Projeto coletivo de escola para superar violência
Helena Singer, especialista em educação integral, comenta pesquisa da Apeoesp sobre conflitos na escola e aponta soluções
por Helena Singer 17 de maio de 2013
As coisas não andam bem para os professores. Só neste ano as manchetes relativas a esta categoria já ressaltaram a gigantesca proporção de adoecimentos entre os educadores, a falta de interessados na carreira, greves por melhores condições de trabalho e, nesta última semana, a violência sofrida por este profissional. O tema da violência voltou agora devido a pesquisa “Violência nas Escolas: o Olhar dos Professores” lançada na última semana pela Apeoesp. O estudo entrevistou 1400 professores das escolas estaduais em 167 cidades de São Paulo. Os resultados, embora contundentes, não chegam a surpreender quem conhece o cotidiano escolar.
A maior parte dos professores (62%) leciona em escolas de periferia, que são consideradas mais violentas. Do total, 57% dos professores consideram que sua escola é violenta, mas entre os que lecionam na periferia, esta proporção sobre para 63%. O policiamento está menos presente no entorno das escolas periféricas e a escola da periferia tem mais ambientes degradados ou pichados. Embora não seja maioria, é bastante alta a proporção dos professores que lecionam em mais de um turno (41%) e, no geral, a média de alunos por sala de aula é de 38, bastante acima dos parâmetros recomendados.
Os professores associam violência, principalmente, com agressão verbal (62%), agressão física (43%) e falta de respeito (33%) e já vivenciaram situações deste tipo no seu cotidiano de trabalho: 72% presenciaram brigas de estudantes, 62% já foram xingados por estudantes, 35% foram ameaçados e a mesma proporção de professores teve algum bem pessoal danificado por estudantes. Os professores também confirmam que na maior parte das escolas aconteceram casos de vandalismo, furto e discriminação.
Não chega a ser maioria, mas boa parte dos professores já viram os estudantes sob efeitos de drogas (42%), bebida alcoólica (29%) e portando armas (18%). E quase um terço dos professores do estado de São Paulo já presenciou tráfico de drogas na escola.
Na opinião da quase totalidade dos professores (95%), os principais autores da violência nas escolas são os estudantes e também seriam estes as maiores vítimas para 83% dos professores. Já 44% dos professores veem a si próprios como as maiores vítimas.
A pesquisa mostra que a violência cresce consideravelmente à medida que crescem os estudantes, sendo que 24% dos professores homens e 29% das professoras do ensino fundamental 1 (com estudantes de até 10 anos de idade) sofreram algum tipo de violência, enquanto 65% dos professores e 45% das professoras do ensino médio relataram o mesmo tipo de ocorrência.
Apesar da percepção de violência ser generalizada nos ambientes escolares, quando perguntados sobre as causas da mesma, os professores a remetem para fora: 74% mencionam genericamente falta de educação, respeito e valores , 49% referem-se especificamente à falta de educação em casa, 47% mencionam a desestruturação familiar e na sequência vem drogas e pobreza. É somente a partir do sexto colocado que as questões internas à escola começam a aparecer e, ainda assim, remetendo às atitudes dos estudantes: desinteresse pelos estudos e conflitos entre os alunos.
Sendo estas as causas atribuídas à violência, as soluções apontadas pelos professores indicam uma perspectiva fragmentada e frágil: debates sobre violência, suporte pedagógico, investimento em cultura e lazer, policiamento ao redor da escola. Na visão de 67% dos professores, são agentes externos às escolas que podem resolver os seus problemas: em primeiro lugar os pais, seguidos do governo, da sociedade e da polícia. Dentre os 25% que mencionaram agentes da escola como os responsáveis pela solução do problema, a grande maioria citou a equipe gestora.
Em síntese, os professores da rede estadual de São Paulo consideram o ambiente em que vivem violento, já presenciaram e sofreram violência, responsabilizam os estudantes pela situação e atribuem a possibilidade de superação aos pais, à direção e ao governo. Ou seja, os professores se veem impotentes diante da situação. Não é à toa que adoecem.
O problema é que a forma escola, com seus corredores, sinais sonoros, carteiras, lousas, matérias, provas, notas, séries e livros didáticos, disseminou-se tão extensamente e há tantas décadas por nossas sociedades ocidentais, que não conseguimos mais questionar o seu modelo. No nosso imaginário coletivo sobre as escolas, estas seriam lugares de ensinar e aprender, onde pessoas vocacionadas para o trabalho com as novas gerações se dedicariam a transmitir-lhes o conhecimento acumulado da humanidade, algo que seria recebido com alegria e gratidão por crianças e jovens curiosos e interessados.
Se não é isso o que está acontecendo, então deve ter alguma coisa errada do lado de fora desta instituição tão perfeita atrapalhando – famílias desestruturadas, bairros violentos, epidemias de drogas, governos desonestos.
Que outra instituição que fosse considerada violenta por quase 60% de seus profissionais não teria sua forma questionada? Só há uma que continua existindo e sendo reforçada no imaginário coletivo apesar de seu contínuo fracasso – a prisão. E assim como acontece com o sistema penal, nada irá mudar enquanto o modelo institucional não for questionado, enquanto não enxergarmos a violência que é obrigar os jovens a ficarem sentados, enfileirados por várias horas por dia, ao longo de anos, ouvindo falar de assuntos sobre os quais não perguntaram e sendo continuamente avaliados e classificados a partir do que respondem em provas sobre conhecimentos fragmentados, descontextualizados e sem sentido.
A superação da situação de violência virá quando a escola conseguir se tornar um projeto coletivo, um projeto comum de estudantes, educadores e famílias interessados em produzir conhecimento, em se transformar mutuamente ao mesmo tempo em que transformam o lugar em que estão. Quando isso acontecer, os professores deixarão de estar isolados em suas salas de aula e se verão membros de uma equipe, com um projeto coletivo, em uma comunidade.
Nada mais contrário à doença e a violência do que os sentidos de projeto, coletividade, comunidade. Mas, para isso acontecer, toda a estrutura da rede de ensino – concursos, carreiras, gestão de recursos, avaliações – terá que se voltar para isso, para a constituição de equipes escolares vinculadas com as comunidades em que atuam, em instituições que têm autonomia para gerir seus projetos político pedagógicos a partir das necessidades e dos desejos daqueles que a compõem, em busca de um sentido comum.
Helena Singer
É líder da Estratégia de Juventude America Latina na Ashoka. Também é consultora em projetos de pesquisa e formação em educação e inovação social. Como Assessora Especial no MEC, presidiu a iniciativa por Inovação e Criatividade na Educação Básica em 2015. Foi Diretora da Cidade Escola Aprendiz e chefe do Departamento de Ações Estratégicas e Inovação do Sesc Nacional. Doutora em Sociologia pela USP, com pós-doutorado em Educação pela Unicamp. É autora de livros e artigos publicados no Brasil e no exterior sobre educação e direitos humanos.