Livro de Seymour Papert ganha nova edição após 45 anos
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Inovações em Educação

“Mindstorms”: Livro de Seymour Papert ganha nova edição após 45 anos

Mais de quatro décadas depois, “Mindstorms” retorna ao Brasil para lembrar que aprender é mais que absorver conteúdos. Em tempos de novas tecnologias, o livro convida educadores a redescobrir o valor de aprender com significado, colocando os estudantes no centro e a curiosidade como guia.

por Ruam Oliveira ilustração relógio 24 de novembro de 2025

Como ter certeza de que algo permanece na mente dos estudantes? José Valente, pesquisador e professor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), defende que uma forma de fazer essa verificação é por meio da reflexão, momento em que as “evidências aparecem”. Para ele, não basta receber informação. O estudante precisa processar, avaliar e expressar o que aprendeu. É nesse exercício de autoavaliação e diálogo que o conhecimento se fixa de verdade.

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Essa visão encontrou eco nas ideias do construcionismo de Seymour Papert, cientista da computação sul-africano e professor do MIT (Massachusetts Institute of Technology), nos Estados Unidos, para quem aprender é construir, explorar e refletir. Inspirado por Papert (com quem chegou a trabalhar), Valente dedicou sua carreira a estudar e aplicar esses princípios no NIED (Núcleo de Informática Aplicada à Educação), da universidade paulista, um dos primeiros e mais importantes centros brasileiros a investigar como as tecnologias digitais poderiam transformar o processo de ensino e aprendizagem.

Nos anos 1980, José foi o responsável pela tradução do livro “Logo: Computadores e Educação”, de autoria de Papert. Lançado em 1985, o livro rapidamente se tornou uma referência, mas nunca ganhou nova tiragem e logo se esgotou, deixando uma lacuna para quem queria acessar as ideias fundadoras do construcionismo. Em 2025, 45 anos depois de sua publicação original, essa história ganha continuidade: em 2025, a obra retorna em uma nova edição brasileira e sob novo título “Mindstorms: Crianças, Computadores e Poderosas Ideias” (Diálogos Embalados, 2025).

O lançamento foi realizado durante a 5ª Conferência Brasileira de Aprendizagem Criativa, promovida pela RBAC (Rede Brasileira de Aprendizagem Criativa), no final de outubro, em Brasília (DF). Trata-se de um reencontro simbólico entre os pioneiros do construcionismo na disseminação da ideia de que a tecnologia deve ser uma ferramenta de empoderamento para os alunos, permitindo-lhes criar, explorar e construir o próprio conhecimento, em vez de ser vista apenas como um meio para o professor transmitir conteúdos.

O que “Mindstorms” ensina na era da inteligência artificial

Mitchel Resnick, pesquisador do MIT Media Lab e idealizador doconceito de aprendizagem criativa, lembrou Papert afirma no livro não estar interessado em máquinas, “mas muito mais em mentes”. Isso porque no centro das aprendizagens, estão as pessoas e a forma como elas querem aprender. 

Para ele, a cada nova onda tecnológica, surge uma “competição” entre diferentes visões sobre como integrar essa tecnologia ao ambiente de aprendizagem. “20 anos atrás, quando a internet surgiu e se espalhou, as pessoas pensavam que era uma ótima forma de entregar informações. Agora, 20 anos depois, temos uma nova onda de tecnologia com a IA (inteligência artificial) e observamos uma forma similar de competição entre essas visões”, afirmou. 

Resnick pontua que o “Mindstorms” é tão importante hoje, quanto foi em 1980, quando foi publicado pela primeira vez, embora tenha surgido surgido quando os computadores ainda estavam chegando ao mundo. No Brasil, o livro chegou em 1985, com tradução de José Valente, que agora assina um novo prefácio em companhia de Ann Valente, pesquisadora do grupo de pesquisa Lifelong Learning Kindergarten (“Jardim de Infância para Toda a Vida”), do MIT Media Lab, e Leo Burd, pesquisador do MIT Media Lab e presidente do conselho da RBAC.

Pessoa segura exemplar do livro “Mindstorms” em frente a auditório
CBAC/Divulgação Lançamento da edição comemorativa de 45 anos do livro “Mindstorms”, de Seymour Papert, durante a CBAC 2025.

“Se hoje estão globalmente difundidas ideias pedagógicas como programação para crianças, educação maker, robótica na educação, pedagogias ativas, aprendizagem criativa, as raízes dessas discussões já estão lançadas nas páginas desse livro de 1980”, escrevem os autores. 

Para eles, o livro fomenta uma nova reflexão a respeito do papel da tecnologia na educação, assim como o lugar da educação em um mundo cada vez mais tecnológico.

Para quem tem contato com o livro agora, a recomendação do fundador da aprendizagem criativa é atualizar as lentes com as quais enxergam o texto. Ele aconselha o leitor a não se confundir ou se prender às referências a tecnologias antigas presentes no texto.

Mitchel destaca que o valor real do livro está nas ideias educacionais contidas nele, que “permanecem profundamente relevantes”. O conteúdo apresentado no livro, afirma Resnick, pode servir de guia para a aplicação de novas tecnologias, como a inteligência artificial, de uma maneira que promova a criatividade, a expressão pessoal e o aprendizado significativo, em vez de focar unicamente na eficiência instrucional.

Por que uma nova edição de “Mindstorms”

Simone Lederman, diretora do Instituto Catalisador, foi incumbida da missão de traduzir a nova versão do livro, baseada na última edição revisada por Papert e inédita no Brasil. 

Em conversa com o Porvir, ela explicou que, ao assumir a nova edição, teve como foco a fidelidade ao pensamento de Seymour Papert, preservando seu estilo original e, ao mesmo tempo, garantindo que o texto se comunicasse com os educadores de 2025.

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O objetivo desta nova edição, aponta Simone, é entregar para a sociedade não um livro sobre tecnologia para educadores, mas sim um material que foi feito por um educador para seus pares. 

“O professor Valente foi responsável pela primeira edição brasileira, em um contexto muito marcado por um olhar para a educação a partir da tecnologia. O que buscamos fazer agora foi o movimento inverso: aproximar a tradução da perspectiva educacional”, disse. 

“Sou pedagoga de formação, apaixonada por linguagens, alfabetização e literatura. Então, a pergunta que me guiou foi: como alguém com esse repertório se encontra com a tecnologia? Trata-se de um outro movimento, de uma outra perspectiva, mas realizado com profundo respeito e admiração pelo legado construído até aqui. É um trabalho emocionante”, completou.

Da didática à matética: a virada que Papert propõe

A avaliação da educadora é de que a mensagem passada por Papert talvez ainda não tenha sido devidamente incorporada às práticas pedagógicas, embora muitos pesquisadores, acadêmicos e entusiastas tenham se dedicado, ao longo desses 45 anos, a compreender e difundir suas ideias.

“Para mim, ele é uma bússola. Precisamos relê-lo, não com os olhos de 1980, mas com o olhar de 2025. Quem nunca leu, precisa fazê-lo para adquirir novas lentes que permitam interpretar como estamos levando a tecnologia para a educação e, principalmente, rever o porquê. Precisamos continuar revisitando essa pergunta”

Crianças em pé ao redor de uma mesa com materiais de artesanato
CBAC/Divulgação Estudantes participam de oficina criativa com sucata e materiais diversos.

O “porquê”, apontado por Simone, diz respeito a pensar sobre o pensamento: refletir sobre como se aprende e como se ensina. “Tecnicamente, é um deslocamento da didática (que trata do ensinar) para a matética, que trata do exercício do aprender. Já falamos muito sobre aprendizagem centrada no aluno, mas por que ainda é tão difícil colocá-la em prática? Será que a tecnologia pode realmente contribuir para isso, ou continuará sendo apenas mais um meio de transmitir informação aos estudantes?”, questiona.

Simone também pontua que esse deslocamento, da didática para a matética, tem sido ensaiado nos últimos 45 anos, mas que ainda não se concretizou de verdade. “Por isso, acredito que Papert volta a ser tão relevante neste momento: para nos lembrar de que não é simples nem fácil colocar suas ideias em prática, mas que vale a pena manter essa direção como norte ético e pedagógico para a sociedade”, disse. 

A nova edição contou com a coordenação editorial de Janine Schultz, diretora executiva da RBAC, e Ana Paula Piti Azevedo, da Editora Diálogos Embalados.  

* O Porvir é parceiro de mídia da 5ª Conferência Brasileira de Aprendizagem Criativa


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aprendizagem baseada em projetos, aprendizagem criativa, educação mão na massa, inteligência artificial, tecnologia

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