Inclusão no ensino médio deve envolver toda a comunidade escolar - PORVIR
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Inovações em Educação

Inclusão no ensino médio deve envolver toda a comunidade escolar

A educação inclusiva no Brasil registrou avanços nos últimos anos, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido

Parceria com Instituto Unibanco

por Fernanda Nogueira ilustração relógio 31 de outubro de 2022

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Este conteúdo faz parte da
Série Novo Ensino Médio e Educação Inclusiva

Com 16 estudantes de ensino médio com deficiência, a Escola Estadual Professora Inah de Mello, em Santo André (SP), leva a sério a inclusão. Tem uma sala de recursos adaptados com duas professoras especializadas, trabalha em parceria com a universidade e investe na sensibilização da comunidade escolar.

A professora Shirley Monteiro Maciel, que tem especialização em deficiência visual e está na escola há 30 anos, é a responsável pela adaptação de materiais didáticos para o braille, pela orientação de educadores e pelo trabalho com os estudantes na sala de recursos no contraturno.

Entre os alunos, dez são cegos e dois têm baixa visão. “Nossa preocupação é que estejam no mesmo nível da sala. Para diminuir as diferenças e trabalhar dentro da equidade, eles precisam ter material adaptado, para que consigam ter acesso ao mesmo conteúdo dos colegas”, explica Shirley.

Três jovens com síndrome de down e um com autismo, que têm uma maior dificuldade de aprendizagem, são acompanhados por pesquisadores da UFABC (Universidade Federal do ABC), que criam planos educacionais individualizados com atividades específicas para cada um e orientam os professores sobre como atuar.

Para sensibilizar os outros estudantes, a escola faz atividades em sala ou fora dela usando vendas nos olhos dos alunos que enxergam, abre rodas de conversa e promove feiras com palestras. “Quando vivenciam a realidade do outro, passam a respeitar e a serem mais solidários”, diz Shirley.

Mas, segundo a professora, ainda há dificuldades a serem enfrentadas, como a falta de materiais didáticos adaptados e a falta de serviços de reabilitação no município.

Mais matrículas nas classes comuns

Dados do Censo Escolar de 2021 apontam o aumento do número de matrículas de alunos da educação especial em classes comuns no ensino médio. Foi de 28 mil em 2010 para 173 mil em 2021. O número de estudantes em classes especiais e escolas exclusivas passou de 972 em 2010 para 1.038 em 2021.

Entre os tipos mais comuns de deficiências no total de matriculados, estão a intelectual, com 873 mil alunos; o autismo, com 294 mil e a física, com 153 mil. 

Apesar do aumento das matrículas, a Pesquisa Nacional de Saúde 2019 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística mostra que a taxa de conclusão do ensino médio era de 48,3% entre as 254 mil pessoas com deficiência de 20 a 22 anos. Entre as cerca de 9 milhões de pessoas sem deficiência nesta faixa etária, a proporção era de 71%.

Do total de escolas que ofereciam ensino médio no país, 67,4% estavam adaptadas para alunos com deficiência, de acordo com o Censo da Educação Básica do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), publicado em 2019.

Escola técnica inclusiva

Com mais de 500 alunos com necessidades educacionais específicas, o IFRS (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul) investe em acessibilidade digital e na tecnologia assistiva para atender estudantes de nível médio e superior.

Para isso, mantém um CTA (Centro Tecnológico de Acessibilidade), que propõe, orienta e executa ações para a promover a acessibilidade em todas as dimensões: arquitetônica, instrumental, comunicacional, programática, metodológica e atitudinal, segundo Bruna Poletto Salton, coordenadora do CTA.

A acessibilidade digital inclui testes em sites, sistemas ou documentos digitais, adaptação de editais e processos seletivos, orientação para confecção de artefatos digitais acessíveis e capacitação.

Já as ações na área de tecnologia assistiva têm avaliação do estudante com deficiência quanto à necessidade de uso de recursos, realização de testes e acompanhamento com o aluno, orientação sobre aquisição, realização de adaptações, confecção de recursos de baixo custo e capacitação.

“Em muitos casos, o próprio CTA confecciona ou adapta o recurso. O centro conta com uma oficina equipada com máquina de corte a laser, impressoras 3D, CNC, equipamentos de eletrônica e diferentes tipos de ferramentas”, diz Bruna.

Nas unidades, há alunos cegos que utilizam leitores de tela, jovens com baixa visão que utilizam ampliadores de tela, lupa eletrônica e lupa do celular, estudantes com deficiência física que utilizam mouses e teclados alternativos ou adaptados.

Outros usam ainda a digitação por voz, ferramentas que transformam texto em áudio e ferramentas que facilitam a leitura. Alunos sem a fala funcional utilizam softwares ou aplicativos para se comunicar. Muitos deles precisam de treinamento para aprender a trabalhar com os recursos.

Modelo para outros países

O Brasil tem uma das melhores políticas de educação inclusiva no mundo e serve como modelo para outros países, segundo Luiza Corrêa, coordenadora de advocacy do IRM (Instituto Rodrigo Mendes). Mesmo assim, ainda há muitos estudantes que frequentam instituições ou classes especializadas e os que nunca foram matriculados em escolas comuns.

Para Luiza, o modelo de educação atual, que prioriza a transmissão de conteúdo, exclui aqueles que não se enquadram no padrão, o que leva ao abandono e a dificuldades no processo de aprendizagem.

“O desafio que devemos enfrentar com seriedade é como gerar uma transformação na escola como um todo para aproximá-la da realidade e do interesse dos estudantes, valorizando as potencialidades de cada sujeito e formando cidadãos para a vida em sociedade, além do mercado de trabalho”, ressalta Luiza.

Há, ainda, dificuldade de acesso à escola, como falta de transporte e de recursos de acessibilidade. “As barreiras encontradas dentro do contexto escolar somam dificuldades de aprendizagem, falta de flexibilidade no currículo e ambiente escolar exclusivo”, diz a especialista.

A situação faz do ensino médio um funil. Segundo dados do Inep de 2017 e 2019, dos 3,3% estudantes com deficiência no ensino fundamental, somente 1,7% passam para o ensino médio e, destes, somente 0,5% chegam ao ensino superior.

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O papel do professor

Uma melhor formação de educadores é essencial, segundo Luiza. “Tal como no ensino fundamental e médio, para inclusão de estudantes com deficiência na EJA (Educação de Jovens e Adultos) é imperativo investir em formação docente, que apoie os professores não só a entender como incluir a todos nas aulas, como a desenvolver materiais pedagógicos acessíveis, e no oferecimento de atendimento educacional especializado de qualidade.”

Estudo apresentado pelo Instituto Rodrigo Mendes em maio deste ano mostrou que a maioria dos docentes entrevistados, 70% deles, responderam que acreditam que a escolarização de crianças com deficiência junto às demais beneficia a todos. A porcentagem foi de 72% dentre os que lecionam para o ensino médio.

Apesar disso, quando perguntados se tiveram formação sobre inclusão, 40% dos professores disseram nunca ter feito. Foram 50% dentre os educadores de ensino médio. O estudo foi feito com professores da educação básica de escolas públicas pelo Datafolha, em dezembro de 2021, a pedido da Fundação Lemann.

Risco de retrocesso

No momento, muitos dos direitos conquistados com base na luta política da sociedade civil organizada estão ameaçados de sofrerem revezes e retrocessos, segundo Luiza. Ela cita o projeto de lei que trata da educação domiciliar, que teria as crianças e adolescentes com deficiência como o público mais afetado.

A conquista de direitos é recente. Em 2007, ocorreu a promulgação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva e, em 2008, o número de matrículas nas escolas comuns começou a crescer. Em 2021, o país chegou a mais de 90% de estudantes com deficiência matriculados nas escolas comuns.

“Por anos a fio os estudantes com deficiência eram privados de estudar e de conviver com seus pares, permanecendo em suas casas ou segregados em instituições especializadas. Lembrando que a convivência em comunidade escolar de pessoas com e sem deficiência é o pilar necessário para o desenvolvimento integral do ser humano”, relembra Luiza. “Se o ‘homeschooling’ (educação em casa) for autorizado legalmente no Brasil, os estudantes com deficiência provavelmente serão as primeiras e principais vítimas dessa exclusão, fazendo da família uma instituição total, ou seja, que abarca todos os âmbitos da vida do estudante.”

Luiza critica ainda outro tema em debate, o Decreto 10.502, que está suspenso por liminar pelo STF (Supremo Tribunal Federal). “O chamado ‘decreto da exclusão’ institui uma nova política de educação especial, segundo a qual os alunos da modalidade voltarão a frequentar escolas especiais, o que representaria um retrocesso na educação brasileira, cuja perspectiva inclusiva é uma das mais elogiadas no mundo. O mencionado decreto fere a Constituição e a Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, documento da ONU que foi ratificado pelo Brasil como Emenda Constitucional”, conclui a especialista.

Para saber mais sobre ensino inclusivo

A inclusão das pessoas com deficiência no Brasil está baseada em importantes documentos, publicados a partir dos anos 1990, época de mobilizações da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) e de movimentos sociais. Confira alguns deles:

Declaração de Salamanca, de 1994, sobre princípios, políticas e práticas na área das necessidades educativas especiais.

Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da ONU (Organização das Nações Unidas), de 2006.

Lei Brasileira de Inclusão, de 2015, que incorporou a convenção da ONU à Constituição Federal.

Constituição Federal, que prevê o direito fundamental à dignidade humana, além de nenhuma forma de discriminação. Diz ainda que toda criança tem direito a estudar na rede regular de ensino.

Meta 4 do PNE (Plano Nacional de Educação), de 2014, que busca “universalizar, para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados”. O PNE tem vigência até 2024 e determina diretrizes, metas e estratégias para a política educacional no período de sua vigência. 

Objetivo 4 dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que visa “assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos”. A meta 4.5 estabelece que, até 2030, os países signatários devem “eliminar as disparidades de gênero na educação e garantir a igualdade de acesso a todos os níveis de educação e formação profissional para os mais vulneráveis, incluindo as pessoas com deficiência, povos indígenas e as crianças em situação de vulnerabilidade”.

Documento “Recomendações de Políticas de Educação Inclusiva para Governos Estaduais e Federal”, do Instituto Rodrigo Mendes, Todos Pela Educação e iniciativa Educação Já, que propõe ações de políticas públicas para garantir o direito à educação de estudantes com deficiência, apresentando diagnósticos e propostas para a modalidade.

Documento “Vida Independente, Inclusão na Comunidade e Participação Política das Pessoas com Deficiência: Propostas para candidaturas/campanhas eleitorais de 2022”, do Instituto Rodrigo Mendes e outras instituições que formam a Rede-In (Rede Brasileira da Pessoa com Deficiência), que traz propostas para candidaturas e campanhas eleitorais conhecerem e se comprometerem com as demandas da população brasileira com deficiência em diversas áreas.

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