Professores são destaque em jornada de transformação digital na Estônia
Para se tornar referência na utilização de tecnologias na educação, país europeu tem como um dos seus pilares a formação e autonomia docente
por Danilo Mekari 9 de junho de 2022
A Estônia é um país pequeno e relativamente jovem. Possui pouco mais de 1,3 milhão de habitantes e, após longos períodos de ocupação alemã e soviética, foi declarada independente apenas em 1991. Hoje, pouco mais de três décadas depois, a Estônia é uma referência global em temas como sociedade digital e utilização de tecnologias na educação.
Para entender como isso aconteceu é preciso voltar para o final dos anos 90, quando o governo estoniano deu início ao projeto Tiger Leap (Salto do Tigre, em tradução livre). A iniciativa instalou computadores em todas as salas de aula do país. Isso significa que, já no início do novo milênio, todas as escolas do país estavam conectadas — inclusive nas áreas mais remotas. Mais de dois terços dos 227 municípios estonianos possuem em média três mil habitantes, o equivalente à população da cidade de Águas de São Pedro, no interior de São Paulo.
O projeto ainda disponibilizou treinamento gratuito em informática para a população adulta, e a porcentagem de estonianos que usam a internet saltou de 29% em 2000 para 91% em 2016.
Já o currículo escolar passou a oferecer, desde 1997, atividades para o desenvolvimento de habilidades em tecnologia, e os professores foram capacitados para dominar as novas ferramentas digitais. Em 2015, todos os materiais educacionais foram digitalizados e disponibilizados de forma gratuita.
Dessa forma, o cotidiano escolar passou a ser permeado por soluções digitais inteligentes: bancos de dados, livros didáticos online, materiais de educação a distância, diários de aula e avaliações digitais, aplicativos e programas variados. Atualmente, 100% das escolas estonianas usam soluções de ferramentas e plataformas digitais — muitas delas desenvolvidas por startups, empresas e universidades do país em conjunto com as instituições de ensino.
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Professor: autonomia e valorização
Em 2017, a Estônia investia 6% do PIB na educação – o mesmo percentual que o Brasil. Porém, naquele ano, enquanto o governo brasileiro investia anualmente R$ 6,6 mil por aluno do ensino básico, o estoniano aplicava o equivalente a R$ 28 mil.
Entretanto, para além do alto investimento, um dos principais ingredientes para o sucesso da educação no país báltico é o professor, que possui total autonomia no ensino. As diretrizes educacionais estão presentes no currículo, mas a sua aplicação fica, em grande parte, a critério de cada escola. Ou seja: metodologias e ambientes de sala de aula serão definidos de acordo com o plano dos professores.
“Confiamos em nossos professores para que façam essas escolhas”, afirma Aivar Hiio, do Ministério da Educação e Pesquisa da Estônia. “Muitos deles escolhem ensinar pois tem liberdade para fazer o que gostam e o que querem em sala de aula”, completa o gerente de projetos, que participou no dia 7 de junho do webinário “Como promover a tecnologia e inovação em escolas públicas?”, promovido pelo Estônia Hub com o apoio do CIEB (Centro de Inovação para a Educação Brasileira).
Outro fator de interesse é que, diferente de países como o Brasil – onde os profissionais da educação são selecionados através de concursos públicos –, os candidatos a diretores de escolas são entrevistados por um conselho formado por pais, professores e representantes do governo municipal, com a intenção de avaliar suas habilidades de educação e de gestão. Já para contratar um professor, a responsabilidade da entrevista cabe ao diretor.
Ainda, o trabalho docente vem sendo amplamente valorizado em termos salariais. A renda do professor estoniano subiu 80% nos últimos 10 anos e hoje é aproximadamente R$ 5.600 (ou 1.250 euros).
Aprendizagem ao Longo da Vida
Um dos pilares para o desenvolvimento do ensino na Estônia é o documento Lifelong Learning Strategy (Estratégia de Aprendizagem ao Longo da Vida, em tradução livre). O guia possui diretrizes e indicadores que buscam transformar a abordagem do ensino, entendendo-o como um processo contínuo e amplo que vai muito além do espaço escolar.
Um dos objetivos estratégicos versa justamente sobre o papel dos professores neste processo: de apoiar o caminho do estudante para que ele possa gerenciar seu próprio aprendizado, lidando com as mudanças em seu entorno de forma independente e assumindo a responsabilidade pelo seu próprio desenvolvimento e aprendizagem.
De acordo com Aivar Hiio, é preciso criar no estudante um sentido de propriedade sobre seu próprio caminho através de suas escolhas. “Não queremos apenas dar atividades extraclasse, mas que elas sejam escolhidas pelo aluno. Como ele aborda aquela tarefa? Como utiliza o trabalho em grupo? Para fazer isso, precisamos criar tecnologias que se sobreponham e consigam conversar umas com as outras, trocando dados sobre o que o aluno já fez para que ele possa atingir a próxima zona de desenvolvimento.”
O documento ainda prevê que os salários para docentes devem ser mais competitivos, estimulando que o trabalho como professor ou diretor seja altamente valorizado pela sociedade, como uma escolha atraente para os melhores dos melhores. “O objetivo é tornar a avaliação e remuneração de professores e dirigentes escolares proporcionais à sua qualificação profissional e à sua eficácia no desempenho do seu trabalho.