Magda Soares e a luta pela educação pública de qualidade - PORVIR
Crédito: Foca Lisboa/UFMG

Inovações em Educação

Magda Soares e a luta pela educação pública de qualidade

Referência internacional nas áreas de alfabetização e letramento, a carreira da professora emérita da UFMG é marcada pela defesa de uma educação igualitária

por Redação ilustração relógio 2 de janeiro de 2023

“Minha trajetória foi dirigida para a educação das crianças que frequentam escola pública e estão nas camadas desprestigiadas da sociedade.” Assim Magda Becker Soares resumiu sua luta pela alfabetização e letramento, em uma entrevista à Revista Fapesp, em 2015. A educadora de 90 anos, símbolo da pesquisa e da prática de ensino de língua portuguesa na educação básica, defensora incansável do ensino público de qualidade no Brasil, morreu na madrugada de domingo, dia 1º, em decorrência de um câncer. Deixa cinco filhos, quatro netos e dois bisnetos.

Professora emérita da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), a instituição teve espaço especial em sua caminhada: o pai, Caio Líbano Soares, médico psiquiatra, era professor de física da universidade. Por influência paterna, quase seguiu nas ciências exatas, mas foi a professora Angela Leão, do terceiro ano do científico (e cursista de letras), que a fez mudar de ideia e ingressar justamente na graduação em letras neolatinas na UFMG, em 1950. A pós-graduação em educação, na mesma universidade, veio poucos anos depois. 

Ainda na UFMG, atuou nos cursos de letras e pedagogia até a aposentadoria. Apoiou a remodelação do curso de mestrado em educação, nos anos 1970, e criou o Ceale (Centro de Estudos sobre Alfabetização, Leitura e Escrita), em 1990. Em 7 de setembro de 2022, Magda completou 90 anos, no mesmo dia em que a universidade comemorou 95 anos de fundação. 

Entre as muitas homenagens, uma bastante especial chegou ainda em 2021, em forma de e-book. “Cartas para Magda“, disponível gratuitamente para download, nasceu da iniciativa de um grupo de amigos durante o pico da pandemia, com o propósito de abraçá-la. 

“São leitores, colegas, alunos, orientandos, professores, pesquisadores que, de certo modo, atuam e põem em diálogo os conhecimentos teóricos e as ações em sala de aula por todo o Brasil. São amigos próximos ou distantes, que não necessariamente precisam de um encontro físico com Magda para a terem presente em suas vidas acadêmicas ou em suas práticas docentes”, escrevem os organizadores do livro, Francisca Maciel, Delaine Cafiero e Egon de Oliveira Rangel. Relembre a live de lançamento da obra, com a participação dos organizadores e de Magda Soares:

Incansável defensora da educação pública

O interesse pela alfabetização de crianças veio no final da graduação, quando Magda foi convidada por um colégio particular de Belo Horizonte para ser professora de português. Pouco depois, ingressou nas redes estadual e municipal de ensino. À Revista Fapesp, contou que tomou um grande susto quando começou a lecionar na rede pública. E que foi a partir desse susto que se originaram suas pesquisas. 

“Na rede municipal, me dei conta de como era forte a discriminação e as diferenças entre a educação que eu tinha tido, pertencendo à classe média, e a educação nas duas instâncias em que dava aulas: na escola privada e na escola pública. Àquelas crianças da rede pública ensinava-se menos. A partir daí, nunca consegui fazer mais nada que não fosse lutar contra essa diferença na educação de camadas sociais diferentes.”

Magda Soares, na introdução do livro “Linguagem na escola, uma perspectiva social”
“Quando se considera que as camadas populares constituem a grande maioria da população brasileira (…) nem é preciso buscar razões ideológicas ou ou políticas para concluir que a escola brasileira é, fundamentalmente, uma escola para o povo. Entretanto, essa escola para o povo é, ainda, extremamente insatisfatória, do ponto de vista quantitativo e, sobretudo, qualitativo. Não só estamos longe de ter escola para todos, como também escola que temos é antes contra o povo que para o povo: o fracasso escolar dos alunos pertencentes às camadas populares, comprovado pelos altos índices de repetência e evasão, mostra que, se vem ocorrendo uma progressiva democratização do acesso à escola, não tem igualmente ocorrido a democratização da escola. Nossa escola tem-se mostrado incompetente para a educação das camadas populares, e essa incompetência, gerando o fracasso escolar, tem tido o grave efeito de não só acentuar as desigualdades sociais, mas, sobretudo, de legitimá-las.”

Feminista e ativista política, Magda foi uma das conselheiras de Fernando Haddad quando ministro da Educação. Amiga de Paulo Freire (1921-1997), afirmava trabalhar com “os mesmos pressupostos, os mesmos ideais e a mesma utopia” do patrono da educação brasileira. “Não considero que a principal contribuição de Paulo Freire é um método de alfabetização. A grande contribuição que ele deu foi a visão política da alfabetização e da luta contra o analfabetismo”, afirmou ao jornalista Bruno de Pierro, da Fapesp.

Com uma biblioteca particular formada por mais de 8 mil títulos, Magda Soares escreveu 12 livros. Sua primeira coleção, “Português através de textos”, publicada nos 1960, propunha um ensino “que entende o português como texto, não como gramática, como se fazia na época”. 

“Uma pesquisa minha mostrou que a criança de ensino fundamental não tem condições de entender a língua como sistema, a gramática da língua, o que é muito complexo. Nessa fase, dos 11 aos 13 anos, a criança está naquela fase que Jean Piaget chamou de operações formais. Por exemplo, substantivos e adjetivos, orações coordenadas e subordinadas são conceitos dos quais a criança ainda não dá conta”, explicou na entrevista. 

Em depoimento ao jornal O Estado de S.Paulo, em 2019, Magda afirmou: “Os cursos de pedagogia têm história da educação, filosofia da educação, sociologia da educação e nada do que elas precisam saber para atuar na sala de aula”.

Sua metodologia de alfabetização propõe o uso de textos cotidianos, histórias em quadrinhos e matérias de jornais e revistas. Para ela, a alfabetização (domínio do sistema escrito alfabético) e o letramento (conhecer os usos sociais da língua escrita) não podem andar separados – daí o termo “Alfaletrar”. 

Magda Soares venceu o Prêmio Jabuti de 2017, na categoria educação e pedagogia, com a obra “Alfabetização: a questão dos métodos”. Aposentada desde os anos 2000, não abria mão de suas atividades. O último livro, lançado em 2020 e intitulado “Alfaletrar: toda criança pode aprender a ler e escrever”, foi baseado em sua experiência voluntária – e transformada em referência nacional – com educadores e estudantes da rede municipal de Lagoa Santa (MG), cidade localizada a 35 quilômetros de Belo Horizonte. 

Confira, no vídeo abaixo, os detalhes da proposta, contada pela própria autora:

“Magda Soares foi e será sempre referência mundial em sua área e motivo de grande orgulho para a UFMG”, afirma Sandra Goulart Almeida, reitora da universidade, em texto publicado no portal da UFMG. “Ela foi sempre presente na vida da universidade e uma grande amiga, apoiadora, sempre solidária nos momentos difíceis. Com ela eu me nutria de esperança em dias melhores. Fica seu legado de uma trajetória extraordinária.”

*Com informações da Fapesp e do portal da UFMG


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alfabetização, educação infantil, ensino fundamental

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