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Piquenique afetivo apresenta novos sabores para adolescentes com deficiência

Professora de educação especial em São Gonçalo do Amarante (RN) cria atividades sobre alimentação saudável e realiza encontro no Parque das Dunas para fortalecer os laços entre mães e jovens da escola

por Sandra Cristina da Silva Cassiano ilustração relógio 15 de novembro de 2023

Todos nós precisamos resgatar a sensibilidade humana. E essa tarefa passa, principalmente, pelos educadores. Devemos sempre exercitar a empatia, o diálogo e a cooperação. No nosso dia a dia, temos de intervir e estimular o bem-estar por meio de situações práticas, envolvendo alunos e toda a equipe escolar em pequenas ações e grandes gestos.

Os alunos do AEE (Atendimento Educacional Especializado), em especial os com TEA (Transtorno do Espectro Autista), costumam ter interesse apenas por tipos específicos de alimentos. Isso restringe a dieta e, muitas vezes, compromete sua nutrição. Fiquei pensando em um projeto que reunisse as famílias dos estudantes para falar dos benefícios da boa alimentação e, também, em uma maneira de estimular a introdução de novos alimentos, de forma acolhedora e marcante para todos.

Assim nasceu o “Piquenique Afetivo”, projeto realizado de maneira interdisciplinar com os estudantes da educação especial do 1º ano B da Escola Estadual Padre José Maria Biezinger, localizada em São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte. A turma conta com 31 alunos, sendo três autistas e uma aluna com deficiência intelectual – com eles, atuo por meio de intervenções pedagógicas. 

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Eu me inspirei nas mães dos alunos autistas para elaborar as atividades. Elas sempre comentavam comigo sobre a seletividade alimentar dos filhos. Um deles só comia cuscuz nas três refeições; outro, só aceitava determinado biscoito. Sabemos que essa característica não é exclusiva de autistas, mas introduzir novos alimentos na rotina dessas crianças é algo que precisa ser feito com muita cautela, respeitando seus limites. 

Decidi que o piquenique seria acompanhado de uma roda de conversa sobre alimentação saudável. Mas antes do passeio, por quase seis meses, fizemos atividades preparatórias na sala de atividades da educação especial, por meio de jogos, brincadeiras e músicas, de acordo com o ritmo dos alunos. Além da minha turma de AEE, as atividades foram realizadas com todos os alunos da educação especial da escola, ao todo 20 jovens, com apoio e colaboração dos demais professores.

Começamos com atividades relacionadas ao acolhimento. Na dinâmica “Fale bem pelas costas”, em círculo, enaltecemos as qualidades dos colegas e exercitamos o poder das palavras positivas ao nos referirmos às pessoas, mesmo quando elas não estiverem conosco. No “Bingo dos elogios”, tiramos as palavras gentis e positivas do pote para que passem a ser utilizadas de maneira natural. Já a atividade com a “Luva dos cinco desejos” se baseia na pedagogia da Seicho-No-Ie, chamada também de “educação da vida”. Fazemos o contorno da nossa mão e, em cada dedo, escrevemos os cinco desejos fundamentais do ser humano (ser livre, ser útil, ser reconhecido, ser amado e ser elogiado). É uma atividade que pode ser levada para reuniões com os pais e com toda a equipe escolar.

Clique na foto para ver a galeria de imagens:

Essas atividades são inspiradas na dinâmica do Caderno de Elogios, que já contei aqui no Porvir em 2017.

➡️ Saiba mais: 7 etapas para criar um caderno de elogios para os seus alunos

Em outro momento, partimos para as propostas relacionadas à alimentação. Montamos um quebra-cabeça de papel para representar como deve ser um prato saudável. Dividido em quatro partes, esse prato segue as orientações dos nutricionistas: metade deve ser destinada para verduras e legumes. As outras duas partes se dividem entre carboidratos e proteínas (animais ou vegetais). Também falamos sobre os nutrientes dos alimentos. 

Com uma cartolina, criamos um fanzine, com o nome dos alimentos prediletos e fotos das famílias dos alunos. Afinal, a proposta é a de um “Piquenique afetivo”, e essas imagens afetuosas acabam sendo bastante inspiradoras. No “Correio da amizade” os quatro alunos da minha turma de educação especial convidaram seu melhor amigo de sala para participar da aula de campo, solicitando a permissão aos responsáveis. E, por fim, fizemos o “Bolo da convivência”, conversando sobre quais regras não poderiam faltar para que o piquenique fosse o mais harmonioso possível, e escolhemos que os ingredientes seriam respeito, carinho, cuidado e atenção. 

O grande desafio foi selecionar quais seriam os lanches para o piquenique. O caminho que resolvemos seguir foi pedir que os alunos trouxessem suas frutas prediletas para o nosso encontro.

Com tudo organizado e com presença de 18 dos 20 alunos da educação especial da escola, ocupamos os 45 lugares de um ônibus e partimos para o nosso “Piquenique afetivo”, durante uma manhã no Parque das Dunas. O local é reconhecido pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) como parte da reserva da biosfera da Mata Atlântica brasileira, o Parque das Dunas é considerado o maior parque urbano sobre dunas do Brasil, com muita história e diversidade. Ele também é conhecido como Bosque dos Namorados.

Lá chegando, montamos uma mesa e organizamos uma dinâmica com vendas nos olhos para identificar as frutas (se eram doces, amargas, azedas ou cítricas) e também as reconhecemos pelo tato, para depois saboreá-las. Alguns, a princípio, não queriam provar a fruta levada pelos colegas, mas tivemos o cuidado de descascar e oferecer para que provassem. Foi uma maneira de tanto os alunos quanto às famílias, começassem de alguma maneira a se aproximar de outras frutas que não costumavam estar no dia a dia dos estudantes. 

Também fizemos uma roda com o professor de educação física, que conversou conosco sobre sedentarismo, obesidade e a importância de fazermos exercícios físicos. A escola ofereceu bolo e suco de goiaba e acerola para todos os convidados. Brincamos de bambolê, cantigas de roda e bolinhas de sabão, fizemos exercícios de alongamento e respiração, e finalizamos o passeio com uma visita ao museu.

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Resultados atingidos com o piquenique afetivo

O passeio foi muito gostoso. Além de partilhar alimentos, os alunos e suas famílias quiseram retribuir e ofertar amor, ampliando os vínculos de amizade. Fortalecemos a rede de apoio das mães atípicas, com alguns momentos prazerosos de diversão e troca entre todos. Fizemos um grande mural com os resultados para exibir na escola e, recentemente, participamos da Semana da Diversidade e Inclusão.

Sabemos que valorizar a potencialidade dos estudantes, resgatar seus sonhos, elevar autoestima, fortalecer os vínculos interpessoais de crianças e adolescentes com deficiência ou mobilidade reduzida são formas de ensinar e aprender com as propostas voltadas à educação socioemocional. Isso possibilita inúmeros resultados.

A mãe de uma das alunas deixou um bilhete para a direção da escola, agradecendo a acolhida. “O passeio foi maravilhoso, um momento ímpar estar com outras mães para conversar e interagir com pessoas que vivem 1/4 do seu dia com minha filha. Eu me sinto segura em saber que minha filha está na companhia de vocês. Conheci algumas amigas da minha filha e vi como esse convívio é saudável e necessário”.

Aquele aluno que só comia cuscuz, que citei no começo desse texto, começou a trazer maçã para o lanche da escola. Aos poucos, vemos que esse trabalho envolve o compromisso da escola e da família. Com o incentivo do “Piquenique afetivo”, os responsáveis começaram a oferecer mais variedade, mesmo ouvindo não como resposta.

Precisamos aproveitar momentos ao ar livre, conviver com mais pessoas, ampliar nossos conhecimentos e fazer com que todos se sintam pertencentes a um grupo para ouvir e ser ouvido. Essa foi uma das propostas da iniciativa.

Nunca é demais lembrar: todos nós somos dotados de capacidade infinita. Por isso, precisamos enaltecer as qualidades e virtudes de nossos estudantes com e sem deficiência, possibilitando, assim, que de fato aconteça a educação integral.


Sandra Cristina da Silva Cassiano

Pedagoga com experiência em psicopedagogia clínica e psicopedagogia institucional, Sandra Cristina da Silva Cassiano foi professora no Centro de Educação Integrada de Maracajaú, em Maxaranguape (RN), onde começou a aplicação do projeto “Caderno de elogios”, no qual os estudantes podem deixar recados positivos para colegas, professores e funcionários da escola. Atualmente, divide sua rotina entre as aulas como professora de educação especial na Escola Estadual Padre José Maria Biezinger (em São Gonçalo do Amarante) e no Colégio Pinheiros (em Natal).

TAGS

educação inclusiva, ensino médio, Finalista Prêmio Professor Porvir, Prêmio Professor Porvir, socioemocionais

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