Ken Robinson: Você é o sistema e pode mudar a educação - PORVIR
Crédito: Divulgação

Inovações em Educação

Ken Robinson: Você é o sistema e pode mudar a educação

Especialista em educação discute a importância do envolvimento dos pais nos estudos de seus filhos e o que educadores podem fazer para melhorar essa relação

por Stephen Noonoo, do EdSurge ilustração relógio 23 de março de 2018

Os pontos de vista de Sir Ken Robinson sobre criatividade são bastante conhecidos. No TED Talk de 2006 – ainda hoje o mais assistido de todos os tempos –, ele afirmou que “estamos educando as pessoas para serem menos criativas” e acusou o sistema educacional atual de ser muito rígido com conteúdos acadêmicos tradicionais. As crianças, argumentou, precisam de tempo para dançar, desenhar, criar e descobrir seus potenciais.

Mas ele não desistiu das escolas ou da educação – longe disso, na verdade. Em um novo ato, Robinson está lançando um livro direcionado para os pais sobre como desenvolver crianças capazes de ser bem-sucedidas na escola. No entanto, não se engane porque ele continua sacudindo o sistema (e redefinindo o que isso realmente significa).

Na entrevista que você lê abaixo, Robinson fala sobre colaboração versus competição, a importância da relação entre famílias e professores e o que todo responsável e educador pode fazer para melhorar a educação.

Leia mais:
5 formas de estimular a criatividade
9 passos para deixar a inovação acontecer
Só metade das famílias dedica tempo suficiente à educação dos filhos

EdSurge: Seu novo livro, “You, Your Child and School” (“Você, seu filho e a escola”), parece ter sido planejado como um manual para os pais. Mas eu queria perguntar sobre o outro lado da moeda, sobre os educadores. Como eles podem lidar com os pais para criar relacionamentos produtivos e saudáveis?
Ken Robinson: Eu escrevi um livro há alguns anos chamado “Creative Schools”, que foi direcionado principalmente para educadores, e havia um capítulo para os pais. Então, parecia razoável tentar oferecer algumas ideias e orientações de maneira mais extensa aos pais, porque eles são uma parte vital da parceria.

E esse é realmente o ponto. É uma tentativa de envolver os pais mais positivamente na conversa. Afinal de contas, eles têm um enorme interesse em saber como seus filhos são educados e têm que aguentar o impacto das mudanças na política que parecem surgir quase mensalmente na educação.

Essa parceria obviamente envolve, por definição, grupos diferentes e, às vezes, os pais podem fazer parte do problema enfrentado pelas escolas. Existe uma percepção de que às vezes os pais podem se tornar superprotetores e exagerados. Há uma linha tênue em todas as relações entre atingir os interesses das várias partes e trabalhar em conjunto para atendê-las. Portanto, a parceria é uma parte muito importante dela e requer, é claro, que os professores também retribuam.

EdSurge: Isso me fez lembrar de um livro popular há alguns anos, “Grito de Guerra da Mãe Tigre”, que falava muito sobre como o relacionamento entre pais e professores na China é diferente daquele dos Estados Unidos. Como os dois grupos devem trabalhar juntos?
Ken Robinson: Sabe, acho que é a primeira vez que eu sou comparado a uma mamãe tigre. Eu não sei como me sentir sobre isso. Existem grandes diferenças culturais. É interessante, claro, que em alguns níveis as questões que os educadores enfrentam são de caráter global. O ponto mais importante aqui é o fato de que temos que pensar globalmente, mas agir localmente.

Há também mudanças ao longo do tempo. E é verdade que em algumas culturas asiáticas há um nível muito maior de deferência aos professores e à sua competência profissional. Faz parte do legado do confucionismo também que haja respeito pelos mais velhos. Há um respeito pelos professores, pelas pessoas que são consideradas produtoras de sabedoria cultural.

Deve haver uma parceria construtiva e positiva entre as escolas e as famílias. Há coisas que os pais sabem sobre seus filhos que os professores não sabem e vice-versa

Eu cresci em Liverpool nos anos 1950 e 1960, e meus pais não corriam para a escola sempre que houvesse algum tipo de problema. Pelo contrário. Eu tenho seis irmãos e se um de nós voltava para casa reclamando que fomos tratados injustamente, a suposição era de que a escola estava reagindo da maneira certa. E, novamente, se algo chocante acontecia, então meus pais tomavam partido da escola. No geral, a educação era delegada à escola e a suposição era de que ali havia profissionais qualificados e que sabiam o que estavam fazendo.

E isso mudou, e fico feliz que tenha mudado, porque deveria haver uma parceria construtiva e positiva entre as escolas e as famílias. Há coisas que os pais sabem sobre seus filhos que os professores não fazem e vice-versa.

Ao pensar sobre o relacionamento, é importante entender corretamente como a mente das crianças funciona, quais são seus talentos e quais são seus interesses e ajudar os professores a personalizar e adaptar suas abordagens a cada uma. A parceria é importante porque existem recursos na maioria das comunidades que podem ajudar a melhorar o que a escola tem a oferecer.

EdSurge: O livro fala sobre colaboração, incluindo algumas novas abordagens, como grupos etários mistos. Quais são as sugestões ou maneiras para promover um ambiente colaborativo em lugar de um competitivo?
Ken Robinson: A competição em si não é uma dinâmica tóxica. Pelo contrário, pode ser muito construtivo e um grande motivador. Mas, como a maioria das coisas, existe lado bom e ruim nisso. Onde as crianças estão sendo confrontadas umas com as outras por meio de testes inautênticos, é criada uma falsa sensação de antagonismo entre as pessoas que eu acho que devemos evitar. E também tem sido um grande problema o movimento de provas padronizadas que força as escolas e as secretarias a competir umas contra as outras por recursos financeiros.

Um dos sucessos da Finlândia, por exemplo – que é muitas vezes aplaudido, e com razão – é que não baseou sua revolução na educação ao longo dos últimos 40 anos na competição, como tem sido aqui nos Estados Unidos. Na Finlândia, esse processo tem origem na colaboração entre professores e escolas; e na colaboração entre alunos de diferentes idades. Tem sido baseado em escolas que trabalham com a comunidade mais ampla do que normalmente vemos em outros países.

Em vez de olhar para a educação apenas como tópicos e conteúdos a serem aprendidos, devemos também pensar nas muitas habilidades, competências e atributos que esperamos que ela ajude a incentivar em nossos filhos

Então, acho que, como na maioria das coisas, trata-se de alcançar o equilíbrio. Não é uma coisa nem outra, mas às vezes me surpreende que você tenha que falar em defesa da colaboração, sendo que se não fosse por isso não haveria como lembrar de sistemas sociais e os que existiram não teriam durado muito tempo. Em vez de olhar para a educação apenas como tópicos e conteúdos a serem aprendidos, devemos também pensar nas muitas habilidades, competências e atributos que esperamos que ela ajude a incentivar em nossos filhos.

EdSurge: É interessante que você tenha mencionado a Finlândia, que tem resultado muito bem em avaliações internacionais. Você mencionou anteriormente que os EUA e as empresas de testes deram grande ênfase à melhoria dessas avaliações e obtiveram pouco sucesso. Devemos nos preocupar com rankings internacionais ou isso é apenas mais um elemento de competição?
Ken Robinson: Acho que devemos nos interessar por isso. É uma informação importante e faz parte da ética colaborativa. Saber como as outras pessoas estão educando seus filhos, quais são os tipos de resultados que eles têm e os métodos que eles usam é uma informação importante. Há muito a ser aprendido com isso e minha preocupação não é a existência dos dados, é o uso que é feito a partir deles.

O problema é que, quando essas tabelas de classificação são publicadas, as pessoas têm uma visão bastante reducionista do que elas significam. E não há dúvida de que elas estimularam muitas políticas internas neste país (Estados Unidos) e outras que se dedicam quase exclusivamente a melhorar o ranking nessas escalas.

E é aí que os problemas começam a surgir, porque até agora o foco principal desses testes tem sido na linguagem, matemática e alguns aspectos da ciência. E quando os dados brutos saem, é como quando as pessoas olham para as Olimpíadas. Você olha para o esforço e a luta que envolve toda a preparação para se tornar um atleta olímpico e a tremenda paixão e convicção envolvidos. Mas se alguém aparecer e apenas olhar para o quadro de medalhas no final e dizer: “Bem, aí está, isso parece óbvio, não é? Esse é o melhor país de longe”, não começa a capturar a complexidade dos processos. Obviamente, há uma dimensão nacional nisso, mas quando é apresentado como um confronto direto entre as nações e quem é o melhor país de acordo com o quadro de medalhas, há algo de absurdo embutido nele.

Então, quando recebemos esses rankings feitos a partir de dados brutos com países listados do 1-40 e os Estados Unidos se encontram na posição 23 em matemática, o pânico moral varre o Congresso. A consequência é que as pessoas traçam uma linha reta entre o ponto A e B e dizem: “Nós vamos oferecer muito mais matemática na escola agora. Vamos ter que testar muito mais do que fizemos no passado, e temos que investir mais dinheiro em matemática”. E o dinheiro começa a se esvair de outras coisas que importam tanto quanto. E essas coisas que não foram testadas parecem não ter importância alguma aos olhos de algumas pessoas. Acho que isso se tornou parte do problema – é o peso dessas coisas.

EdSurge: Um professor sozinho não pode realmente corrigir a desigualdade estrutural e os pais não podem corrigir problemas de equidade ou problemas com testes. Então, o que eles podem fazer para levar a educação adiante que não parece tão assustador e desanimador?
Ken Robinson: Retomo a ideia de “pensar globalmente, agir localmente”. Podemos falar sobre as tabelas de rankings internacionais e podemos falar sobre as estratégias para melhorar as pontuações de matemática em todo o país. Mas também estamos falando de nossas crianças colocando suas mochilas com o lanche delas todos os dias, saindo pela porta e acenando. Estamos falando sobre como vão passar o dia, como vão aproveitá-lo, e o que vai acontecer com elas quando crescerem. A educação não é uma abstração. É algo que está bem no centro da nossa vida familiar, das nossas comunidades e dos nossos relacionamentos.

E o que as pessoas podem fazer? Bem, há muito que elas podem fazer. A educação é um sistema no sentido que é organizada em grande escala, mas se manifesta todos os dias nas ações e reações das pessoas. A educação acontece em salas de aula, em pequenos apartamentos, em áreas de lazer e em prédios escolares e, às vezes, fora de prédios escolares – em escolas dentro de casa. Ela se manifesta como relacionamentos e sentimentos e conquistas.

Existe muita coisa que as pessoas podem fazer porque o sistema consiste em ações de indivíduos

[Como professor], você tem um grande papel nisso. Tanto se você deixa os alunos sentados e os faz olhar para frente, ou se você os coloca em grupos. Seja se você oferece algo prático para fazer, divide a turma em pares, ou faz com que eles se movimentem. Como você relata o trabalho que você fez, o interesse que você tem na forma como eles desenvolveram o trabalho deles e a maneira como você fala com a classe. Tudo isso é o sistema educacional, e você tem muito controle sobre isso.

É por isso que, por todo o país e em todo o mundo, há professores maravilhosos trabalhando em escolas – geralmente em circunstâncias difíceis – que têm um efeito transformador na vida de suas crianças.

Se você é pai ou mãe, faz parte do sistema. Quando seu filho chega em casa, a maneira com que você responde a ele, a que pressão você o coloca e ou relaxa, o modo como se relaciona com a escola, as prioridades que você transmite a eles e a maneira como responde às suas ansiedades – tudo isso faz parte do sistema educacional. Existe muita coisa que as pessoas podem fazer porque o sistema consiste em ações de indivíduos.

Eu estava analisando recentemente uma escola chamada Orchard Gardens, em Massachusetts, sobre a qual falo no novo livro. Esta é uma escola primária que estava bem no final da lista de conquistas em sua rede. Uma escola onde ninguém queria mandar os filhos. Eles tiveram cinco diretores em sete anos e estavam gastando cerca de US$ 250 mil por ano em segurança na escola.

Bem, eles entraram com o novo diretor que avaliou toda a situação e fez uma mudança radical. Ele decidiu se livrar de toda a segurança e colocar o dinheiro que ele salvou em programas de artes. Ele entrevistou todos os professores, demitiu alguns e contratou novos. Ele particularmente queria professores com especialização em artes, música, teatro e dança porque queria revitalizar a cultura da escola.

O resultado é que a escola se tornou enormemente mais bem-sucedida ao longo dos dois anos seguintes e havia uma lista de espera para entrar nela. E isso não foi porque a lei havia mudado; foi porque entrou um diretor da escola que entendeu as condições de aprendizagem e trabalhou com a comunidade para criá-las. A lei não era uma barreira. Ele trabalhou dentro do sistema para trazer mudanças que eram viáveis ​​e permitidas com a visão coerente.

Meu ponto é: você é o sistema. Você é ele. E sei que se trata de um sistema complexo. Você não é tudo, mas você é parte dele. Quando você está com seus filhos, sua turma, o que você faz em seguida é o sistema educacional que diz respeito a eles. E eu sei que existem vários níveis, mas quando você começa a envolvê-los, você é o sistema e a próxima coisa a ser feita só depende de você.

Publicado originalmente no EdSurge e reproduzido mediante autorização

Assista ao TED de Ken Robinson sobre criatividade 


TAGS

aprendizagem colaborativa, competências para o século 21, educação integral, engajamento familiar

Cadastre-se para receber notificações
Tipo de notificação
guest

0 Comentários
Comentários dentro do conteúdo
Ver todos comentários
0
É a sua vez de comentar!x