As lições que a nova prova do Pisa nos deixa - PORVIR

Inovações em Educação

As lições que a nova prova do Pisa nos deixa

Brasil foi mal em teste de resolução de problema; em vez de chorar o leite derramado, que tal nos inspirarmos com bons exemplos?

por Redação ilustração relógio 4 de abril de 2014

NOSSO OLHAR – A se levar em conta o noticiário dos últimos dias sobre o resultado dos alunos brasileiros na mais nova prova do Pisa, avaliação internacional que mede conhecimentos de alunos de 15 anos, a coisa, mais uma vez, não está boa. Com alguma pequena variação de palavras, as manchetes dos principais jornais foram: “Brasil é um dos últimos em teste de raciocínio do Pisa”.

Não era para menos, afinal, com 428 pontos de média, o país amargou a 38ª colocação entre os 44 países que fizeram o teste, que foi aplicado pela primeira vez. Quando se coloca uma lupa nesse resultado, a situação parece ainda mais perversa, já que os dados por região mostram a disparidade entre Sudeste (447 pontos), Centro-Oeste (441) e Sul (435) contra Nordeste (393) e Norte (383). Além disso, como mostrou o G1, a diferença entre as notas dos meninos e a das meninas é gritante e está entre as maiores dentre os países participantes. A questão, sem dúvida, é grave, mas o que queremos propor neste texto, que inaugura uma seção semanal no Porvir de análise propositiva em relação assuntos de maior repercussão da semana, é um deslocamento de perspectiva em toda essa discussão que vem sendo feita.

‘Não faltam ideias e exemplos de iniciativas bem sucedidas que poderiam ajudar o Brasil a dar o salto de qualidade que seu sistema educacional merece nessa prova de resolução de problemas do Pisa e nas outras’

Talvez o primeiro grande ponto a ser debatido é o exame em si, algo que passou ao largo dos principais debates que se seguiram ao anúncio do resultado. Trata-se de uma prova de raciocínio e resolução de problemas, mas não é exatamente uma prova de matemática. Isso quer dizer que 85 mil alunos foram submetidos a uma prova a mais, que durou 40 minutos, depois de já terem respondido às questões de leitura, matemática e ciências. Apesar de haver estreita correlação com uma avaliação que mede a lógica matemática, o teste de resolução de problemas reais tentou avaliar não se os alunos tinham bom grau de conhecimentos em álgebra e aritmética, mas se eram capazes de explorar e compreender uma situação, representar o problema e formular sugestões, planejar e executar e monitorar e refletir.

A análise de tais características passou a integrar o Pisa a partir da constatação que os conhecimentos puramente cognitivos não garantem o sucesso no mercado de trabalho. Ao contrário, conforme os dados apresentados por Andreas Schleicher, físico alemão que coordena a prova, as tarefas dos profissionais empregados hoje dependem cada vez mais da habilidade de resolver situações que podem não ter uma única resposta e tampouco têm uma solução óbvia. Tal preocupação faz parte de um esforço maior de se inserir no Pisa uma avaliação para as chamadas habilidades socioemocionais, uma discussão que chega com força no Brasil agora. Além da prova de raciocínio lógico, que entrou no rol dos exames do Pisa em 2012, nos planos da OCDE está a inclusão de testes que meçam cidadania e trabalho em equipe a partir de 2018, conforme noticiou o Valor Econômico.

Só para se ter uma ideia de como foi formulada essa prova de resolução de problemas, um exemplo de questão de nível básico era: três amigos em pontos distintos da cidade querem se encontrar, mas nenhum quer andar mais do que 15 minutos. Um mapa ilustra pontos na cidade que separa os amigos e o tempo que cada um leva para chegar nesses diferentes pontos. O trajeto que liga esses lugares não é uma linha reta, o que dificulta a análise. O aluno deveria encontrar um ponto (havia mais de uma resposta) em que a condição fosse satisfeita.

Caminhos possíveis
Apesar do prognóstico desalentador, os microdados do Pisa mostram ao menos duas boas notícias. A primeira é que, a partir de um cruzamento de dados feito pela própria OCDE que considerava também o desempenho dos alunos em matemática, o Brasil teve um resultado acima do esperado nessa prova de resolução de problemas, participando de um grupo seleto que contava com países como Austrália, EUA, Inglaterra e Itália. A segunda boa notícia é que os alunos brasileiros se destacam entre todos os países nas questões que exigiram dos alunos um mínimo de interatividade, ficando atrás apenas de EUA e Irlanda.

Diante desse contexto alarmante, podemos no inspirar em bons exemplos, a partir dos nossos próprios pontos fortes. Se os alunos brasileiros têm boa relação com interatividade e universo digital e os games são notadamente uma forma de ajudar os alunos a melhorar na habilidade de resolver problemas, optar por jogos no aprendizado pode ser uma saída que une o útil ao agradável. O pesquisador Zoran Popovic, que estará no Transformar, realiza uma experiência ao redor do mundo chamada Algebra Challenge, que roda países, estados e cidades propondo que crianças do ensino básico resolvam o máximo possível de equações em uma semana. Ao gamificar a experiência de fazer equações, o pesquisador está estimulando os alunos a aprender, a não desistir, a aceitar o erro e, claro, a resolver problemas.

‘Uma boa notícia é que os alunos brasileiros se destacam entre todos os países nas questões que exigiram dos alunos um mínimo de interatividade, ficando atrás apenas de EUA e Irlanda’

Muito mais perto do que Minessota, Washington ou Noruega, onde o Algebra Challenge já aconteceu, a Olimpíada de Jogos Digitais de Educação, a OJE,  envolve numa grande maratona de jogos alunos de escolas públicas de diversos estados, principalmente Pernambuco. Aqui ou no mundo, a indústria de games educativos tem se fortalecido e se tornado uma via interessante de engajamento de alunos.

Nas questões relacionadas a gênero, algumas iniciativas têm se preocupado em estimular que as meninas rompam com o preconceito de que “os meninos vão melhor na área de lógica” e as incentivam a entrar no mundo da ciência, da tecnologia, da lógica e da resolução dos problemas. O programa Black Girls Code, por exemplo, ensina programação a meninas negras nos EUA. A startup GoldieBlox, também americana, quer fazer com que meninas construam mais engenhocas. No Brasil, o MCTI (Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação) concede bolsas e apoio financeiro a projetos que estimulem as meninas a seguirem o caminho das ciências. E por aí vai.

Outro exercício interessante é olhar para os países que se saíram melhor nessa prova e ver o que eles podem nos ensinar. O Canadá, por exemplo, tem um sistema educacional descentralizado e reconhecidamente eficiente. Já contamos no Porvir como as províncias de Colúmba Britânica e Ontário se organizaram para reformular seus currículos. Em comum, dois pontos chamam a atenção nessas duas iniciativas: primeiro, elas envolveram toda a comunidade escolar no desenho do tipo de educação que cada um esperava; segundo, tentaram estabelecer programas que dessem sentido ao aprendizado. Colúmbia Britânica apostou na personalização do ensino; Ontário colocou o desenvolvimento das habilidades socioemocionais como centro do currículo.

Não faltam ideias e exemplos de iniciativas bem sucedidas que poderiam ajudar o Brasil a dar o salto de qualidade que seu sistema educacional merece nessa prova de resolução de problemas do Pisa e nas outras. Podemos ficar na discussão inócua dos problemas e do copo meio vazio ou incentivar o debate sobre soluções possíveis para inspirar a construção de uma educação mais equânime, engajadora e inovadora. Para o Porvir, dá sempre para acreditar que o copo pode estar meio cheio.


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gênero, jogos, socioemocionais

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