O Futuro se Equilibra #002 - Interseccionalidade na educação - PORVIR
Jéssica Figueiró / Porvir

Podcast O Futuro se Equilibra

O Futuro se Equilibra #002 – Interseccionalidade na educação

Como a interseccionalidade impacta a equidade na educação? Ouça agora o segundo episódio de "O Futuro se Equilibra".

por Redação ilustração relógio 24 de novembro de 2021

P
Este conteúdo faz parte do
Podcast O Futuro se Equilibra

 

Ser negro, ser mulher, ter algum tipo de deficiência – seja física ou intelectual – colocam as pessoas em um determinado lugar social. Em outras palavras, elas são “marcadas” socialmente. No segundo episódio de “O Futuro se Equilibra” nós abordamos o conceito de Interseccionalidade, que em poucas palavras diz respeito às interfaces entre diferentes marcadores sociais e a forma como eles interagem na vida das pessoas.

Ouvimos um pouco da história da Flávia Souza, atriz, cantora e coreógrafa que integra nossa equipe de atores do podcast. Ela vai aparecer em outros episódios interpretando novas histórias.

O professor Alexsandro Santos, diretor presidente da Escola do Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo e a professora Bruna Irineu, da Universidade Federal do Mato Grosso nos auxiliaram a compreender esse conceito e de que maneira ele se relaciona com a educação.

O Futuro de Equilibra é uma produção do Porvir e tem o apoio do Instituto Unibanco.

 

identidade visual de o futuro se equilibra - o podcast

 

[música de fundo]

[abertura] [Tatiana Klix]
Você está ouvindo O Futuro se Equilibra – o podcast sobre equidade na educação. Uma iniciativa do Porvir, a principal plataforma de conteúdos e mobilização sobre inovações educacionais do Brasil, com o apoio do Instituto Unibanco, que atua para a melhoria da educação pública no Brasil. O foco do Instituto é melhorar os resultados de aprendizagem dos estudantes de Ensino Médio da rede pública, assim como produzir conhecimento sobre essa etapa de ensino.

[música de fundo]

[Alexsandro Santos]
A gente criou esse conceito para definir um pouco o cruzamento de diferentes processos de opressão, exclusão e marginalização.

Então a gente faz uma leitura da realidade, identifica que no sistema social existem diferentes dinâmicas de opressão e exclusão e marginalização, que respondem a estruturas de poder como o racismo, o patriarcado, machismo, as questões de classe. E quando essas dinâmicas de opressão se cruzam a gente está à frente ao fenômeno que a gente chama de interseccionalidade.

[Bruna Irineu]
O conceito de interseccionalidade nasce do feminismo negro. Há uma compreensão de que a Kimberly Crenshaw foi a primeira a cunhar esse termo. Mas como nos ensina por exemplo a Patricia Collins e o próprio livro da Carla Akotirene que é brasileira. Mais do que um conceito, interseccionalidade ela é uma práxis. Ela é um exercício político de vida na medida em que as pessoas são atravessadas por questões relacionadas a gênero, raça e sexualidade, nacionalidade, capacidade, etnia, faixa etária.

[música de fundo]

[Tatiana klix]
Olá, eu sou a Tatiana Klix, diretora do Porvir e esse é o segundo episódio de “O Futuro se Equilibra”, o podcast do Porvir sobre equidade na educação.

[música de fundo]

[Tatiana Klix]
Nós começamos esse episódio com duas explicações sobre o que é Interseccionalidade. A primeira voz que você ouviu foi do Alexsandro Santos, diretor presidente da Escola do Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo. E a segunda foi da professora Bruna Irineu, que dá aulas na Universidade Federal do Mato Grosso e integra o Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Relações de Gênero da UFMT.

Mas por que estamos falando de interseccionalidade?

[música de fundo]

Esse conceito da sociologia olha para a forma como marcadores sociais influenciam a vida das pessoas. E esses marcadores estão totalmente articulados com os princípios da equidade e precisam ser levados em conta para garantir a qualidade na educação.

[música de fundo]

[Tatiana Klix]
Estamos falando dos marcadores raça, gênero, classe e diferenças –  e quando falamos de diferenças, queremos incluir aqui as múltiplas formas de existir. Não necessariamente diversidade, porque

[Alexsandro Santos]
Quando a gente fala de diversidade a gente ainda está pressupondo algo que diverge de um certo padrão. Então, que existiria um padrão e que existem grupos que divergem desse padrão e a gente teria que lidar com a diversidade. Quando a gente fala em diferenças está dizendo olha o normal é a diferença. São diferenças. mos em educação.

[Música de fundo]

[Tatiana Klix]
Antes de falarmos um pouco mais sobre os conceitos, vamos ouvir um trecho da história da Flávia Souza, que faz parte da nossa equipe de atores que vai narrar, nos próximos episódios, histórias que vão nos ajudar a entender como as diferenças impactam a vida escolar das pessoas.

A Flávia é uma mulher negra. Olhando para a interseccionalidade, ela traz consigo dois marcadores.

[música de fundo diminuindo]

[Flávia Souza]
Meu nome é Flávia Sousa, sou atriz, cantora, coreógrafa, escritora, formada em bacharelado em dança pela UFRJ

[começa música de fundo]

Eu estudei a vida inteira em colégio público, tentei quando adulto, achei que não tinha capacidade porque no colégio os professores nunca incentivaram a gente para uma faculdade, para uma universidade. Então colégio público, que era em cima de um presídio, mas de uma boa estrutura, minha mãe me colocou lá porque era uma boa escola. Os professores daquela escola especificamente eram muito atenciosos os alunos então tenho boas memórias nessa escola e ruins também. Claro, a gente passa muito preconceito ainda mais na década de oitenta, era Macaca, chimpanzé… Então uma criança dessa época preta onde as aulas de história não falam muito sobre sobre si para elevar a autoestima das crianças pretas A gente sempre ouvia que foi escravo, que levou chibatada, não sei. Então isso deixa de fazer com que os outros alunos não negros ficassem cometendo hoje em dia bullying…

[música de fundo]
Mas as boas memórias era hora do recreio, da merenda, porque viviam um momento de muita dificuldade. Então era o momento onde a maioria das crianças se alimentavam era na escola. É um momento com as professoras que eram muito atenciosas, que defendiam a gente.

[música de fundo]

Depois, mais adulta, de maior, eu fui estudar à noite porque tive que trabalhar e era muito difícil trabalhar e estudar, mas minha mãe, mesmo sem instrução, sempre falava: estuda, aproveita a oportunidade para você ser alguém.  Eu não acreditava muito porque ao meu redor não tinha essa inspiração. A maioria dos meus tios e tias semi analfabetos ninguém tinha estudado

E eu através da arte e da cultura tive a inspiração de entrar para uma universidade, depois de adulto, com vinte cinco anos achei que não poderia uma universidade pública e foi para uma universidade privada não conseguir pagar a universidade

E aí um amigo falar tem uma prova para UFRJ e eu fiquei assim “eu acho que eu não passo” porque enfim nunca passou pela minha cabeça eu passar em terceiro lugar e cursei o bacharelado em dança pela UFRJ para me manter na faculdade. Eu fiz alguns testes que passei.

[música de fundo]

Aproveitando eu ganhei o prêmio Inspirar que é um prêmio de mulheres que inspiram através da arte da cultura tem um grupo cultural chamado Afro Lage, que é um grupo de cultura de matriz afro brasileira o qual a gente entra nas escolas para a aplicação da Lei dez mil seiscentos e trinta e nove levando Jongo, o samba de roda, capoeira como arte e cultura e educação extracurricular que vem influenciando aí na autoestima das crianças para que elas conheçam a sua verdadeira história. Aquela história de chibatada não é a nossa verdadeira história, a gente tem herança, a gente tem identidade.

[Música de Fundo]

[pausa] [Ruam Oliveira]
Oi pessoal, aqui é o Ruam Oliveira, repórter do Porvir. Vou interromper o episódio mais uma vez rapidinho só para fazer mais um convite para você educador ou educadora que nos ouve. Nós temos no site um espaço chamado Diário de Inovações. Lá compartilhamos práticas inspiradoras que professores e professoras têm feito Brasil afora. Você está fazendo ou criou um projeto bacana, com práticas pedagógicas incríveis e quer mandar para a gente? É só acessar o porvir no www.porvir.org e clicar para compartilhar sua experiência inovadora. Te esperamos por lá!

[música de fundo] 

[Tatiana Klix]
Antes da pausa nós ouvimos o relato da Flávia Souza, atriz carioca. Ela foi reconhecida por um trabalho para valorizar a autoestima de crianças afro-brasileiras em escolas. E agora a gente volta ao conceito da interseccionalidade relacionado à educação.

A interseccionalidade tem um papel fundamental para pensarmos equidade na educação. E  como podemos olhar para a educação a partir desse conceito?

[Alexandro Santos]
A gente precisa de partida lembrar o seguinte: Durante um bom tempo a gente acreditou ingenuamente que a escola estaria protegida dos processos de discriminação, opressão, exclusão e marginalização do tecido social.

Como a gente se compromete a oferecer educação para todo mundo, a gente imaginava que essas desigualdades não entrassem dentro do sistema educacional, mas na década de 1960 a gente conseguiu articular um conjunto de pesquisas da sociologia da educação tinha nos fizeram enxergar que a escola reproduz e ela pode piorar processos de desigualdade que são exteriores à escola.

[Tatiana Klix]
O professor Alexsandro nos explicou que a desigualdade de renda, que é um fator exterior,  se reproduz dentro da escola e se transforma em desigualdade educacional. Com isso, as pessoas mais pobres acabam recebendo menos direito à educação do que aquelas menos pobres.

[Bruna Irineu]
Hoje o número de pessoas que nunca frequentaram os espaços formais de educação é um pouco menor em relação a algumas décadas atrás ou talvez no século passado.

[Tatiana Klix]
Aqui, de novo, a professora Bruna Irineu.

[Bruna Irineu]
Então inevitavelmente a escola ocupa o lugar definitivo na formação de cidadania na formação de personalidade desses sujeitos. Então na escola também, embora a escola seja seu lugar socializador, é na escola também que a gente vai entender que as diferenças existem.

[Música de Fundo]

[Bruna Irineu]
Se a gente tem uma educação bancária, uma educação muito mais atenta a lógica do capital dificilmente a gente vai conseguir fazer uma educação interseccional, porque uma educação interseccional ela parte especialmente na ideia de que a diferença nos fundos e de que ela é determinante para a nossa constituição de participação social, de exercício da cidadania e como um elemento fundamental da democracia para a democracia. Então compreender a interseccionalidade nos auxilia a inclusive alargar os campos democráticos.

[Tatiana Klix]
E qual é a importância dos educadores e educadoras conhecerem o conceito de interseccionalidade?

[Alexsandro Santos]
Não é porque alguém escolheu ser professor que esse alguém está livre, digamos assim, de valores, crenças e comportamentos discriminatórios preconceituosos E se a gente não cuidar da formação desse sujeito ele pode carregar esses valores e crenças para a prática pedagógica, para a gestão da escola, para a gestão do sistema

Então é fundamental que na formação inicial, lá nos cursos de licenciatura que prepara os professores para o exercício dessa profissão, exista um compromisso das universidades das faculdades em gerar uma formação que combata esse conjunto de crenças e valores que sustentam as opressões.

Essa formação ela tem que ter uma dimensão ela tem que ser bidimensional ela tem que desconstruir valores e crenças preconceituosos e discriminatórios, mas ela também tem que ensinar a esse futuro professor o que ele faz em sala de aula para que as crianças que estão sob sua responsabilidade

Os adolescentes que estão sob sua responsabilidade possam ser protegidos desses processos discriminação, mas também para que eles não reproduzam isso. Então esse professor e essa professora ele tem que ter uma formação que dê conta dos seus processos de desconstrução, mas também uma formação que dê conta de que ele possa ajudar os estudantes a aprenderem valores éticos contrários a esses processos de discriminação

[Tatiana Klix]
O professor Alexsandro nos diz que não basta trabalhar com essa chave de boas intenções. De fato, é preciso preparação. O que você educador ou educadora que nos ouve faz diante de uma situação discriminatória? Você se sente preparado e sabe como agir?

[Alexsandro Santos]
Essa discussão não é feita com a profundidade, com a amplitude que ela deveria ser feita e o que acontece: os professores ingressam na profissão repletos de preconceitos e com muita dúvida sobre o que fazer na escola para combater os impactos dessas opressões.

E a formação continuada não dá conta disso. Primeiro porque as redes de ensino também investem pouco numa formação orientada para esse tipo de tema, mas também porque a formação continuada ela tem limites.  Ela de fato não vai dar conta de questões tão profundas quanto essas que não foram mobilizadas na formação inicial. Acho que é muito importante que a gente diga que o jeito que a gente organiza a formação dos professores no Brasil hoje, professores e gestores, não favorece que eles possam estar aptos, se sentirem confiantes em enfrentar esses temas na escola.

[música de fundo]

[Tatiana Klix]
E essa formação vai ser determinante para a experiência dos estudantes nas escolas e para sua formação integral.

[Bruna Irineu] 
Foi a escola o primeiro lugar a me dizer que eu era lésbica, sem eu ainda sequer entender o que era identidade o que isso acarretaria na minha vida. Estava no ensino médio e fui chamada pela direção da escola porque parecia que estava atrapalhando uma colega que eles imaginavam que fosse alguém que eu quisesse namorar ou etc

Então eu sou convidada a conversar e sou ameaçada se eu não assumisse que a escola iria chamar a minha mãe para poder dizer que eu era homossexual e que era o momento de fazer um trabalho para que isso fosse corrigido…

[Bruna Irineu] [música de fundo começa]
A partir desse momento eu começo a ter dificuldades na escola.

Passo a ter dificuldades em algumas disciplinas e em muitos momentos chorava na sala e nunca ninguém veio me perguntar por que eu estava chorando porque estava acontecendo. A escola ela me apontou um problema, colocou uma batata quente na minha mão, eu tive que dizer que não era lésbica porque senão a minha mãe ia ser convidada a ir para a escola. E aquilo gerou um milhão de sentimentos que a escola também não conseguiu desenvolver. Isso foi determinante para a minha vida adulta porque eu entendi que eu precisava trabalhar com esse tema.

[música de fundo]

[Tatiana Klix]
Se a escola pode causar sofrimentos, como aconteceu com a Bruna Irineu, também pode – e deve – influenciar positivamente trajetórias.

[Alexsandro Santos]
Eu participava de um grupo religioso no qual o domínio da escrita era muito valorizado, o domínio da leitura e da escrita e isso conta na escola. E a experiência dos meus primeiros anos de escolarização foi muito positiva

Estudei numa escola muito pequena, com poucos professores, muita proximidade entre os professores e as famílias, então isso também ajudou a proteger digamos assim a minha trajetória de efeitos mais pesados do racismo e da homofobia.

[música de fundo]

[Alexsandro Santos]
Eu acho que na minha trajetória o racismo estrutural e a homofobia – porque eu sou um homem negro e gay – participaram bastante digamos assim de momentos difíceis.

Mas, é preciso dizer que quando comparados a colegas, meus crianças da mesma idade comigo na escola, por exemplo, o impacto que o racismo estrutural teve na minha vida e que a homofobia teve na minha vida ainda foi pequeno

Infelizmente no meu caso também se trata de um sujeito que contraria as estatísticas.

Estatisticamente não era para ter chegado ao doutorado

Estatisticamente não era para eu ocupar uma posição de liderança no setor público. Estatisticamente talvez não era para eu estar vivo porque esses marcadores sociais de opressão eles ceifam vidas negras muito cedo.

Homens negros que como eu nasci em territórios periféricos nascer aqui na periferia de São Paulo morreu muito cedo. O racismo mata a homofobia Mata, então eu estar vivo aos quarenta e dois de certa forma contrariam por mais estatísticas do meu tempo da minha geração.

[música de fundo]

[Tatiana Klix]
O Futuro se Equilibra é uma produção do Porvir e conta com o apoio do Instituto Unibanco.

Quem editou e captou as entrevistas foi o Gabriel Reis, que junto das produtoras Larissa Werneck e Gabriela Cunha tocam a podmix. O roteiro é meu e do Ruam Oliveira.

No próximo episódio vamos falar sobre pobreza menstrual e como esse problema, que afeta muitas meninas no Brasil, impacta na rotina escolar delas.

Compartilhe esse episódio com colegas. É assim que conseguimos alcançar mais gente!

Eu sou Tatiana Klix, diretora do Porvir. Muito obrigada pela escuta!

[Música de Fundo]
[fim do episódio]


TAGS

equidade, podcast

Cadastre-se para receber notificações
Tipo de notificação
guest

0 Comentários
Comentários dentro do conteúdo
Ver todos comentários
0
É a sua vez de comentar!x