‘Professores não podem ser únicos responsáveis por lidar com os vieses de IA’
Em evento da Unesco, Antonia Wullf, representante da federação mundial dos sindicatos de professores, reforça a necessidade de envolver professores no desenvolvimento de ferramentas digitais, investir em programas de formação e olhar para equidade
por Vinícius de Oliveira 11 de setembro de 2023
O discurso de que velocidade da transformação digital em nossas sociedades está acelerando provavelmente já foi dito em outros eventos de educação. Durante a Digital Learning Week (Semana de Aprendizagem Digital), evento realizado entre 4 e 7 de setembro em Paris, na França, a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) reforçou a necessidade de se olhar com cuidado para a “sociedade da plataforma” – contexto no qual a produção econômica, serviços públicos e privados, interações sociais e criação cultural estão sendo cada vez mais reorganizados em torno de plataformas digitais.
A onipresença dessas plataformas é ainda mais reforçada pela rápida evolução da inteligência artificial (IA). No painel dedicado à apresentação de uma matriz de competências para professores e estudantes, Antonia Wullf, coordenadora na Education International, a federação mundial dos sindicatos de professores trouxe questionamentos sobre o processo de adoção de tais recursos em escolas.
Ao avaliar o papel da inteligência artificial na educação, ela criticou toda a promoção que tem sido feita em torno deste tipo de tecnologia, principalmente como solução para problemas de equidade, inclusão e qualidade da educação. Em seu entendimento, os problemas que empresas ou produtos de inteligência artificial buscam resolver precisam ser delimitados por educadores, que costumeiramente são deixados de lado neste tipo de discussão.
Como garantimos que a educação seja vista fundamentalmente como uma atividade humana, baseada na interação entre aluno e professor?
Antonia Wullf, coordenadora na Education International
Outro ponto trazido por Antonia está ligado à autonomia do professor diante da popularização de tais ferramentas em escolas e universidades. “Como podemos chegar a uma situação em que os professores não sejam apenas capacitados, mas também credenciados a decidir como as ferramentas são utilizadas em nossas salas de aula? Como garantimos que a educação seja vista fundamentalmente como uma atividade humana, baseada na interação entre aluno e professor?”.
As perguntas direcionadas à plateia traziam o recado de que a educação não pode ser resumida a uma mera geração de dados, o que, na opinião dela, seria uma simplificação grosseira de tudo o que acontece ao longo da trajetória escolar. “O que ouvimos de nossos integrantes durante a pandemia foi que, sim, o conteúdo cognitivo pode ser trabalhado online, mas é difícil abordar valores e todas as questões não-cognitivas pela internet. Portanto, isso (sistema baseado em inteligência artificial) representa um grande desafio para nós e como podemos apoiar uma educação de qualidade”.
Entre outros riscos, Antonia considera que os novos tipos de inteligência artificial podem priorizar matérias facilmente quantificáveis, deixando de lado disciplinas que focam em valores como empatia. Apesar de reconhecer que diferentes países estão com o orçamento sob pressão e que seja tentador adotar IA como forma de reduzir custos, a especialista diz que governos podem não enxergar o outro lado, a necessidade urgente de programas de formação. “O que percebemos é que, ao introduzir questões éticas e de valores na discussão, a necessidade de professores capacitados e qualificados se torna ainda mais evidente. Se você buscava um argumento para enfatizar a importância das qualificações e do apoio à equipe educacional, aqui está ele”.
Para tirar propostas como a matriz curricular sugerida pela Unesco do papel, Antonia pondera que a sociedade deve adotar outra narrativa em relação a educadores. “Frequentemente, nos deparamos com histórias do professor heroico, aquele que, apesar dos baixos salários e das condições de trabalho desfavoráveis, faz milagres em sua sala de aula. Não é sustentável ter uma equipe tão sobrecarregada, mal financiada e exausta”.
O que percebemos é que, ao introduzir questões éticas e de valores na discussão, a necessidade de professores capacitados e qualificados se torna ainda mais evidente.
Antonia Wullf, coordenadora da Education International
Outro aspecto muito presente em discussões sobre inteligência artificial, a privacidade de estudantes, também foi tema da fala de Antonia, que considera que “professores não deveriam carregar sozinhos a responsabilidade de proteger os dados e a privacidade dos alunos ou de lidar com os vieses nas ferramentas de IA. Essas responsabilidades devem ser compartilhadas entre todos os envolvidos”.
Ao final de sua fala, a representante da Education International conclamou tomadores de decisão que têm a missão de desenhar sistemas educacionais a colocar a equidade e a inclusão no centro de sua atuação. Antonia considera que nesse processo de adoção de ferramentas baseadas em inteligência artificial os esforços devem ser direcionados aos que frequentemente são esquecidos pela tecnologia.
“Imagine um cenário onde estudantes de comunidades indígenas estejam no epicentro de nossas inovações. Ao moldarmos estas ferramentas avançadas, podemos ampliar as vozes dos estudantes que enfrentam barreiras linguísticas, que possuem deficiências ou que são relegados a um segundo plano em salas de design distantes. Precisamos tornar a educação verdadeiramente inclusiva”, concluiu.