Mediação de conflitos na escola: quais são as principais estratégias? - PORVIR
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Inovações em Educação

Mediação de conflitos na escola: quais são as principais estratégias?

Em entrevista ao Porvir, a professora espanhola Maria Carme Boqué fala sobre a importância da mediação voluntária e de não julgar e punir

por Ruam Oliveira ilustração relógio 21 de junho de 2023

A mediação é um mecanismo de gestão pacífica de conflitos por meio do diálogo. Quando duas pessoas ou grupos têm um problema, pedem ao mediador para ajudá-los a resolvê-lo de comum acordo. E sempre cabem três perguntas: “o que aconteceu?” (para entender o passado), “o que precisamos?” (para definir o presente) e “como podemos nos reconciliar?” (para construir o futuro).

“O trabalho do mediador é ouvir cada parte com empatia, trazer à tona os verdadeiros interesses que causaram o problema e ajudar os protagonistas do conflito a construir colaborativamente uma solução que beneficie ambos”, diz Maria Carme Boqué Torremorell, professora titular da Universidade Ramon Llull de Barcelona (Espanha) e autora do livro “Mediação de conflitos na escola: modelos, estratégias e práticas” (Editora Summus, 2021). 

Em entrevista ao Porvir, a professora fala sobre o perfil mediador, que não julga, não aconselha e não pune e a importância de os estudantes serem ativos na resolução dos conflitos. “A mediação, em última análise, é uma aposta na cultura de paz, na defesa dos direitos humanos e no cultivo de valores como justiça, democracia, solidariedade e liberdade”, afirma.

Confira a íntegra da entrevista:

Porvir – Como podemos implementar estruturalmente os processos de mediação nas escolas?

Maria Carme Boqué – Primeiro, é necessário sensibilizar todos os integrantes  da comunidade educativa para que vejam a necessidade de criar um serviço de mediação e conheçam suas vantagens. Em seguida, é preciso selecionar as pessoas que serão treinadas como mediadoras, como alguns professores ou alunos. 

Porvir – Quais as suas orientações?

Maria Carme Boqué – O ideal é treinar equipes mistas, compostas por famílias, alunos, professores e outros profissionais da escola. Essas pessoas devem receber entre 15 e 30 horas de treinamento de um especialista, onde desenvolverão habilidades de mediação, aprenderão os passos do processo de mediação e praticarão a resolução de conflitos por meio de role-playing (do inglês “simulação de papéis”). Em seguida, convidarão pessoas da comunidade educativa que tenham um problema a solicitar uma mediação e começarão a resolver conflitos reais. Finalmente, avaliarão esta fase piloto identificando seus pontos fortes e as necessidades de melhoria. Após as devidas correções, o serviço de mediação será implementado e qualquer participante da comunidade educativa será informado sobre seu funcionamento, composição, canais para solicitar mediação e seus resultados.

A professora Maria Carme Boqué. Arquivo Pessoal

Porvir – Como reconhecer que os processos de mediação não são ações simplistas, mas requerem certa preparação (da organização à implementação)?

Maria Carme Boqué – Um dos desafios da mediação escolar é a manutenção da equipe. Para isso, são necessários treinamentos periódicos, pois tanto os professores quanto os alunos e suas famílias permanecem na escola por um tempo limitado. Outra condição necessária é o reconhecimento das horas de trabalho do professor que coordena o serviço de mediação. Além disso, o aluno que participou do treinamento como mediador e mediou vários conflitos com eficiência deve ser certificado, pois sua formação é um plus curricular.

Quando os cidadãos são educados na mediação, tornam-se responsáveis por seus conflitos, aprendem a reparar seus erros e a se reconciliar com os demais.

Porvir – Qual a melhor maneira de explorar conflitos para alcançar uma mediação eficaz?

Maria Carme Boqué – Antes de começar uma mediação, os dois mediadores que vão trabalhar nesse conflito (comediação) realizam uma breve entrevista separada com cada parte. Os objetivos deste encontro são dois: conhecer o contexto do conflito e incentivar a participação na mediação como a melhor opção para resolver o problema.

Porvir – Existe um perfil adequado para um mediador? Como as escolas podem trabalhar neste aspecto?

Maria Carme Boqué – Na verdade,  é necessário entender que a violência nunca é uma opção e se comprometer a ajudar aqueles que têm um problema a resolvê-lo e manter um relacionamento positivo. Há pessoas que são muito boas ouvintes, outras que são muito criativas, ou que aceitam desafios para transformar a situação, algumas demonstram grande empatia, ou podem ser boas comunicadoras, que têm um espírito otimista ou que têm a motivação para contribuir para construir um mundo mais justo. Na escola, além disso, são dois os mediadores que intervêm na resolução de um conflito, por isso podem complementar suas habilidades e se emparelhar, procurando que sua origem cultural, língua, gênero, idade ou grupo ao qual pertencem sejam diferentes.

Porvir – Como trazer protagonismo para que os estudantes atuem mais ativamente na resolução de conflitos? Isso é possível?

Maria Carme Boqué – Os meninos e meninas são os grandes protagonistas da mediação escolar porque sofrem com seus próprios conflitos e com os do resto dos colegas. Eles precisam de ferramentas para satisfazer suas necessidades e alcançar seus objetivos sem piorar a situação ou prejudicar outras pessoas. Por isso, muitos se interessam pela mediação e desejam ser treinados, como demonstram estudos realizados sobre a avaliação da mediação escolar. Não apenas os mediadores expressam satisfação por fazer parte da equipe e contribuir para um clima de bom trato na escola, mas aqueles que recorreram à mediação recomendam a outras pessoas que, antes de brigar, dialoguem.

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Porvir – Cada etapa da educação requer um tipo de estratégia de mediação. Qual requer mais preparação e o que deve ser levado em conta ao planejar essa mediação?

Maria Carme Boqué – A mediação, em última análise, é uma aposta na cultura de paz, na defesa dos direitos humanos e no cultivo de valores como justiça, democracia, solidariedade e liberdade. Uma vez que se escolhe trabalhar pela paz por meio da prática da mediação, o processo em si se adapta a cada fase e evolui conforme a complexidade dos conflitos que precisam ser resolvidos. No entanto, sempre são mantidos três grandes movimentos: “o que aconteceu?” (exploração do passado), “o que precisamos?” (definição do presente) e “como podemos nos reconciliar?” (construção do futuro). 

Porvir – Crianças pequenas também podem mediar conflitos?

Maria Carme Boqué – Às vezes é argumentado que as crianças menores não estão capacitadas para mediar, mas verificou-se o contrário: quanto mais jovens, mais natural parece resolver seus problemas conversando. Portanto, as escolas que desejam implementar um serviço de mediação deveriam fazê-lo na educação infantil, no ensino fundamental e no ensino médio.

Porvir – Como avaliar os processos de mediação que funcionaram e o que pode ser melhorado?

Maria Carme Boqué – Geralmente, as reuniões de mediação são documentadas, ou seja, há um registro onde se anota de forma clara e direta qual foi o conflito, quem solicitou a mediação, quem foram os mediadores, que pessoas participaram, qual foi a duração e quais acordos foram alcançados. Posteriormente, é feito um acompanhamento dos acordos para ver como funcionaram e, nesse momento, as partes geralmente preenchem um simples questionário onde expressam sua opinião sobre o serviço recebido e os resultados alcançados. Em sessões de trabalho da equipe de mediação, os casos resolvidos são analisados para avaliar sua eficiência e efetividade. Por outro lado, foram realizadas numerosas pesquisas que indicam os acertos e a margem de melhoria com o objetivo de continuar avançando no uso da mediação escolar. Quando os cidadãos são educados na mediação, tornam-se responsáveis por seus conflitos, aprendem a reparar seus erros e a se reconciliar com os demais.


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ensino fundamental, ensino médio, socioemocionais

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