Professora atende demanda dos alunos e usa vídeo para trabalhar gentileza
Aproveitando o gosto dos estudantes pelo YouTube, professora propõe criação de vídeos para melhorar a interação e colaboração na sala de aula
por Cristina Gottardi Van Opstal Nascimento 20 de julho de 2016
Eu sou professora de uma turma de quinto ano do ensino fundamental. Logo no começo do ano, eu percebi que os alunos tinham pouca empatia um com o outro. Tinha muita fofoca, muita picuinha, eles ficavam prestando mais atenção no que o outro estava fazendo pra depois contar para mim. Não era aquela coisa comum da idade, era um pouco fora do “normal”. Eu ficava preocupada e isso me incomodava.
Juntando isso a uma formação que eu estava fazendo sobre letramento digital, comecei a pensar em como as crianças poderiam vivenciar atos éticos e gentis e refletir sobre o impacto disso na interação humana. Então, fiz uma sondagem que mostrou que os alunos gostam muito de YouTube. Em aulas como ciências e história, eu uso muitos vídeos para ensinar, e eles falam “tia, que delícia que é aprender com vídeos”. A partir disso, vislumbrei o quanto a experiência de produzirem um vídeo, num processo cooperativo, contribuiria para estabelecerem uma convivência mais empática e ainda traria novos sentidos às suas leituras digitais.
Mas, antes, foi preciso trabalhar na ampliação de repertório dos alunos, sob o aspecto temático e o estrutural do gênero. Eu levei para a sala o vídeo Cuerdas, que é uma animação premiada, o filme Correntes do Bem e um outro vídeo chamado Vírus da Gentileza, que traz a ideia de que a gentileza contagia. Nós discutimos qual é a ideia de ser gentil e apareceram questões interessantes. Um dos alunos falou assim: a diferença entre educação e gentileza é que a gentileza é um pouco a mais que a educação; você falar “obrigado” e “por favor” é uma coisa de educação, mas se você for gentil, você vai um pouco além”.
Só depois de tudo isso eu lancei a proposta de criarmos um vídeo que abordasse atos gentis na escola, já que eu queria que eles começassem a repensar as atitudes deles nesse ambiente. O primeiro trabalho foi com os desenhos dos alunos. A princípio, a ideia era usar imagens da internet juntamente com os desenhos. Nós fizemos um levantamento de ideias de que cenas poderiam mostrar esses atos e fomos fazer a pesquisa no laboratório.
Nesse momento eu achei legal falar sobre direitos autorais e ética. Eu apresentei o Creative Commons (um tipo de licença que permite a cópia/compartilhamento de conteúdo com menos restrição), mas quando nós usamos o filtro para pesquisar as imagens, não apareceu quase nada. Aproveitei isso para problematizar a questão, perguntando pros alunos o que a gente ia fazer. A maioria da classe falou “vamos usar mesmo assim”, mas um aluno ou outro levantou a questão do direito autoral. Uma menina até falou: “Ah tia, mas é pra fazer uma coisa boa. Será que tem problema? A gente não vai vender e não vai ganhar dinheiro com isso”. Em seguida, o colega argumentou que “não importa ganhar dinheiro, mas ser ético”.
Depois que a turma entrou no consenso de não usar as imagens, eles se propuseram a fazer novos desenhos, tudo em grupo. No novo levantamento, eles deram várias ideias, como: “o motivo para não correr no corredor não é apenas para respeitar uma norma da diretoria, e sim porque alguma criança pequena pode passar”; na biblioteca,os mais altos podem ajudar os mais baixinhos; e o mais básico, que eu estava mais esperando foi “quando um amigo estiver falando, o outro espera ele terminar pra depois a gente falar”. Isso é uma coisa que eles não conseguiam fazer. Eles se atropelavam, ninguém levantava a mão e iam falando um em cima do outro. No próprio trabalho em grupo eles já foram exercitando.
Depois dessa primeira etapa, eles já tinham iniciado um processo de conscientização, de transformação. Fora do projeto do vídeo eu já percebia que eles estavam mais tranquilos. Aí eles que vieram com uma nova proposta: “Tia, não dá pra gente fazer um vídeo com a gente atuando?”. E eu dei esse voto de confiança. De novo, eles se reuniram em grupos para criar os roteiros. O meu trabalho foi só de mediar a decisão de quem seriam os atores e de quem iria filmar. Nós fizemos dois ensaios e depois já filmamos. O que fiquei muito feliz é que eles estavam muito concentrados no que tinham que fazer. Fiquei do lado olhando, só curtindo.
Apesar do projeto ter sido bem sucedido, nós tivemos problemas com a internet da rede de Santos e com os computadores da escola. Primeiro que a versão do Linux dos computadores não suporta a última versão do navegador Google Chrome. A prefeitura já está com um plano para atualizar os computadores de todas as escolas, mas eu não sei quando isso vai acontecer. As coisas na informática evoluem muito rápido, e a prefeitura não acompanhou esse avanço.
A burocracia também atrapalha. Nós, professores, ou mesmo o pessoal do laboratório de informática, não podemos instalar nenhum aplicativo nas máquinas; para isso é preciso abrir um chamado. Então, para editar os vídeos, eu escolhi Stupeflix, um site que não requer download de nada no computador. Mas a internet da rede, que é lenta, não permitiu o uso. Então, eu usei o 3G do meu celular acoplado no meu notebook e assim nós editamos. Os alunos mais antenados deram ideias pra gente conseguir usar, porque tanto eu quanto eles estávamos ficando frustrados com a situação.
Mas o projeto deu certo. Três mães de alunos vieram me agradecer quando eu mostrei os vídeos na reunião de pais. Uma delas falou “ainda bem que alguém trabalhou isso”. Hoje os alunos estão muito bem. É um trabalho em grupo? Eles já se organizam, já sabem quem vai fazer o que, já sabem o melhor de cada um. Eles perceberam que, se nós focarmos naquilo que cada um tem de bom, o resultado é muito melhor. É claro que existem conflitos, mas eles conseguem resolver entre eles.
Cristina Gottardi Van Opstal Nascimento
Licenciada em Língua Portuguesa e Mestre em Semiótica e Linguística Geral pela USP. Professora de Ensino Fundamental I na rede pública municipal de Santos e docente em cursos de graduação e pós-graduação na Universidade Santa Cecília (Unisanta) também em Santos. Atuou por mais de 10 anos na formação continuada de professores municipais.