades e experiências que as crianças podem ter ao aprender, sem colocar maior peso na otimização.

“Grande parte da educação atual, e especialmente das ferramentas de IA aplicadas à educação, é desenhada para tornar o processo mais eficiente. E, embora eficiência não seja algo ruim, ela não é o mais importante. Muitas dessas ferramentas não consideram o que realmente importa: atender às necessidades das crianças, partir de seus interesses e alinhar-se às suas vivências”, reforçou.

Ao colocarem a ética e a criatividade como eixos centrais, os especialistas lembram que o futuro da IA na educação não depende das máquinas, mas das escolhas humanas que as orientam.


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aprendizagem criativa, criatividade, inteligência artificial, tecnologia

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