Novos desafios levam engenheiros a empreender
Aulas que estimulam novas invenções e ambiente multidisciplinar capacitam alunos para empreendedorismo
por Vinícius de Oliveira 8 de setembro de 2014
Entre ficar submetido aos processos de uma grande empresa na indústria e ter a chance de empreender, muitos engenheiros têm escolhido a última opção. O movimento é influenciado pelos problemas inovadores e nunca antes enfrentados que estão sobrando para esse tipo de profissional. A opinião é do professor José Antônio Lerosa de Siqueira, da Escola Politécnica (Poli) da USP, que acrescenta ainda prestígio e melhores salários como catalisadores da tendência. “A engenharia ficou abandonada por muitas décadas. Há muito tempo a gente fala que precisa de engenheiros para infraestrutura. Agora, talvez eles já não tenham na indústria os mesmos desafios que encontram em outras áreas”, diz Lerosa.
O professor da USP reforça seu argumento lembrando Jeffry Timmons (1942-2008), um dos pioneiros no estudo do sobre o ato de empreender, para quem o movimento vai ser tão importante no século 21 como foi a Revolução Industrial no século 19. Lerosa diz que até mesmo a resistência que era demonstrada por parte dos estudantes quando começou a ministrar um curso de empreendedorismo na Poli já caiu por terra. “Em 2002, havia necessidade de convencer o aluno de que empreender era bom. Havia uma mistura de ideologia e economia, mas, na verdade, empreendedorismo está acima de qualquer convicção de ser de esquerda ou de direita”, diz.
Além das aulas na Poli, Lerosa também leciona no Senai, no curso superior de Automação Industrial. “Lá, o trabalho é muito mais individual, com turmas de 25 a 30 alunos. Na Poli, tenho 120 a 180, com enfoque em projetos e trabalho em equipe”.
Uma situação comum que leva a empreender é quando o engenheiro aproveita todos os recursos que estão a seu alcance, seja no meio acadêmico ou em casa. Filho, neto e bisneto de empreendedores no ramo de cerâmica, Lincoln Lepri tem em mãos o “Snake robot”, que, como o próprio nome diz, trata-se de um braço robótico capaz de se flexionar como uma cobra para acessar locais que são prejudiciais à ergonomia e à saúde humana e onde o acesso físico humano é restrito, como caldeiras de termelétricas que registram mais de 1500ºC e o trabalho para selagem das estruturas internas de um avião.
Sua formação começa no curso de Engenharia Mecatrônica, na Escola Politécnica (Poli) da USP, concluído em 2008 após enfrentar uma “grande carga horária”, com estudantes disputando vagas nas engenharias durante os dois primeiros anos, sem espaço para aprender como empreender. A titulação foi do tipo “sanduíche” com intercâmbio em Engenharia de Automação no Politécnico de Milão, que deu origem a um mestrado na Itália e a outro, no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).
“Dentro do ITA tem um ambiente bastante promissor, com softwares, maquinários e tudo que precisei para inovar. Dentro da Poli, eu não consegui desenvolver porque era muito pesado”, diz. O engenheiro atribui esta capacidade ao Centro de Competência em Manufatura (CCM), ambiente multidisciplinar dentro da instituição localizada em São José dos Campos (SP), que abriu espaço para que pudesse criar seu robô. “Ele tem muito a ver com aeronáutica, porque vai fazer um trabalho que hoje é realizado por pessoas. [O ITA entende que] Não é só fazer avião, VANT (Veículo Aéreo Não Tripulado), ônibus espaciais ou satélite. Tem coisas que dá para fazer para serem aplicadas agora. Ele sai um pouco do acadêmico para virar um celeiro para várias empresas”, explica.
Não à toa, seu projeto de pós-graduação teve apoio da Embraer, onde atualmente está empregado. “Uma coisa é trazer de um lugar para o Brasil, o que uns falam em adaptação. Eu chamo de falta de imaginação. A gente tem que inovar e o brasileiro tem que se dar mais valor”, diz. Agora, Lepri corre atrás de registro de patente e aposta em reuniões para levar seu projeto para a linha de montagem da fabricante brasileira de aviões.
Outros profissionais encontram um atalho para comandar um negócio por meio da área financeira. Este foi o caso de Michel Glezer, 30, formado em engenharia de produção pelo Instituto Mauá de Tecnologia e hoje co-CEO da EasyTaxi, empresa aplicativo que mexeu com o mercado de táxis em 100 cidades brasileiras e que atua em outros 32 países.
“Direcionei minha carreira para a área financeira desde o meu primeiro emprego. Mas a formação de engenheiro me permitiu olhar para empresas com capacidade analítica, porque através de números você consegue entender a performance de um negócio”, diz Glezer.
O caminho até a empresa do contou com algumas paradas importantes. Antes de chegar até ela, Glezer foi trabalhar com área assessoria para fusões e aquisições e com fundos de investimentos em companhias de capital fechado. Ao conhecer o dia a dia das empresas, passou a se interessar por tecnologia e empreendedorismo. Foi a chave para entrar no fundo alemão Rocket, que investe em empresas com pouco tempo de vida, as chamadas startups.
Para Glezer, a formação acadêmica ainda o ajuda muito na solução muitos dos processos internos, uma vez que “empresas de tecnologia têm sua alma na equipe de engenharia”. Em tempo, 70 dos 200 funcionários da divisão brasileira da EasyTaxi são engenheiros.