Jovens ativistas cobram mudanças na educação para enfrentar a crise climática
Na abertura do 8º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação, Txai Suruí (RO), Jahzara Ona (SP) e Giovanna Corrêa (RS), contam como vêm atuando em seus territórios frente às recentes catástrofes do clima no país
por Ana Luísa D'Maschio 2 de setembro de 2024
Txai Suruí, ativista indígena de 26 anos e uma das convidadas do 8º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação, realizado pela Jeduca (Associação de Jornalistas de Educação), teve dúvidas se conseguiria chegar ao evento que acontece entre 2 e 3 de setembro em São Paulo (SP). Há pelo menos cinco dias os voos de Porto Velho (RO) vinham sendo cancelados pela baixa visibilidade causada por uma nuvem densa de fumaça que toma toda a cidade. A capital de Rondônia vem registrando a pior qualidade de ar do país atualmente, devido ao desmatamento, avanço das pastagens e ao grande número de queimadas. O fogo já destruiu mais de 107 mil hectares de floresta no estado.
“O Rio Madeira, que banha Porto Velho, está em seu nível mais baixo em 60 anos, com menos de dois metros”, lamenta Txai. Coordenadora da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé e conselheira da Juventude Indígena de Rondônia, Txai é uma das principais vozes brasileiras na defesa dos povos indígenas e do meio ambiente. “Quando se é indígena, não se tem escolha se você vai querer lutar ou não. Meus pais já eram grandes ativistas, defensores da floresta. Essa história não começa comigo, vem de muito antes”, diz. A jovem é filha de Almir Suruí, liderança indígena bastante conhecida no país, e da ativista Ivaneide Bandeira. “A luta não é uma escolha quando você nasce na linha de frente da destruição da floresta”, reforça.
Txai dividiu a primeira mesa com outras duas jovens ativistas: Jahzara Oná, 19, de São Paulo (SP), embaixadora do movimento de educação ambiental Menos 1 Lixo, e Giovanna Corrêa, 18, estudante do ensino médio em Porto Alegre (RS). O debate contou com a mediação das jornalistas Tatiana Klix (diretora do Porvir) e Renata Cafardo (presidente da Jeduca e repórter especial do jornal O Estado de S.Paulo).
Em prol da mobilização
Txai e Jahzara creditam à COP (Conferência das Unidas para as Mudanças Climáticas) a possibilidade de aprender novos conceitos e disseminar suas lutas para o mundo. Txai foi a primeira indígena a discursar na abertura da COP 26, em Glasgow (Escócia), mas sua estreia na plateia do encontro internacional foi um ano antes, na COP25. “Nunca tinha participado de um evento como esse. Fui representando a juventude da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil). Por lá, conheci outro tipo de engajamento e comecei a entender conceitos. Talvez a gente não entenda o que é o Acordo de Paris, mas sente a mudança do clima diretamente, que afeta nossa roça, que seca nossos rios”, argumenta. “Afinal, os indígenas são 5% de toda a população global e protegem 80% da biodiversidade do mundo. É uma luta global.”
Em novembro de 2022, Jahzara saiu do país pela primeira vez para desembarcar em Sharm El Sheikh, no Egito, onde participou da COP 27. “Tinha perspectiva de encontrar por lá jovens como eu. Mas só vi homens brancos, ricos e carecas. E eu lá, com meu inglês intermediário… os diálogos (sobre crise climática) se dificultam muito. Mas foi uma experiência que me impactou bastante porque entendi que, se eu fizer um impacto maior, eu também preciso ser ouvida e levar a voz da minha comunidade.”
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Jahzara diz ter nascido lutando “contra tudo aquilo que o sistema colocou na minha comunidade”. Moradora da Favela Pantanal, assim conhecida por causa dos constantes alagamentos, aos 14 anos Jahzara decidiu que não poderia ter mais medo da chuva, e sim agir para combater os estragos causados por ela. Como já fazia parte da organização Fridays for Future, movimento internacional de estudantes que chama a atenção do mundo para a defesa ambiental, a jovem conseguiu mobilizar os bairros ao redor, obtendo cestas básicas e livros para 266 famílias que tinham perdido tudo nas enchentes. “Hoje entendo outros conceitos, como o racismo ambiental, que é o nome do que eu passei.”
➡️ Txai e Jahzara foram entrevistadas da reportagem especial “Diante da crise climática, diálogo entre gerações mostra por que o tema deve estar na escola”. Relembre a matéria!
Reconstrução da educação em Porto Alegre
Estudante da Escola Liberato Salzano Vieira da Cunha, em Porto Alegre, Giovanna Corrêa compartilhou com a plateia como tem sido voltar aos estudos depois da tragédia ambiental na capital gaúcha. Ela e a família precisaram deixar sua casa e seguir para abrigos enquanto a água não baixava. “Nossa escola foi atingida de forma drástica, em meio à preparação da festa dos 70 anos. A Ambev acolheu o prédio para fazer uma reforma, pois não há condições de voltar para lá. Estamos tendo aula três vezes por semana, parte da turma em uma igreja e outra parte em um clube”, conta.
“Não estamos conseguindo ter aula direito, mas, apesar dos infortúnios, como o vivido na pandemia, buscamos levar o melhor ensino para a nossa escola”, diz. Giovanna se refere a um projeto que ela e uma amiga tocam no contraturno com aulas de matemática para os colegas que têm dificuldade com a disciplina, com apoio de dois professores. “Fizemos um comparativo das provas antes e pós-projeto e notamos a melhora nas notas. Sempre tentamos ajudar por meio da educação”, afirma.
Quando questionada sobre as questões socioemocionais no retorno às aulas, Giovanna ressalta que há um movimento forte no estado relacionado à saúde mental. “A enchente foi um baque para todos. Mas, hoje, as pessoas estão conseguindo lidar melhor com a situação, por meio de grupos de ajuda nos postos de saúde”, explica. “Tratar dessa questão é essencial. Nossa escola fala isso de maneira aberta. No retorno, tivemos uma semana de acolhimento, com a direção e os professores querendo saber como os alunos estavam. A maioria das nossas atividades foi sobre a enchente. Acredito que, agora, estamos lidando bem.” O medo da crise climática e das novas tempestades, porém, ainda assusta a população, mas Giovanna acredita que as pessoas estão mais conscientes dos riscos, e que a escola desempenha um importante papel nisso.
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No que se refere aos povos originários, Txai ressalta que a escola não indígena pouco ensina. “A história ainda é contada pelo outro lado, de que o Brasil foi descoberto quando, na verdade, foi invadido. É preciso falar das verdadeiras histórias dos povos que aqui estavam, do massacre que a gente passou e vive até hoje.”
Ela trouxe um exemplo recente para ilustrar a gravidade da situação. “Conheço o Miguel, de 9 anos, que mora na Terra Indígena Jaraguá, em São Paulo, onde vive o povo guarani. Ele estuda em uma escola não indígena. Um dia, chegou em casa e me mostrou uma tarefa com o enunciado: ‘O índio vive na tribo’. Ele é uma criança indígena que sabe o erro, mas está aprendendo isso na escola! O termo índio é pejorativo, não diz respeito a quem nós somos. Indígenas significa originários da terra, pois temos nossa própria cultura e governança, somos nações complexas. E não se diz tribo, mas sim povo ou etnia”, indigna-se.
Para Txai, é fundamental ensinar às crianças de que somos natureza. “Precisamos trazer a reconexão com a natureza. Quando tocamos na terra, isso não é sujeira, é sinal de que estamos cobertos de vida. Da terra provêm os alimentos que nutrem nosso corpo e espírito; 80% dos remédios vêm da floresta.”
Na mesma linha de raciocínio, Jahzara sugere cada vez mais debates sobre educação climática em sala de aula, atividade que ela costuma realizar. “Quanto mais a gente mostrar o que está acontecendo, mais vamos buscar fazer. É um desafio grande, pois temos o negacionismo climático a partir do momento em que a crise climática está acontecendo e nada é feito.”
A despeito das dificuldades, as jovens ativistas mantêm a esperança. “A gente pode não salvar o mundo inteiro, mas podemos ajudar a salvar a comunidade”, defende Jahzara. “De pouco em pouco, acabamos mudando o mundo. Eu ainda tenho esperança”, complementa Giovanna.
“São mais de 500 anos de resistência no Brasil. Estamos aqui até hoje. Estou do lado de ativistas que estão fazendo a diferença, vejo a diferença no meu território plantando árvores e cuidando das florestas. Estou aqui com uma camiseta da brigada indígena, que está combatendo o fogo no nosso estado. Tenho esperança em quem luta do meu lado e na floresta. Estamos aqui segurando o céu”, finaliza Txai.