Como falar sobre sentimentos e acolher os estudantes na volta às aulas - PORVIR
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Coronavírus

Como falar sobre sentimentos e acolher os estudantes na volta às aulas

Educadoras e especialistas em socioemocionais dão dicas para o primeiro dia de aula e indicam práticas pedagógicas que transmitem mais segurança em um período de incertezas

por Marina Lopes ilustração relógio 29 de janeiro de 2021

Mudaram as estações, mas de fato pouca coisa mudou. Com alto índice de transmissão da Covid-19, nas próximas semanas escolas de todo o país devem retomar suas atividades em um cenário que ainda permanece desafiador, tanto para quem vai dar seus primeiros passos em um modelo híbrido quanto para quem permanece no ensino remoto. Mesmo diante de realidades diferentes, uma dúvida permanece a mesma: como acolher os estudantes na volta às aulas após um ano marcado por dificuldades, ansiedade, cansaço, perdas e lutos?

Para trazer dicas de como receber as crianças e adolescentes no primeiro dia de aula e desenvolver um trabalho contínuo sobre emoções e sentimentos ao longo do ano, o Porvir conversou com educadoras e especialistas em desenvolvimento socioemocional. De acordo com elas, as estratégias podem variar conforme o contexto local, faixa etária e realidade da escola, mas alguns pilares são fundamentais para esse momento, como a escuta atenta, a construção de um ambiente seguro, o estabelecimento de uma rotina e a criação de pactos coletivos.

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Antes mesmo de planejar práticas de acolhimento direcionadas aos estudantes, especialistas destacam a importância de promover a escuta e o diálogo entre os próprios educadores, oferecendo um espaço para que eles compartilhem suas questões. “Ninguém dá o que não tem. A escola precisa estar preparada para acolher não apenas os alunos, mas toda a equipe, conhecendo seus percursos nestes tempos de isolamento, sendo solidários às suas perdas, validando suas lutas e acolhendo e encaminhando suas preocupações”, afirma Mariana Breim, diretora da plataforma Vivescer e de desenvolvimento integral do Instituto Península.

Ao construir esse ambiente, a escola reafirma o seu papel como um porto seguro diante de um momento em que estudantes e professores precisam lidar com tantas incertezas externas provocadas pela pandemia. A partir da escuta e do diálogo, conforme destaca Mariana, são criadas condições para que os educadores encontrem práticas que podem responder às necessidades da sua turma.

Desenvolvimento de competências socioemocionais
Por mais que neste momento a aprendizagem cognitiva seja uma preocupação real dos educadores, já que a pandemia teve impactos significativos para estudantes de todo país, o desenvolvimento socioemocional também é um ponto central a ser trabalhado. “As pesquisas têm mostrado que alunos aprendem mais e melhor em um ambiente de segurança emocional, que se constrói através da criação de vínculos e do estabelecimento de relações de confiança”, aponta.

“O desenvolvimento socioemocional é fundamental para repensar essa educação, que passou por um chacoalhão na pandemia”, diz Cynthia Sanches, especialista em educação do Instituto Ayrton Senna. Mais do que nunca, para repensar currículos, espaços e novas formas de organização, as escolas devem promover uma maior integração entre a aprendizagem e o desenvolvimento de competências.

Empatia, tolerância ao stress e à frustração, respeito, iniciativa social, organização e persistência são algumas das competências que se tornam cada vez mais importantes para o momento. “Quando bem desenvolvidas, de uma forma intencional e articuladas com os objetivos de aprendizagem, elas promovem o autoconhecimento e desenvolvem o estudante para lidar com desafios.”

Vínculos e relações de confiança
Além de estimular o desenvolvimento de competências socioemocinais ao longo do ano letivo, Tonia Casarin, mestre em educação pelo Teachers College, da Columbia University, e autora da coleção de livros “Tenho Monstros na Barriga”, indica que é fundamental fortalecer os vínculos e estabelecer uma relação confiança entre estudantes e educadores. Para isso, ela sugere que os professores tenham empatia e demonstrem aos alunos que eles entendem o que está acontecendo atualmente. “A capacidade do professor de se vulnerabilizar e falar um pouco de si também ajuda a criar esse senso de conexão”, complementa.

Na hora de promover rodas de conversa e estimular as tradicionais apresentações do primeiro dia de aula, diante de um contexto de pandemia, é bem possível que apareçam temas delicados, como perdas materiais e mortes. “Isso não é fácil para o professor, porque não falamos muito sobre as emoções, e o luto acaba sendo uma emoção muito forte. Principalmente neste momento, em que muitas vidas foram e estão sendo perdidas”, diz Tonia. No entanto, dentro das suas possibilidades, o educador pode se solidarizar, dizer que está tudo bem em sentir vontade de chorar ou desabafar e perguntar se existe alguma coisa que ele ou os colegas podem fazer para ajudar a criança ou adolescente a se sentir melhor.

Tonia também destaca o autocuidado e a rotina como estratégias importantes para ajudar a conter a ansiedade e passar segurança aos estudantes. “Incentivar o autocuidado traz um pouco do sentimento de controle e responsabilidade para eles”, destaca. Dentro de um universo de dúvidas e expectativas, tanto em relação à chegada da vacina ou à retomada das aulas presenciais, práticas como cuidar do corpo, se alimentar, dormir bem e ter um rotina estabelecida são pequenas ações que podem aliviar as tensões. “Esse senso de controle ajuda a diminuir a ansiedade dos alunos.”

Estratégias para o retorno
A poucos dias da volta às aulas, a professora Sandra Cassiano, do Colégio Pinheiros Natal e da rede estadual de Natal (RN), já está planejando as estratégias de retorno. “Para a primeira semana, estamos pensando em incluir constantemente atividades lúdicas, incluindo momentos de escuta”, conta. Perguntas sobre como foi o período em casa, o que eles sentiram falta e o que estão achando do novo modelo também estão na lista de prioridades da educadora para esse período.

Apesar de reconhecer que não é possível deixar de lado as questões acadêmicas, ela diz que os professores precisam encontrar um tempo na rotina para também trabalhar histórias altruístas, valores, práticas de gratidão e palavras afirmativas. “As relações precisam ser prioridade. Sabemos que não vai mais ter a afetividade do toque, e isso é uma quebra muito grande, principalmente para a educação infantil e para os anos iniciais.”

As recomendações apresentadas pela professora Sandra também são reforçadas por quem já retomou as atividades. No Espaço Ekoa, escola de educação infantil localizada em São Paulo (SP), o olhar, os gestos e o tom de voz são alguns dos cuidados que estão sendo tomados pelos educadores para acolher as crianças. “Essas coisas podem parecer são pequenos detalhes, mas elas fazem toda diferença”, destaca Ana Paula Yazbek, sócia-diretora do Espaço Ekoa.

Ela afirma que no momento é muito importante fazer gestos zelosos, que possam transmitir segurança para as crianças e para as suas famílias. “É super importante mostrar para as famílias uma receptividade em relação às suas preocupações, tanto sobre os cuidados com a saúde, como também no estabelecimento de vínculos com as crianças.”

A partir das recomendações apresentadas por educadores e especialistas, listamos aqui algumas sugestões e práticas e materiais de referência para apoiar professores na volta às aulas. Confira:

Sugestões de práticas

– Bolo da Convivência
Para pactuar boas relações coletivas, tanto no ambiente virtual quanto no presencial, a dinâmica do bolo da convivência pode ser uma atividade interessante para realizar com os estudantes nos primeiros dias de aula. Em uma lousa ou um programa de computador com compartilhamento de tela, o professor pode começar a desenhar um bolo e pedir para os alunos listarem seus ingredientes. No caso, cada item pode ser uma prática de respeito e cidadania digital, como evitar brincadeiras ofensivas, prestar atenção durante as aulas, ligar as câmeras, entre outras.

– Elogios
Os elogios também são práticas recomendadas para o momento, principalmente para estabelecer vínculos quando as regras de biossegurança determinam o uso de máscaras e o distanciamento.

– Meditação
Momentos de meditação e conexão com a respiração são fundamentais para ajudar os estudantes na hora de se concentrar e lidar melhor com momentos de pressão e ansiedade.

– Rodas de conversa
Ter períodos em que as crianças podem se colocar e compartilhar com o grupo, de maneira virtual ou presencial, as suas emoções e sentimentos pode ser uma estratégia muito potente para o acolhimento.

– Check-in
Eventualmente ou uma vez por semana, o professor pode tentar se organizar para separar cinco minutos antes ou depois da aula para verificar como estão seus alunos de forma individual e se eles precisam conversar sobre alguma situação. Se colocar à disposição dos estudantes para ouví-los é uma prática que ajuda a transmitir segurança e a fortalecer a conexão com a turma.

– Comunidades virtuais
Com apoio de outros educadores, os professores podem criar grupos online para que os estudantes possam interagir com a sua turma e com colegas de outras classes. Essas comunidades também podem ser utilizadas para integração de alunos novos.

– Ações de gratidão
Ter momentos na rotina para os estudantes exercitarem a gratidão, criarem cartões, emails e mensagens para compartilhar com colegas, professores e familiares.

– Pesquisas de demandas e interesses
Utilizar pequenos formulários ou mensagens para saber o que está acontecendo com os estudantes e com as suas famílias, o que eles precisam e como está sendo a experiência com a escola.

– Vídeos pessoais
Para manter a proximidade e criar conexões, os educadores podem gravar vídeos pessoais com mensagens de incentivo para cada um dos seus alunos.

Materiais de apoio

Orientações de acolhimento para professores
Material produzido pelo Instituto Península traz caminhos e reflexões para o
acolhimento dos educadores na retomada das atividades presenciais de ensino.

Kit de livros Tenho Monstros na Barriga (1 e 2)
Escritos por Tonia Casarin, os dois livros ajudam crianças a reconhecerem e entenderem melhor suas emoções. Leitores do Porvir podem adquirir os livros com 25% de desconto com o cupom PORVIR .

Curso Competências Socioemocionais para Educadores
Em 12 módulos, o curso ministrado por Tonia Casarin mostra a importância de desenvolver habilidades socioemocionais, traz orientações para esse trabalho e apresenta exemplos práticos. A formação online também traz orientações específicas sobre Covid-19 e volta às aulas.

Competências socioemocionais para contextos de crise
Página organizada pelo Instituto Ayrton Senna reúne informações, estratégias e práticas para famílias e educadores desenvolverem habilidades socioemocionais durante a pandemia.

De volta à escola: estratégias para a acolhida pós-isolamento social
Publicação do Instituto Ayrton Senna apresenta cinco pontos de atenção que devem ser considerados na retomada das aulas e traz sugestões de atividades que podem ser desenvolvidas com os alunos.

Guia Gestão para Aprendizagem
Produzido pelo Instituto Ayrton Senna, o guia apresenta políticas educacionais e práticas pedagógicas eficientes para agilizar processos de ensino e recuperar defasagens de aprendizagem nos anos iniciais do ensino fundamental ocasionadas pela pandemia.


TAGS

aprendizagem baseada em projetos, competências para o século 21, educação infantil, ensino fundamental, ensino médio, socioemocionais, tecnologia

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