Jovens indianos colocam sua comunidade no mapa
Com idades entre 11 e 15 anos, Otimistas Revolucionários usam tecnologia para resolver problemas locais; história virou filme
por Patrícia Gomes 27 de agosto de 2013
Havia, em Calcutá, uma favela que não existia no mapa. Literalmente. Não só a área tinha condições extremas de pobreza, como ausência de água potável ou saneamento básico, como nem o Google Maps a enxergava. Era um grande cinza na tela, como se milhares de vidas não morassem ali. Estimulados por Amlan Ganguly, um Ashoka Fellow, crianças e jovens da comunidade resolveram mapear aquele espaço, entender suas demandas e tentar resolvê-las. Em pouco tempo, mudaram a cara do lugar. Duas cineastas souberam da iniciativa e se encantaram. De câmera na mão, passaram três anos e meio acompanhando o grupo de jovens transformadores, ajudando a levar para o mundo a metodologia do mapeamento social desenvolvida ali – que, por conta delas, passou a contar com tecnologia – e, agora, finalizam o documetário Otimistas Revolucionários, que conta a história de quatro desses jovens.
Pareceu muita coisa? Então vamos aos poucos. Decepcionado com sua carreira no direito, Ganguly criou, em 1999, a ONG Prayasam, com o objetivo empoderar os jovens em suas comunidades. Um dos projetos que ele começou a fazer com meninos e meninas foi um mapeamento local. “As crianças desenharam o mapa da comunidade para se tornarem visíveis”, disse o empreendedor, que ganhou vários prêmios internacionais por seu trabalho. E as crianças entraram de cabeça no desafio. “Disse para a minha mãe que estávamos fazendo um mapa da comunidade. Ela perguntou se eu tinha certeza se já não existia um mapa dali, porque qualquer lugar tem um mapa. Mas nós não tínhamos. No Google Maps, era um grande vazio”, diz em vídeo Shika Patra, 14, uma das meninas participantes do projeto.
As crianças começaram então a tomar as ruas para conhecer o que havia no local. Registravam tudo o que viam em papeis e lousas e, aos poucos, o grande espaço cinza foi ganhando ruas, vielas, espaço delimitado para construções, casas e casebres. “As casas nas ruas não tinham números. Decidimos que, se numerássemos a comunidade toda, seria fácil encontrar as pessoas”, conta outro menino do projeto, também em vídeo. As andanças pela comunidade mostraram para esses garotos algumas necessidades reais e urgentes que os moradores dali tinham. Aproveitando a incursão pelas ruas, os jovens perguntavam também quem morava onde, se tinham acesso a água potável e a coleta de lixo.
O trabalho desses meninos chegou aos ouvidos das cineastas Nicole Newnham e Maren Grainger-Monsen. “Eles mapeavam suas comunidades, identificavam o que gostariam de mudar e batiam de porta em porta, educavam as pessoas e tentavam mudar a situação”, diz Grainger-Monsen. A dupla resolveu que queria ajudar. “Quando começamos a trabalhar com o Amlan, percebemos que o que ele estava fazendo era tão poderoso que começamos a pensar o que poderíamos fazer com isso no espaço virtual para aproveitarmos mais [o que as crianças estavam fazendo]”, afirmou Newnham.
Nascia a ideia de levar tecnologia às mãos dos jovens para potencializar o que estavam fazendo. A missão, agora, era mapear as crianças da comunidade para que todas fossem vacinadas contra poliomielite. “Que tipo de informação vocês querem adicionar ao mapa? Vocês querem 100% [de imunização contra] pólio, certo? Mas como vocês vão fazer isso se não sabem quantas crianças existem na comunidade?”, perguntou Matt Berg, especialista que veio da Universidade de Columbia (Nova York) para ajudar.
De posse de celulares, as crianças registravam quantas crianças havia em cada casa, quantas já haviam sido vacinadas e avisavam hora e lugar da próxima campanha, falavam da importância da imunização. Com a ação do grupo, originalmente chamado de Valentes, a taxa de vacinação de pólio subiu de 40% para 80% – mas o objetivo de chegar ainda 100% persiste. “O dia que chegarmos a 100%, nós vamos nos sentir muito bem porque temos trabalhado muito para isso”, diz um dos meninos. “Outras comunidades podem fazer isso que fizemos para resolver seus problemas”, diz outro. O sistema a que tiveram acesso permitiu que customizassem suas pesquisas e salvassem as informações em um banco de dados digital.
Ao levar essa tecnologia para o projeto e trazer mais parceiros, as incursões inspiraram a criação da plataforma Map Your World. Por ela, é possível acessar o mapeamento construído pelas crianças indianas, em que cada ponto representa uma criança que foi vacinada contra a pólio devido à sua ação. A metodologia foi usada também pelos Valentes para identificar as saídas de da comunidade. Descobriram que a maior parte das torneiras ou estava quebrada ou provia água suja. A ação dos meninos levou o governo local a começar a construir a primeira forma de abastecimento com água potável para a comunidade. Os pontos mapeados também estão disponíveis na plataforma.
E as ações não ficaram apenas no Oriente. Um grupo de estudantes de Oakland, na Califórnia, também usou a plataforma para uma ação local. Eles resolveram identificar locais de repositório de guimbas de cigarro nos arredores do lago Merritt. Com o mapeamento, conseguiram identificar os lugares onde cinzeiros deveriam ser instalados e lançaram uma campanha em que as guimbas recolhidas podem ser trocadas por dinheiro.
Por enquanto, a Map Your World disponibiliza informações detalhadas sobre esses três casos – os dois indianos e o norte-americano. Mas a promessa é que professores de todas as partes do mundo possam inserir seus projetos ali nos próximos meses. Um pré-cadastro já está disponível. Além disso, o documentário Otimistas Revolucionários, que acompanhou os meninos indianos em todos esses processos de transformação local em que estiveram envolvidos, já está rodando o mundo.
Veja o trailer do filme.