Por que (e para quê) tantas metodologias - PORVIR
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Inovações em Educação

Por que (e para quê) tantas metodologias

Existe uma pressão cada vez maior sobre o professor para que seus alunos obtenham bons resultados quantitativos. E isso influencia diretamente na maneira de ensinar

por Gustavo Pugliese ilustração relógio 5 de novembro de 2018

Design thinking, ensino híbrido, sala de aula invertida, metodologias STEM, maker, aprendizagem baseada em projetos…

Se você acompanha portais de educação como o Porvir e frequenta congressos e seminários de educação, com certeza notou que muito recentemente essas metodologias se tornaram a bola da vez. Se ainda não conhece ou meramente ouviu falar, recomendamos que conheça algumas delas nesta matéria sobre ensino híbrido e nesta matéria sobre o design thinking. Parte dessas tendências e modelos já existem há algum tempo, porém se popularizaram mais recentemente. Como não poderia ser diferente, as teorizações e definições em torno das metodologias ainda estão em disputa.

Em resumo, essas metodologias ativas, como são conhecidas, trazem inúmeras vantagens nos processos de ensino e aprendizagem, como a autonomia e o protagonismo do aluno, flexibilidade, personalização do ensino, engajamento, aprofundamento e ampliação na abordagem de conceitos, possibilidade de transdisciplinaridade, otimização do tempo disponível, possibilidade de debates, colaboração, trabalho em grupo… A lista de vantagens é grande.

De fato, todas são interessantes e vêm remexendo com o comodismo de muitos educadores e com o modelo do aluno pen-drive (Educação Bancária, diria Paulo Freire). Mas por que se popularizaram assim em tão pouco tempo?

A construção de uma tendência

Ao percebermos que na atualidade existe uma pressão cada vez maior sobre o professor para que, nos processos de ensino e aprendizagem, ele obtenha bons resultados (na maioria quantitativos) com seus alunos, é natural compreendermos por que a busca por receitas de sucesso é cada vez mais evidente. Afinal, a acusação de que a educação é falha recai, em grande parte, nos professores. Com isso, surgem constantemente metodologias que se proponham a dar conta dessa demanda por resultados de sucesso.

Não é por acaso também que as novas metodologias sejam constantemente disputados pelos educadores. Há uma maior capitalização do ensino, ou seja, empresas que outrora se ocupavam de outros serviços (ou nem existiam) passaram a concorrer pelo mercado educacional. Isso envolve, obviamente, o desenvolvimento de produtos inovadores e rentáveis que essas empresas possam oferecer. Dessa forma, ao mesmo tempo em que há uma busca por transformar protocolos e inovações em produtos, há ações para torná-los difundidos, indispensáveis e consumíveis pelas escolas. No setor privado, as chamadas “novas metodologias de ensino” são o selo do vanguardismo. No setor público, são a resposta para as dificuldades de inovar.

As metodologias ativas vêm a calhar justamente quando há um sentimento constante de crise na educação (1), nos modelos pedagógicos existentes e na escola convencional (especialmente a escola pública). Sem julgarmos o mérito dessa noção de crise, nesse contexto, fazer diferente do que está sendo feito e buscar um melhor desempenho dos professores e alunos é mandatório.

É aí que os ditadores de tendência se beneficiam ao ter o poder de impor o que é válido e o que não é válido como prática educacional (2). De acordo com Katya Braghini (2017),

Tem-se a impressão de que é prestigioso estar cercado por todas essas marcas e modelos que, para além da esfera educacional, separam pessoas e posições sociais. Portanto, abre-se mão de tradicionais manejos intelectuais, sensoriais, vivenciais em nome de um currículo prescrito na forma de tutoriais. (…) Ficam outras questões: quem disse que todas as pessoas podem ter acesso a tudo isso? Na agenda pública quanto se paga por esse currículo cartelizado que transformou sistemas informatizados, com marcas e modelos, em imperativos educacionais? (…) Quem não alcançar esse formato escolar será desqualificado? O entretenimento escolarizado, vinculado ao interesse e a atenção dos alunos, só tem por intenção tornar a escola menos chata? Formadores e educadores estão realmente certos disso?

(BRAGHINI, Katia. Ensino híbrido ou ensino franqueado? Jornal Pensar a Educação em Pauta. 16 de Ago. de 2017)

Da mesma forma, cria-se um terreno para os discursos salvadores: “Ensino híbrido é o único jeito de transformar a educação”. Ou, “É preciso implementar metodologias ativas para que os alunos desenvolvam as competências do séc. XXI”, “A escola que não adotar metodologias ativas não sobreviverá”…

Entretanto, os educadores mais antenados e aqueles que acompanham as transformações do ensino há certo tempo já perceberam que parte dos educadores e instituições e ensino que se apropriam dessas metodologias o fazem por uma questão de marketing. Haja visto os nomes impactantes e quase sempre em inglês, importadas do hemisfério norte. Mesmo com toda as vantagens que trazem nos seus princípios, elas acabam por ter pouco ou nenhum impacto em um contexto de sala de aula no qual as práticas pedagógicas ainda são ultrapassadas, engessadas ou até mesmo inexistentes. Nesse caso, por mais inovadora que seja uma determinada metodologia, ela não consegue ressignificar práticas docentes hierarquizadas e centradas no professor, tampouco estimular o docente a repensar os processos de ensino e aprendizagem. O discurso, portanto, é bem elaborado e voltado para uma educação transformadora, mas faltam as bases necessárias para uma boa implementação e o modelo tradicional acaba sempre prevalecendo.

Além disso, em alguns casos, as metodologias não são de fato novas e revolucionárias, pois existem há certo tempo em outras propostas pedagógicas. E aí temos que nos preocupar com a seguinte questão: será que não estamos ignorando as inúmeras conquistas e propostas que educadores têm trazido nas últimas décadas, em troca de uma corrida pelo vanguardismo? Ou ainda, será que não é feita uma adoção acrítica de metodologias por puro modismo?

A metodologia inovadora por si só é muito pouco

Os problemas começam quando, por exemplo, por falta de consistência nas práticas pedagógicas, as metodologias ativas se tornam tão expositivas e tradicionais quanto o que já existe: o aluno assiste vídeos e tutoriais passivamente e depois “é avaliado” se aprendeu na sala de aula. Ou, quando os alunos são levados a seguir protocolos rígidos para resolver tarefas que partiram do professor e não deles próprios, e que continuam nada transdisciplinares. A crença é de que incorporar modernidades e novidades, automaticamente transforma a escola em um ambiente de excelência para o ensino e a aprendizagem, quando na verdade, sabemos que as inovações muitas vezes são bem ultrapassadas ou inadequadas pedagogicamente.

Ainda mais crítico é quando a escola adota as novas metodologias não como propostas pedagógicas consistentes, mas como receitas prontas de sucesso, no melhor do estilo fast-food. Ao fazer  isso, ela abre margem para que a sala de aula conte com professores menos qualificados e com uma atuação coadjuvante, para simplesmente avaliar a aprendizagem do aluno. Nesse caso, a importância do professor atuante e reflexivo é cada vez mais diminuída, assim como a importância do planejamento de aula. Automatiza-se o processo de ensino e atribui-se o papel de aprender única e exclusivamente ao aluno. Afinal, todas as ferramentas foram disponibilizadas a ele. A impressão que fica é que basta a escola se equipar e todos seguirem o método escolhido para que a educação avance. Mais ou menos como acontecia com o método científico há até algumas décadas atrás: se executado à risca, os resultados eram indiscutíveis. Algo que hoje é visto de uma maneira bem diferente a partir dos estudos da sociologia da ciência (3).

Por isso, é preciso levar em conta não apenas o que determinada inovação promete, mas também em que medida elas se encaixam em cada realidade escolar. Qual é o tipo de escola e de currículo para os quais elas foram pensadas? Não é incomum que essas propostas venham acompanhadas de certificados do MIT ou de Stanford e de pesquisas que comprovam isso ou aquilo. Não há nenhum problema nessas pesquisas e nesses selos, pelo contrário, são inclusive necessários. Entretanto, é importante atentar-se para uma questão: o que uma pesquisa sobre cognição e sinapses neuronais do MIT sabe sobre as questões que envolvem a minha ou a sua escola no Brasil? O que elas dizem sobre as condições familiares ou sobre a cultura estudantil de um local específico? O que elas dizem sobre as motivações, dilemas, dramas ou medos dos alunos  que vivem em situação de risco, instabilidade familiar, bullying entre outros inúmeros problemas do dia a dia dos estudantes?

As pesquisas e os resultados estão corretos, aqui não se questiona isso. Entretanto, algumas interpretações sobre qual é a solução para o desinteresse dos alunos pelas aulas, ou de que modo as crianças aprendem “mais” são demasiadamente simplistas, quando não, equivocadas. Todos sabemos que a metodologia empregada nas aulas é apenas parte do problema. Que o currículo desatualizado é apenas outra parte. E que a formação dos professores é outra. Entretanto, há educadores que vêem determinadas inovações como a solução para todos os problemas, como se eles fossem tão simples de serem resolvidos. No fundo, sabemos que é um importante passo em direção à mudança, mas não a solução para a educação.

Referências 

(1) Sobre esse tema, recomendo a leitura de: MACEDO, Elizabeth. A noção de crise e a legitimação de discursos curriculares. Currículo sem Fronteiras, Pelotas, v. 13, n. 3, p. 436-450, set./dez. 2013.
(2) Por ditadores de tendência é possível compreender não somente empresas que oferecem serviços educacionais, mas também organizações complexas, como o MEC, o Banco Mundial, a OCDE, institutos e ONGs, indivíduos com alto poder de influência no setor educacional, congressos, grupos de pesquisa e universidades. Ou seja, todos aqueles atores não-neutros que constantemente disputam espaço e liderança nos temas educacionais.
(3) Sobre esse tema, recomendo a leitura de: BORGES, A. Tarciso. Novos rumos para o laboratório escolar de ciências. In: Caderno Brasileiro de Ensino de Física. – dezembro de 2002. – 3 : Vol. 19. – pp. 291-313.

Para saber mais sobre metodologias ativas

HORN, Michael B. Blended: Using Disruptive Innovation to Improve Schools. San Francisco, CA: Jossey-Bass, 2015. 336p.
BACICH, L.; TANZI NETO, A.; TREVISANI, F. de M. (Orgs.) Ensino Híbrido: Personalização e Tecnologia na Educação. Porto Alegre: Penso, 2015. 270p.
INSTITUTO EDUCADIGITAL. Design thinking para educadores. 2014. 90 p. Disponível em: https://designthinkingforeducators.com/DT_Livro_COMPLETO_001a090.pdf. Acesso em: 26 jun. 2018.


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aprendizagem baseada em projetos, competências para o século 21, educação infantil, educação online, ensino fundamental, ensino híbrido, ensino médio, ensino superior, formação continuada, personalização, tecnologia

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